A Verdade Está à Frente do Nosso Nariz
NĂłs já esquecemos completamente o axioma de que que a verdade Ă© a coisa mais poĂ©tica no mundo, especialmente no seu estado puro. Mais do que isso: Ă© ainda mais fantástica que aquilo que a mente humana Ă© capaz de fabricar ou conceber… de facto, os homens conseguiram finalmente ser bem sucedidos em converter tudo o que a mente humana Ă© capaz de mentir e acreditar em algo mais compreensĂvel que a verdade, e Ă© isso que prevalece por todo o mundo. Durante sĂ©culos a verdade irá continuar Ă frente do nariz das pessoas mas estas nĂŁo a tomarĂŁo: irĂŁo persegui-la atravĂ©s da fabricação, precisamente porque procuram algo fantástico e utĂłpico.
Passagens sobre Fantástico
72 resultadosMors – Amor
Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terrĂveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
NĂŁo sei que horror nas crinas agitadas?Um cavaleiro de expressĂŁo potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: “Eu sou a morte!”
Responde o cavaleiro: “Eu sou o Amor!”
XXXIV
Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memĂłria
Ficasse para sempre consumida!Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.Não vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.
O mundo está cheio de livros fantásticos que ninguém lê.
O Absurdo do CĂşmulo da Felicidade
Agora pergunto-lhe: o que podemos esperar do homem enquanto criatura dotada de tĂŁo estranhas qualidades? Faça chover sobre ele todos os tipos de bĂŞnçãos terrenas; submerja-o em felicidade atĂ© acima da cabeça, de modo que sĂł pequenas bolhas apareçam na superfĂcie dessa felicidade, como se em água; dĂŞ a ele uma prosperidade econĂłmica tamanha que nada mais lhe reste para ser feito, excepto dormir, comer pĂŁo-de-lĂł e preocupar-se com a continuação da histĂłria mundial — mesmo assim, por pura ingratidĂŁo, por exclusiva perversidade, ele vai cometer algum acto repulsivo. Ele atĂ© mesmo arriscará perder o seu pĂŁo-de-lĂł e desejará intencionalmente o mais depravado lodo, o mais antieconĂłmico absurdo, simplesmente a fim de injectar o seu fantástico e pernicioso elemento no âmago de toda essa racionalidade positiva.
É fantástico a gente sentir o que não quer e ter um coração independente.
Eu acho que o sexo é uma coisa muito bonita entre duas pessoas. Entre cinco, então, é fantástico.
Produtividade
Nem todos aqueles a quem se transmite uma ideia muito sugestiva se tornam produtivos. Com mais facilidade acontece lembrarem-se de coisas por de mais conhecidas.
É preciso ter presente que há muitas pessoas que, sem serem produtivas, têm vontade de dizer alguma coisa de importante. É fantástico o que se ouve em tais situações.
O Homem Deformado pela Sociedade
Formou Deus o homem, e o pĂ´s num paraĂso de delĂcias; tornou a formá-lo a sociedade, e o pĂ´s num inferno de tolices. O homem — nĂŁo o homem que Deus fez, mas o homem que a sociedade tem contrafeito, apertando e forçando em seus moldes de ferro aquela pasta de limo que no paraĂso terreal se afeiçoara Ă imagem da divindade — o homem assim aleijado como nĂłs o conhecemos, Ă© o animal mais absurdo, o mais disparatado e incongruente que habita na terra.
Rei nascido de todo o criado, perdeu a realeza: prĂncipe deserdado e proscrito, hoje vaga foragido no meio de seus antigos estados, altivo ainda e soberbo com as recordações do passado, baixo, vil e miserável pela desgraça do presente.
Destas duas tĂŁo apostas actuações constantes, que já per si sĂłs o tornariam ridĂculo, formou a sociedade, em sua vĂŁ sabedoria, um sistema quimĂ©rico, desarrazoado e impossĂvel, complicado de regras a qual mais desvairada, encontrado de repugnâncias a qual mais aposta. E vazado este perfeito modelo de sua arte pretensiosa, meteu dentro dele o homem, desfigurou-o, contorceu-o, fĂŞ-lo o tal ente absurdo e disparatado, doente, fraco, raquĂtico; colocou-o no meio do Éden fantástico de sua criação — verdadeiro inferno de tolices — e disse-lhe,
Até conseguirmos educar cada criança de uma forma fantástica, até que cada cidade interior esteja completamente limpa, não existem poucas coisas a fazer.
O homem Ă© uma espĂ©cie fantástica. Apesar de ter enlouquecido consegue administrar o hospĂcio onde mora, este palco flutuante que Ă©, ao mesmo tempo, casa de armas e selva paradisĂaca.
Abandonar a Zona de Conforto
NinguĂ©m adquire confiança na rotina. É impossĂvel. É mais do mesmo, todos os dias para o resto das suas vidas. É uma espĂ©cie de piloto automático programado para embater, a qualquer momento, na montanha mais alta e Ă© uma agoniante e pasmacenta viagem Ă ingratidĂŁo e ao pior dos hábitos da raça humana: a preguiça. VivĂŞ-la Ă© morrer todos os dias. A rotina, essa resignação perante a putrefação, Ă©, portanto, para os desistentes, para os ingratos e fracos de espĂrito. Na verdade, por que motivo quererĂŁo eles confiar em si mesmos se já pereceram? NĂŁo faz sentido, certo? Deixai-os estar, apáticos como eles gostam, pois ainda que deambulem de um lado para o outro, a verdade Ă© que nĂŁo passam de voltas e viravoltas dentro das suas prĂłprias urnas.
Toquei-te? De alguma forma te pareci violento nestas Ăşltimas linhas?
Se sim, fantástico; mas não, esta forma de me expressar nada tem a ver com agressividade ou violência. É apenas dizer, letrinha a letrinha, o que penso e sinto a este respeito e a isso chama-se ser assertivo.
Olhos de Lobas
Teus olhos lembram cĂrios
Acesos n’um cemitério…Têm um fulgor estranho singular
Os teus olhos febris… Incendiados!…Como os Clarões Finais… – Exaustinados
Dos restos dos archotes, desdeixados…
— Nas criptas d’um Jazigo Tumular!…— Como a Luz que na Noute Misteriosa
— Fantástica – Fulgisse nas Ogivas
Das Janelas de Estranho Mausoléu!…— Mausoléu, das Saudades do Ideal!…
— Oh Saudades… Oh Luz Transcendental!
— Oh memórias saudosas do Ido ao Céu!…— Oh Pérpetuas Febris!… – Oh Sempre Vivas!…
— Oh Luz do Olhar das Lobas Amorosas!…
ManhĂŁ de Inverno
Coroada de névoas, surge a aurora
Por detrás das montanhas do oriente;
Vê-se um resto de sono e de preguiça,
Nos olhos da fantástica indolente.Névoas enchem de um lado e de outro os morros
Tristes como sinceras sepulturas,
Essas que tĂŞm por simples ornamento
Puras capelas, lágrimas mais puras.A custo rompe o sol; a custo invade
O espaço todo branco; e a luz brilhante
Fulge através do espesso nevoeiro,
Como através de um véu fulge o diamante.Vento frio, mas brando, agita as folhas
Das laranjeiras Ăşmidas da chuva;
Erma de flores, curva a planta o colo,
E o chĂŁo recebe o pranto da viĂşva.Gelo nĂŁo cobre o dorso das montanhas,
Nem enche as folhas trĂŞmulas a neve;
Galhardo moço, o inverno deste clima
Na verde palma a sua história escreve.Pouco a pouco, dissipam-se no espaço
As névoas da manhã; já pelos montes
VĂŁo subindo as que encheram todo o vale;
Já se vão descobrindo os horizontes.Sobe de todo o pano; eis aparece
Da natureza o esplêndido cenário;
Abaixo el-rei SebastiĂŁo
É preciso enterrar el-rei Sebastião
Ă© preciso dizer a toda a gente
que o Desejado já não pode vir.
É preciso quebrar na ideia e na canção
a guitarra fantástica e doente
que alguém trouxe de Alcácer Quibir.Eu digo que está morto.
Deixai em paz el-rei SebastiĂŁo
deixai-o no desastre e na loucura.
Sem precisarmos de sair o porto
temos aqui Ă mĂŁo
a terra da aventura.VĂłs que trazeis por dentro
de cada gesto
uma cansada humilhação
deixai falar na vossa voz a voz do vento
cantai em tom de grito e de protesto
matai dentro de vĂłs el-rei SebastiĂŁo.Quem vai tocar a rebate
os sinos de Portugal?
Poeta: Ă© tempo de um punhal
por dentro da canção.
Que Ă© preciso bater em quem nos bate
Ă© preciso enterrar el-rei SebastiĂŁo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única central realidade que não está em nenhum e está em todos.
Flores Velhas
Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,
Aonde tanta vez a lua nos beijou,
E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,
Soberba como um sol, serena como um vĂ´o.Em tudo cintilava o lĂmpido poema
Com Ăłsculos rimado Ă s luzes dos planetas:
A abelha inda zumbia em torno da alfazema;
E ondulava o matiz das leves borboletas.Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,
A imagem que inspirava os castos madrigais;
E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem,
Traziam-me Ă memĂłria idĂlios imortais.E nosso bom romance escrito num desterro,
Com beijos sem ruĂdo em noites sem luar,
Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,
Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas
Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,
E eu nĂŁo te beijarei, Ă s horas sonolentas,
Os dedos de marfim, polidos e delgados…Eu, por não ter sabido amar os movimentos
Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,
Eu sinto as decepções e os grandes desalentos
E tenho um riso meu como o sorrir de Judas.
O amor é a vida. Enquanto as artérias pulsam, e a refracção da beleza corisca nos olhos, por mais cansados de lágrimas que sejam; enquanto o homem tem energia nas angústias, e saudade tormentosa que o volta para um amor passado; o coração não está morto; as pálpebras não descaem sobre os olhos que se apascentam no belo: o ideal, que se anuvia em remotas regiões, rasga um dia a fantástica mortalha, e caminha diante do proscripto da felicidade como a columa luminosa do deserto.
DevĂamos morrer de desespero, quando descobrimos que o que tĂnhamos tomado por alvo dos nossos pensamentos, dos nossos desejos, dos nossos sonhos, nĂŁo existe, ou nĂŁo Ă© mais do que um nevoeiro a que a distância empresta formas fantásticas.
LXXVII
Não há no mundo fé, não há lealdade;
Tudo é, ó Fábio, torpe hipocrisia;
Fingido trato, infame aleivosia
Rodeiam sempre a cândida amizade.Veste o engano o aspecto da verdade;
Porque melhor o vĂcio se avalia:
PorĂ©m do tempo a mĂsera porfia,
Duro fiscal, lhe mostra a falsidade.Se talvez descobrir-se se procura
Esta de amor fantástica aparência,
É como à luz do Sol a sombra escura:Mas que muito, se mostra a experiência,
Que da amizade a torre mais segura
Tem a base maior na dependĂŞncia!