O Provincianismo Português (II)
Se fosse preciso usar de uma só palavra para com ela definir o estado presente da mentalidade portuguesa, a palavra seria “provincianismo”. Como todas as definições simples esta, que é muito simples, precisa, depois de feita, de uma explicação complexa. Darei essa explicação em dois tempos: direi, primeiro, a que se aplica, isto é, o que deveras se entende por mentalidade de qualquer país, e portanto de Portugal; direi, depois, em que modo se aplica a essa mentalidade.
Por mentalidade de qualquer país entende-se, sem dúvida, a mentalidade das três camadas, organicamente distintas, que constituem a sua vida mental — a camada baixa, a que é uso chamar povo; a camada média, a que não é uso chamar nada, excepto, neste caso por engano, burguesia; e a camada alta, que vulgarmente se designa por escol, ou, traduzindo para estrangeiro, para melhor compreensão, por elite.
O que caracteriza a primeira camada mental é, aqui e em toda a parte, a incapacidade de reflectir. O povo, saiba ou não saiba ler, é incapaz de criticar o que lê ou lhe dizem. As suas ideias não são actos críticos, mas actos de fé ou de descrença, o que não implica, aliás,
Passagens sobre Esferas
93 resultadosCrê!
Vê como a Dor te transcendentaliza!
Mas no fundo da Dor crê nobremente.
Transfigura o teu ser na força crente
Que tudo torna belo e diviniza.Que seja a Crença uma celeste brisa
Inflando as velas dos batéis do Oriente
Do teu Sonho supremo, onipotente,
Que nos astros do céu se cristaliza.Tua alma e coração fiquem mais graves,
Iluminados por carinhos suaves,
Na doçura imortal sorrindo e crendo…Oh! Crê! Toda a alma humana necessita
De uma Esfera de cânticos, bendita,
Para andar crendo e para andar gemendo!
Um Ser
Um ser na placidez da Luz habita,
Entre os mistérios inefáveis mora.
Sente florir nas lágrimas que chora
A alma serena, celestial, bendita.Um ser pertence à música infinita
Das Esferas, pertence à luz sonora
Das estrelas do Azul e hora por hora
Na Natureza virginal palpita.Um ser desdenha das fatais poeiras,
Dos miseráveis ouropéis mundanos
E de todas as frívolas cegueiras…Ele passa, atravessa entre os humanos,
Como a vida das vidas forasteiras
Fecundada nos próprios desenganos.
Em Sonhos
Nos Santos óleos do luar, floria
Teu corpo ideal, com o resplendor da Helade…
E em toda a etérea, branda claridade
Como que erravam fluidos de harmonia…As Águias imortais da Fantasia
Deram-te as asas e a serenidade
Para galgar, subir a Imensidade
Onde o clarão de tantos sóis radia.Do espaço pelos límpidos velinos
Os Astros vieram claros, cristalinos,
Com chamas, vibrações, do alto, cantando…Nos santos óleos do luar envolto
Teu corpo era o Astro nas esferas solto,
Mais Sóis e mais Estrelas fecundando!
A Alma Esférica
Considero que a alma tem forma esférica (se é que tem alguma forma). Uma esfera em que uma luz fraca penetra ligeiramente – mas só ligeiramente – sob a superfície matizada, onde sensações e actos de consciência, como bolas de sabão, rodopiam mudando constantemente de cor.
Mais abaixo há apenas um leve vestígio de luz, como no fundo do mar, e depois a escuridão. Escuridão, escuridão.
Mas não é uma escuridão ameaçadora. É uma escuridão maternal.
O Perdão e a Promessa
Se não fôssemos perdoados, eximidos das consequências daquilo que fizemos, a nossa capacidade de agir ficaria por assim dizer limitada a um único acto do qual jamais nos recuperaríamos; seríamos para sempre as vítimas das suas consequências, à semelhança do aprendiz de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para desfazer o feitiço. Se não nos obrigássemos a cumprir as nossas promessas não seríamos capazes de conservar a nossa identidade; estaríamos condenados a errar desamparados e desnorteados nas trevas do coração de cada homem, enredados nas suas contradições e equívocos – trevas que só a luz derramada na esfera pública pela presença de outros que confirmam a identidade entre o que promete e o que cumpre poderia dissipar. Ambas as faculdades, portanto, dependem da pluralidade; na solidão e no isolamento, o perdão e a promessa não chegam a ter realidade: são no máximo um papel que a pessoa encena para si mesma.
Da Ideia do Belo em Geral
I – Chamamos ao belo ideia do belo. Este deve ser concebido como ideia e, ao mesmo tempo, como a ideia sob forma particular; quer dizer, como ideal. O belo, já o dissemos, é a ideia; não a ideia abstracta, anterior à sua manifestação, não realizada, mas a ideia concreta ou realizada, inseparável da forma, como esta o é do principio que nela aparece. Ainda menos devemos ver na ideia uma pura generalidade ou uma colecção de qualidades abstraídas dos objectos reais. A ideia é o fundo, a própria essência de toda a existência, o tipo, unidade real e viva da qual os objectos visíveis não são mais que a realização exterior. Assim, a verdadeira ideia, a ideia concreta, é a que resume a totalidade dos elementos desenvolvidos e manifestados pelo conjunto dos seres. Numa palavra, a ideia é um todo, a harmoniosa unidade deste conjunto universal que se processa eternamente na natureza e no mundo moral ou do espírito.
Só deste modo a ideia é verdade, e verdade total.
Tudo quanto existe, portanto, só é verdadeiro na medida em que é a ideia em estado de existência; pois a ideia é a verdadeira e absoluta realidade. Nada do que aparece como real aos sentidos e à consciência é verdadeiro por ser real,
O amor é, sem dúvida alguma, uma espécie de nobre seletividade na esfera do sexo.
Discreta e Formosíssima Maria
Discreta e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo claramente,
Na vossa ardente vista o sol ardente,
E na rosada face a aurora fria:Enquanto pois produz, enquanto cria
Essa esfera gentil, mina excelente
No cabelo o metal mais reluzente,
E na boca a mais fina pedraria:Gozai, gozai da flor da formosura,
Antes que o frio da madura idade
Tronco deixe despido, o que é verdura.Que passado o zênith da mocidade,
Sem a noite encontrar da sepultura,
É cada dia ocaso da beldade.
Prudência é o Saber Acomodar
Espaçosa esfera é a do entendimento para discorrer por todos os objectos, e contudo tem seus intervalos em que acha comodidades o corpo: não descansa este no silêncio da noite, sem que aquele se esconda no mais interior da alma. Ainda o discorrer demasiado, dando voltas ao entendimento, é arriscar a que dê o entendimento uma volta; e como é arriscado o discorrer sem termo, não é o menos perigoso o luzir sem pausa. Seus intervalos hão-de ter os luzimentos grandes, e nem por isso deixarão de ser lúcidos intervalos, quando o saber acomodar é para melhor luzir; por isso o Sol é o melhor dos planetas, porque sabe acomodar suas luzes à dureza do diamante, como à brandura da cera; e os mesmos raios que infundem a dureza no bronze, se acomodam aos melindres de uma flor. Prudência é o saber acomodar, para melhor luzir e viver.
Brilhar com demasiado luzimento nas acções, mais estorva os aplausos do que os granjeia; porque, na opinião de Séneca, não sabem os homens aplaudir senão aquilo que só podem imitar. Com ser a luz do Sol o mais agradável objecto à vista, contudo, se é grande o excesso de seus ardores,
Vontade Contrariada pelo Carácter
Suponho que homem algum pode violar a sua natureza. Todos os ímpetos da nossa vontade são torneados pela lei do nosso ser, assim como as desigualdades dos Andes e do Himalaia se tornam insignificantes na curvatura da esfera. Tam-pouco importa como o meças e experimentes. Um carácter é como um acróstico ou como uma estância alexandrina: lido para diante, para trás, ou de través, diz sempre o mesmo.
(…) Passamos pelo que somos. O carácter fala mais alto do que a nossa vontade. Os homens imaginam que podem patentear as suas virtudes ou os seus vícios somente através de acções ostensivas, e não se dão conta de que, a todo o momento, a virtude e o vício exalam o seu alento.
As Minhas Fraquezas
Há uma certa fraqueza, uma falha em mim que é suficientemente clara e distinta mas difícil de descrever: é uma mistura de timidez, reserva, verbosidade, tibieza; pretendo com isto caracterizar qualquer coisa de específico, um grupo de fraquezas que sob um certo aspecto constituem uma única fraqueza claramente definida (o que não tem nada a ver com esses vícios graves que são a mentira, a vaidade, etc.). Esta fraqueza impede-me de enlouquecer, eu cultivo-a; com medo da loucura, sacrifico toda a ascensão que eu poderia fazer e perderei de certeza o negócio, porque não é possível fazerem-se negócios nesta esfera. A menos que a sonolência não se misture e com o seu trabalho diurno e nocturno não quebre todos os obstáculos e não prepare o caminho. Mas nesse caso serei apanhado pela loucura — porque para se fazer uma ascensão é preciso querer-se e eu não queria.
Possuímos em nós mesmos, pelo pensamento e a vontade, um poder de ação que se estende muito além dos limites de nossa esfera corpórea.
Não Tenhas Medo do Passado
Não tenhas medo do passado. Se as pessoas te disserem que ele é irrevogável, não acredites nelas. O passado, o presente e o futuro não são mais do que um momento na perspectiva de Deus, a perspectiva na qual deveríamos tentar viver. O tempo e o espaço, a sucessão e a extensão, são meras condições acidentais do pensamento. A imaginação pode transcendê-las, e mais, numa esfera livre de existências ideais. Também as coisas são na sua essência aquilo em que decidimos torná-las. Uma coisa é segundo o modo como olhamos para ela.
Neste Dia Meu Amor
Neste dia meu amor
os meus dedos são o candelabro que te ilumina
o único existente.E o homem
sua esfera perdida em mãos alheias
é o objecto de malabarismo
o insecto
voltejando cega a luz que lhe irradiam
o límpido cristal corrompido
o defunto.E este patíbulo onde o próprio carrasco se enforcará
eu o digo
será erguido como símbolo de todos os homens.Aqui a hora vai sendo longínqua meu amor e solene.
O caminho é grande o tempo tão pouco
tenhamos muita esperança e muito ódio
e vítreas flores a ornar o teu cabelo
porque serei o homem para as transportar
e tu a última mulher que as aceitará.E enquanto assim for
erguer-se-á a nuvem de múltiplas estrelas
a nebulosa
que dizem estar a milhões de anos-luz
mas não acreditemos bem o sabes
porque em verdade a temos em nossas próprias mãos
oculta para a contemplarmos agora.
Aberração
Na velhice automática e na infância,
(Hoje, ontem, amanhã e em qualquer era)
Minha hibridez é a súmula sincera
Das defectividades da Substância.Criando na alma a estesia abstrusa da ânsia,
Como Belerofonte com a Quimera
Mato o ideal; cresto o sonho; achato a esfera
E acho odor de cadáver na fragrância!Chamo-me Aberração. Minha alma é um misto
De anomalias lúgubres. Existo
Como o cancro, a exigir que os sãos enfermem…Teço a infâmia; urdo o crime; engendro o iodo
E nas mudanças do Universo todo
Deixo inscrita a memória do meu gérmen!
Criação
Há no amor um momento de grandeza,
que é de inconsciência e de êxtase bendito:
os dois corpos são toda a Natureza,
as duas almas são todo o Infinito.É um mistério de força e de surpresa!
Estala o coração da terra aflito;
rasga-se em luz fecunda a esfera acesa,
e de todos os astros rompe um grito.Deus transmite o seu hálito aos amantes:
cada beijo é a sanção dos Sete Dias,
e a Gênese fulgura em cada abraço;Porque, entre as duas bocas soluçantes,
rola todo o Universo, em harmonias
e em florificações, enchendo o espaço!
Eternidade Retrospectiva
Eu me recordo de já ter vivido,
Mudo e só, por olímpicas Esferas,
onde era tudo velhas primaveras
E tudo um vago aroma indefinido.Fundas regiões do Pranto e do Gemido
Onde as almas mais graves, mais austeras
Erravam como trêmulas quimeras
Num sentimento estranho e comovido.As estrelas, longínquas e veladas,
Recordavam violáceas madrugadas,
Um clarão muito leve de saudade.Eu me recordo d’imaginativos
Luares liriais, contemplativos
Por onde eu já vivi na Eternidade!
XXVI
Quando cantas, minh’alma desprezando
O invólucro do corpo, ascende às belas
Altas esferas de ouro, e, acima delas,
Ouve arcanjos as cítaras pulsando.Corre os países longes, que revelas
Ao som divino do teu canto: e, quando
Baixas a voz, ela também, chorando,
Desce, entre os claros grupos das estrelas.E expira a tua voz. Do paraíso,
A que subira ouvíndo-te, caído,
Fico a fitar-te pálido, indeciso…E enquanto cismas, sorridente e casta,
A teus pés, como um pássaro ferido,
Toda a minh’alma trêmula se arrasta.
O Provincianismo Português (I)
Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.
Se há característico que imediatamente distinga o provinciano, é a admiração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez, nos tempos do “Orpheu”, disse a Mário de Sá-Carneiro: “V. é europeu e civilizado, salvo em uma coisa, e nessa V. é vítima da educação portuguesa. V. admira Paris,