Protesto
Não é no teu corpo que se imola
para a ceia dos meus sentidos
a vítima núbil, a áurea mola
que cinge o amor recente aos idos.Mas é também no teu corpo que corre
o sangue que o meu sangue socorre.Não é no teu corpo que se ergue
a guerra fria dos meus nervos.nem nasceram tuas transparências
para a cegueira dos meus dedos.Mas é também no teu corpo insano
que perscruto meu desconforto humano.Não é no teu corpo, nos teus olhos
de fauno, que colho as minhas ditas,
nem o jasmim de tua boca flore
para a visão que me solicita.Mas é também no teu corpo único
que o amor à forma do Amor reúno.Não é no teu corpo que concentro
minha sede (esta sede ferina
que morre de seu farto alimento
e vive de quanto se elimina)Mas é também teu corpo a medida
destas águas sobre a minha ferida.Não é no teu corpo, mas é tanto
no teu corpo meu último refúgio,
Passagens sobre Ferida
158 resultadosMiseráveis Macabros
É que não foram tão poucas como isso as vezes que vi a piedade enganar-se. Nós, que governamos os homens, aprendemos a sondar-lhes os corações, para só ao objecto digno de estima dispensarmos a nossa solicitude. Mais não faço do que negar essa piedade às feridas de exibição que comovem o coração das mulheres. Assim como também a nego aos moribundos, e além disso aos mortos. E sei bem porquê.
Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade pelos mendigos e pelas suas úlceras. Até chegava a apalavrar curandeiros e a comprar bálsamos por causa deles. As caravanas traziam-me de uma ilha longínqua unguentos derivados do ouro, que têm a virtude de voltar a compor a pele ao cimo da carne. Procedi assim até descobrir que eles tinham como artigo de luxo aquele insuportável fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com bosta aquelas pústulas, como quem estruma uma terra para dela extrair a flor cor de púrpura. Mostravam orgulhosamente uns aos outros a sua podridão e gabavam-se das esmolas recebidas.
Aquele que mais ganhara comparava-se a si próprio ao sumo sacerdote que expõe o ídolo mais prendado. Se consentiam em consultar o meu médico, era na esperança de que o cancro deles o surpreendesse pela pestilência e pelas proporções.
Lisboa perto e longe
Lisboa chora dentro de Lisboa
Lisboa tem palácios sentinelas.
E fecham-se janelas quando voa
nas praças de Lisboa – branca e rota
a blusa de seu povo – essa gaivota.Lisboa tem casernas catedrais
museus cadeias donos muito velhos
palavras de joelhos tribunais.
Parada sobre o cais olhando as águas
Lisboa é triste assim cheia de mágoas.Lisboa tem o sol crucificado
nas armas que em Lisboa estão voltadas
contra as mãos desarmadas – povo armado
de vento revoltado violas astros
– meu povo que ninguém verá de rastos.Lisboa tem o Tejo tem veleiros
e dentro das prisões tem velas rios
dentro das mãos navios prisioneiros
ai olhos marinheiros – mar aberto
– com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.Lisba é uma palavra dolorosa
Lisboa são seis letras proibidas
seis gaivotas feridas rosa a rosa
Lisboa a desditosa desfolhada
palavra por palavra espada a espada.Lisboa tem um cravo em cada mão
tem camisas que abril desabotoa
mas em maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguem verá de joelhos.
Existem três cachorros perigosos: a ingratidão, a soberba e a inveja. Quando mordem deixam uma ferida profunda.
Há coisas que melhor se dizem calando. As feridas do coração, como as do corpo, deixam cicatrizes. Nossos corpos são nossos jardins, cujos jardineiros são nossas vontades.
Amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer
Quando a razão é capaz de entender o ocorrido, as feridas no coração já são profundas demais.
Suporte Real para a Emoção
Um fidalgo dos nossos, extremamente sujeito à gota, sendo pressionado pelos médicos a abandonar totalmente o uso das carnes salgadas, acostumara-se a responder muito espirituosamente que desejava ter o que culpar pelos ataques e tormentos do mal e que vituperando e maldizendo ora o salsichão, ora a língua de boi e o presunto, sentia-se proporcionalmente aliviado. Mas, seriamente, assim como o braço que é erguido para bater nos dói se o golpe falhar e ele for ao vento; e assim como para tornar agradável uma vista é preciso que ela não esteja perdida e isolada no vazio do ar, mas tenha uma proeminência para apoiá-la a razoável distância,
Assim como o vento, se espessas florestas não lhe opõem resistência, perde as forças e se dissipa no espaço vazio… (Lucano)
Da mesma forma parece que a alma estimulada e posta em movimento se perde em si mesma se não lhe dermos uma presa: é preciso sempre fornecer-lhe um objecto sobre o qual ela se lance e actue.
Diz Plutarco, a propósito dos que se afeiçoam a macacos e cachorrinhos, que a parte amorosa que existe em nós, na falta de um alvo legítimo, em vez de ficar inútil forja assim para si um alvo falso e fútil.
E eu sou como um boomerang, quando eu acerto é pra matar… Como um boomerang tudo vai voltar, e a ferida que você me fez, é em você que vai sangrar…
Aqui Mereço-te
O sabor do pão e da terra
e uma luva de orvalho na mão ligeira.
A flor fresca que respiro é branca.
E corto o ar como um pão enquanto caminho entre searas.
Pertenço em cada movimento a esta terra.
O meu suor tem o gosto das ervas e das pedras.
Sorvo o silêncio visivel entre as árvores.
É aqui e agora o dilatado abraço das raízes claras do sono.
Sob as pálpebras transparentes deste dia
o ar é o suspiro dos próprios lábios.
Amar aqui é amar no mar,
mas com a resistência das paredes da terra.A mão flui liberta tão livre como o olhar.
Aqui posso estar seguro e leve no silêncio
entre calmas formas, matérias densas, raízes lentas,
ao fogo esparso que alastra ao horizonte.
No meu corpo acende-se uma pequena lâmpada.
Tudo o que eu disser são os lábios da terra,
o leve martelar das línguas de água,
as feridas da seiva, o estalar das crostas,
o murmúrio do ar e do fogo sobre a terra,
o incessante alimento que percorre o meu corpo.
Desde a Aurora
Como um sol de polpa escura
para levar à boca,
eis as mãos:
procuram-te desde o chão,entre os veios do sono
e da memória procuram-te:
à vertigem do ar
abrem as portas:vai entrar o vento ou o violento
aroma de uma candeia,
e subitamente a ferida
recomeça a sangrar:é tempo de colher: a noite
iluminou-se bago a bago: vais surgir
para beber de um trago
como um grito contra o muro.Sou eu, desde a aurora,
eu — a terra — que te procuro.
O diálogo que leva ao amor, que dá a cada um a vontade de se arriscar, não surge da sedução e do charme, mas da coragem de nos apresentarmos por nossas falhas, feridas e perdas.
A honra nunca se ofende impunemente: nunca existe por metade; inteira é forte, ferida está morta.
Amor e Intimidade
Toda a gente tem medo da intimidade — ter ou não ter consciência desse medo é outra história. A intimidade significa expor-se perante um estranho — e todos nós somos estranhos; ninguém conhece ninguém. Somos mesmo estranhos a nós próprios, porque não sabemos quem somos.
A intimidade aproxima-o de um estranho. Tem de deixar cair todas as suas defesas; só assim a intimidade é possível. E o seu medo é que se deixar cair todas as suas defesas, todas as suas máscaras, quem sabe o que o estranho lhe poderá fazer. Todos nós andamos a esconder mil e uma coisas, não só dos outros mas de nós próprios, porque fomos criados por uma humanidade doente com toda a espécie de repressões, inibições e tabus. E o medo é que, com alguém que seja um estranho — e não importa se se viveu com a pessoa durante trinta ou quarenta anos; a estranheza nunca desaparece —, parece mais seguro manter uma ligeira defesa, uma pequena distância, porque alguém se poderá aproveitar das suas fraquezas, da sua fragilidade, da sua vulnerabilidade.
Toda a gente tem medo da intimidade. O problema torna-se mais complicado porque toda a gente quer intimidade. Toda a gente quer intimidade porque,
Honra Aparente
A honra não consiste na opinião dos outros sobre o nosso valor, mas unicamente nas exteriorizações dessa opinião, pouco importando se a opinião externada de facto existe ou não, muito menos se ela tem fundamento. Por conseguinte, os outros podem nutrir a pior opinião a nosso respeito, por conta do nosso modo de vida, e podem desprezar-nos como bem entenderem; durante o tempo em que ninguém se atrever a expressá-la em voz alta, ela não prejudicará em nada a nossa honra. Mas, ao contrário, se mesmo com as nossas qualidades e acções compelirmos os outros a atribuir-nos elevada estima (pois isto não depende do seu arbítrio), então bastará que apenas um indivíduo – seja ele o pior e mais ignorante – exprima o seu desprezo por nós para que logo a nossa honra seja ferida e até perdida para sempre, caso não a reparemos.
Um demonstrativo supérfluo disso, ou seja, de que aqui não se trata da opinião de outrem, mas apenas da sua exteriorização, é que as ofensas podem ser retiradas ou, se necessário, pode-se pedir perdão, e então é como se elas jamais tivessem acontecido. A questão de saber se a opinião que produziu as ofensas também mudou e por que isso aconteceria não afecta em nada o caso: anula-se simplesmente a sua exteriorização e tudo fica bem.
Como Nossos Pais
Não quero lhe falar, meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa
Por isso cuidado, meu bem, há perigo na esquina!
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós
Que somos jovens
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantada como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
O cheiro da nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração
Já faz tempo eu vi você na rua cabelo ao vento gente jovem reunida
Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como nossos pais
Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam,
O trabalho chega ao seu termo tal como uma ferida ainda aberta se pode fechar.
Ferida do coração onde possa chegar o agro adstringente de uma lágrima, cicatriza cedo ou tarde.
Em cada coração há uma casa Um santuário seguro e forte Para curar os amantes das feridas do passado Até um novo amor aparecer
Cega! que não conhece
Que pode haver ferida
Na alma, e que menos dói perder a vida!