Não declares que as estrelas estão mortas só porque o céu está nublado.
Passagens sobre Estrelas
607 resultadosAs Almas Das Cigarras
As cigarras morreram… Todavia
Sinto um leve rumor tranqüilo e lento
Que vai, de ramaria em ramaria,
Lento e tranqüilo como o pensamento.As cigarras não são, porque, outro dia,
Vi que soltavam o último lamento…
E o vento? Deve ser a alma do vento
Que entre os ramos das árvores cicia…Entretanto o rumor parece eterno…
Agora que as estrelas se acenderam,
Vibra num coro, em serenata, ao luar…Contam os lavradores que, no inverno,
As almas das cigarras que morreram
Ressuscitam nas folhas a cantar.
Eu
Eu, eu mesmo…
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. —
Eu…
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças…
Que crianças não sei…
Eu…
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei…
Eu…
Tive um passado? Sem dúvida…
Tenho um presente? Sem dúvida…
Terei um futuro? Sem dúvida…
A vida que pare de aqui a pouco…
Mas eu, eu…
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu…
A alma, ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia tomar cor. Há seres cuja alma é uma contínua exalação: arrastam-na como um cometa ao oiro esparralhado da cauda – imensa, dorida, frenética. Há-os cuja alma é de uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes da matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluidos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsão dessa névoa sensível. Assim é que o homem faz parte da estrela e a estrela de Deus.
A Luz do Teu Amor
Oh! Sim que és linda! a inocência
Em tua fronte serena
Com tal doçura reluz!…
Tanta e tanta… que a açucena
Tão esplêndida a existência
Não lha doura assim à luz!
Oh! que és linda, e mais… e mais
Quando um traço melancólico
Te diviso no semblante
Nos teus olhos virginais!
Que doçura não existe
Ai! ó virgem, nesse instante
Na poética beleza
Desse traço de tristeza
Que te vem tornar mais bela
Mal em teu rosto pousou!
E eu te quero assim, ó estrela,
Que se inspira em mim a crença
Triste… triste, que és mais linda,
Mas dessa beleza infinda
Das ficções da renascença
Que a poesia perfumou!Fita agora os olhos lânguidos
Na estrela que te ilumina,
Eu não sei que luz divina
De amor nos fala em teu rosto!
Eu não sei, nem tu… ninguém!…
Que a vaga luz do sol posto,
Que a palidez da cecém,
Que a meiguice dos amores,
E que o perfume das flores
Não respiram a harmonia
Desse toque leve…
Lírio Lutuoso
Essência das essências delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lírio,
Oh! dá-me a glória de celeste Empíreo
Da tu’alma nas sombras encantadas.Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do Martírio,
Das Ânsias, da Vertigem, do Delírio,
Vou em busca de mágicas estradas.Acompanha-me sempre o teu perfume,
Lírio da Dor que o Mal e o Bem resumem,
Estrela negra, tenebroso fruto.Oh! dá-me a glória do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lágrimas acerbas do teu luto!.
Visão Guiadora
Ó alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lânguida beleza
Nas cadeias das lágrimas cativa.Frágil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de música aflitiva.Alma de acerbo, amargurado exílio,
Perdida pelos céus num vago idílio
Com as almas e visões dos desolados.Ó tu que és boa e porque és boa és bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.
A Escola Portuguesa
Eis as crianças vermelhas
Na sua hedionda prisão:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d’aurora.Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrela.Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.Oh, que existência doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix co’as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é — Ontem
E o do discíp’lo — Amanhã!Como é que há-de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o Passado quem ensina
O b a ba ao Futuro!
Cabra-Cega
À volta de incerto fogo
Brincaram as minhas mãos.
… E foi a vida o seu jogo!Julguei possuir estrelas
Só por vê-las.
Ai! Como estrelas andaram
Misteriosas e distantes
As almas que me encantaram
Por instantes!Em ritmo discreto, brando,
Fui brincando, fui brincando
Com o amor, com a vaidade…— E a que sentimentos vãos
Fiquei devendo talvez
A minha felicidade!
As estrelas são todas iluminadas… Será que elas brilham para que cada um possa encontrar a sua?
Desculpe, mas não posso ficar sozinha contigo senão nasce uma estrela no ar. Quem ama a solidão não ama a liberdade.
Em uma Tarde de Outono
Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono… Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto…Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos…
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol…
Balada do Poema que não Há
Quero escrever um poema
Um poema não sei de quê
Que venha todo vermelho
Que venha todo de negro
Às de copas às de espadas
Quero escrever um poema
Como de sortes cruzadasQuero escrever um poema
Como quem escreve o momento
Cheiro de terra molhada
Abril com chuva por dentro
E este ramo de alfazema
Por sobre a tua almofada
Quero escrever um poema
Que seja de tudo ou nadaUm poema não sei de quê
Que traga a notícia louca
Da história que ninguém crê
Ou esta afta na boca
Esta noite sem sentido
Coisa pouca coisa pouca
Tão aquém do pressentido
Que me dói não sei porquêQuero um poema ao contrário
Deste estado que padeço
Meu cavalo solitário
A cavalgar no avesso
De um verso que não conheçoQue venha de capa e espada
Ou de chicote na mão
Sobre esta noite acordada
Quero um poema noitada
Um poema até mais nãoQuero um poema que diga
Que nada há que dizer
Senão que a noite castiga
Quem procura uma cantiga
Que não é de adormecerPoema de amor e morte
No reino da Dinamarca
Ser ou não ser eis a sorte
O resto é silêncio e dor
Poema que traga a marca
Do Castelo de ElsenorQuero o poema que me dê
Aquela música antiga
Da Provença e da Toscânia
Vinho velho de Chianti
Com Ezra Pound em Rapallo
E versos de Cavalcanti
Ou Guilherme de Aquitânia
Dormindo sobre um cavaloE com ele então dizer
O meu poema está feito
Não sei de quê nem sobre quêDormindo sobre um cavalo
Quero o poema perfeito
Que ninguém há-de escrever
Que ele traga a estrela negra
Do canto e da solidão
Ou aquela toutinegra
De Camões quando escrevia
Sôbolos rios que vãoQue venha como um destino
Às de copas às de espadas
Que venha para viver
Que venha para morrer
Se tiver que ser será
E não há cartas marcadas
Só assim poderá ser
O poema que não há
A Vida
“A Vida”
III
“… A vida é assim, segue e verás, – a vida
é um dia de esperança, um longo poente
de incertezas cruéis, e finalmente
a grande noite estranha e dolorida…Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente
a estrada a percorrer suave e florida…
– amanhã, pela sombra, inutilmente
outra sombra a vagar, triste e perdida…A vida é assim, é um dia de esperança
uma réstia de luz entre dois ramos
que a noite envolve cedo, sem tardança…E enquanto as sombras chegam, nós, ao vê-las,
ainda somos felizes e encontramos
a saudade infinita das estrelas!…”
É a mensageira da saudade, é o relicário da prece, é a cristalização da mágoa. É imortal, porque deriva da alma. É a água que não seca, a lágrima, água do coração – salgada porque vem de um oceano sem praias, que é o desespero, estrela porque demanda o céu.
É Tempo de Natal
É tempo de Natal. Exibe-se um pinheiro,
Com lâmpadas de cor, sobre o balcão.
Tem, também, pendurados, a isca do dinheiro
E flocos finos de algodão.Nas férias, foge a freguesia
Do final das manhãs,
Com os seus kispos disformes, de inflada fantasia,
E o conforto das lãs.Bebem-se mais bebidas quentes.
O chão, mais húmido, incomoda.
E há apelos insistentes
Do cauteleiro que anda à roda.Os embrulhos, nas mesas, nos regaços,
Com vistosos papéis,
Florescem de acetinados laços,
Lembram o oiro, o incenso, a mirra, em mãos de reis.Muitos adultos. Pouca criançada.
Muito cansaço. Pouca animação.
A vida (a cruz!) tão cara, tão pesada!
E dão-se as boas-festas sem se sentir que o são.Consigo mesa junto à vidraça.
E é em mim que procuro, ou é lá fora,
A estrela que não luz, o pastor que não passa,
O anjo que não vem anunciar a hora?
Toda a pessoa tem uma estrela, e toda a estrela tem um amigo, e para cada pessoa que transporte uma estrela existe outra que a reflecte, e toda a gente transporta este reflexo como um confidente secreto no seu coração.
Natal… Natais…
Tu, grande Ser,
Voltas pequeno ao mundo.
Não deixas nunca de nascer!
Com braços, pernas, mãos, olhos, semblante,
Voz de menino.
Humano o corpo e o coração divino.Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?Em cada estrela sempre pomos a esperança
De que ela seja a mensageira,
E a sua chama azul encha de luz a terra inteira.
Em cada vela acesa, em cada casa, pressentimos
Como um anúncio de alvorada;
E ein cada árvore da estrada
Um ramo de oliveira;
E em cada gruta o abrigo da criança omnipotente;E no fragor do vento falas de anjos, e no vácuo
De silêncio da noite
Estriada de súbitos clarões,
A presença de Alguém cuja forma é precária
E a sua essência, eterna.
Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?
Êxtase Búdico
Abre-me os braços, Solidão profunda,
Reverência do céu, solenidade
Dos astros, tenebrosa majestade,
Ó planetária comunhão fecunda!Óleo da noite, sacrossanto, inunda
Todo o meu ser, dá-me essa castidade,
As azuis florescências da saudade,
Graça das graças imortais oriunda!As estrelas cativas no teu seio
Dão-me um tocante e fugitivo enleio,
Embalam-me na luz consoladora!Abre-me os braços, Solidão radiante,
Funda, fenomenal e soluçante,
Larga e búdica Noite Redentora!
O Amor não Tem Nenhuma Parte Terrena
Por ser maior o cerco de ouro ardente
do sol que o globo opaco que é a terra,
e menor que este o que à lua encerra
as três caras que mostra diferente,ora a vemos minguante, ora crescente,
ora na sombra o eclipse a enterra;
porém aos seis planetas não faz guerra,
nem uma estrela sua injúria sente.A fogueira do meu amor, cravada
no zénite do vasto firmamento,
não baixa em sombras ou está eclipsada.Manchas da terra não as experimento:
que sua noite dista da sagrada
região onde minha fé tem seu assento.Tradução de José Bento