Tentara o Amor de Abril
Tentara o amor de Abril tornar mais duro,
Naquele mês de céu azul cortado
Pelas pandorgas cor do assombro, o brado
Que no meu peito armava o meu futuro;Porque de novo, a procurar, procuro,
De bruços na janela, e debruçado
Por sobre as mágoas deste amor calado,
Nas portas tenebrosas, o ar mais puro.Firmando para o Norte, o brando povo
Das andorinhas parte, e fervoroso
Consuma o seu destino. Eu tento armá-loNo céu da alma, e durmo procurando
Essa firmeza no abandono, e calo,
Por pouco tempo embora o como e o quando.
Passagens sobre Firmeza
92 resultadosO Sentimento dum Ocidental
I
Avé-Maria
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
Dos meus antepassados gauleses tenho os olhos azuis pálidos, uma firmeza limitada e a falta de habilidade na luta.
Deslumbramentos
Milady, é perigoso contemplá-la,
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas!…Em si tudo me atrai como um tesouro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de ouro
E o seu nevado e lúcido perfil!Ah! Como me estonteia e me fascina…
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!…Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demônio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pêlo dum regalo!Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.
Toda a Virtude Assenta na Justa Medida
Toda a virtude assenta na justa medida, e a justa medida baseia-se em proporções determinadas. A firmeza não pode sequer tentar elevar-se, e o mesmo se dirá da confiança, da verdade, da lealdade. Pode acrescentar-se alguma coisa àquilo que é perfeito? Nada, de outro modo não seria perfeito, pois algo se lhe acrescentou. Nada, por conseguinte, se pode adicionar à virtude, pois se tal fosse possível era porque algo lhe faltava. Também a honestidade não é passível de qualquer acréscimo, pois o que é a honestidade decorre do raciocínio acima exposto. E quanto ao mais, o respeito pelas normas sociais, a justiça, a legalidade, não achas que são conceitos do mesmo tipo, definidos por critérios igualmente rigorosos? Para uma coisa ser susceptível de acréscimo essa coisa tem de ser imperfeita. Todo o bem obedece a esta mesma lei: o interesse privado e o interesse público são tão dissociáveis como, que sei eu?, aquilo que merece o louvor se não distingue do que merece o nosso esforço. Por conseguinte, todas as virtudes são tão iguais entre si como todas as realizações da virtude e todos os homens dotados dessas virtudes.
O Amor Confina o Amor
Na branda luz do frio, gravo a ternura
De andar sofrendo, pela vez primeira,
O amor que, por engano, a vida inteira
Transforma numa lenta desventura.Se no ar desta manhã sopra tão pura
A obrigação de respirar-me, à beira
De uma esperança enferma e derradeira,
Vou respirando a flor de uma armaduraImposta pelo amor. Sobre a incerteza
Do noivo abandonado, abre a firmeza
De prosseguir lutando, e ardentementeEste poder desperta o ardor de um canto
No cárcere de vidro onde, inclemente,
O amor confina o amor, como num pranto.
Seis Virtudes que se Podem Tornar Defeitos
Conheceis as seis virtudes e os seis defeitos nos quais pode cair aquele que quer praticar as seis virtudes sem conhecê-las bem? O defeito daquele que quer ser benfeitor e não quis aprender a sê-lo, é a falta de discernimento; o defeito daquele que ama a ciência e não ama o estudo, é o de cair em erro; o defeito daquele que gosta de cumprir promessas e não aprendeu a fazê-las, é prejudicar os outros, prometendo-lhes e dando-lhes coisas nocivas; o defeito daquele que ama a franqueza e não aprendeu a praticá-la é o de aconselhar a repreender muito livremente sem nenhuma consideração para com as pessoas; o defeito daquele que gosta de mostrar coragem e não aprendeu a saber doseá-la é perturbar a ordem; o defeito daquele que ama a firmeza de alma e não aprendeu a limitá-la é a temeridade.
Amizade procedida de comer, beber, e passear juntos, não merece nome de tal, nem pode ter firmeza.
És Linda
És linda. E nem sabes quantos pedaços de beleza tive de juntar para chegar a esta conclusão. Para te construir, tive de misturar a conspiração das searas com a tristeza do choupo, a inquietação da cotovia com o cheiro lavado do vento do ocidente. E a firmeza repartida dos livros, com a alegria explosiva dos miosótis e a luz escura das violetas. Juntei depois um pouco de ansiedade das estrelas, a paciência das casas à beira da falésia, a espuma da terra, o respirar do sul, as perguntas de gesso que se fazem à lua. Acrescentei-lhe a canção das margens e pequenos pedaços da angústia do olhar. Não esqueci a intimidade do frio nem a dor branca que habita o coração dos muros. Por fim, deitei na tua pele o sono dos alperces, aos teus músculos prometi a violência das cascatas, no teu sexo acordei a memória do universo.
A tua beleza está no meu desejo, nos meus olhos, na minha desigual maneira de te amar. És linda, repito. Mas tenta não encarar o que te digo como um elogio.
Valem Mais as Vidas do que os Livros
Defende Cleantes a opinião de que em nada nos interessam as ideias dos homens e que acima de tudo devemos pôr o seu carácter, a honestidade e a firmeza, a independência e a lisura do seu procedimento. Se de política tratamos, Cleantes, que, por definição, é honesto, sentir-se-á muito bem representado ou muito bem governado não por aquele que, incluindo nos seus programas de eleição ou nas suas declarações ideias que perfeitamente se harmonizam com as dele, depois aparece apenas como um membro de toda a raça infinita dos que sobem por fora, mas por aquele que, tendo-o porventua irritado com a sua maneira de pensar, em seguida vem habitar a ilha minúscula dos que sobem por dentro. Se de dois candidatos que se apresentam, um está no partido contrário ao nosso mas é um honesto, seguro cidadão, e o outro se proclama correligionário, mas nos deixa dúvidas sobre a integridade moral, diz Cleantes que ninguém deve hesitar: o nosso voto deve ir para o que dá garantias de uma fiscalização séria dos negócios e não deixará que se maltrate a Justiça. Sobretudo se formos moralistas, isto é, se acreditarmos que o mundo se salvará pela moral; e, como cumpre a moralistas,
Porque, enfim, tudo passa;
Não sabe o Tempo ter firmeza em nada;
E a nossa vida escassa
Foge tão apressada.
Que quando se começa é acabada.
Escolher a Felicidade
Nem paz nem felicidade se recebem dos outros nem aos outros se dão. Está-se aqui tão sozinho como no nascer e no morrer; como de um modo geral no viver, em que a única companhia possível é a daquele Deus a um tempo imanente e transcendente e a dos que neles estão, a de seus santos. Felicidade ou paz nós as construímos ou destruímos: aqui o nosso livre-arbítrio supera a fatalidade do mundo físico e do mundo do proceder e toda a experiência que vamos fazendo, negativa mesmo para todos, a podemos transformar em positiva. Para o fazermos, se exige pouco, mas um pouco que é na realidade extremamente difícil e que não atingiremos nunca por nossas próprias forças: exige-se de nós, primacialmente, a humildade; a gratidão pelo que vem, como a de um ginasta pelo seu aparelho de exercício; a firmeza e a serenidade do capitão de navio em sua ponte, sabendo que o ata ao leme não a vontade de um rei, como nos Descobrimentos, mas a vontade de um rei de reis, revelada num servidor de servidores; finalmente, o entregar-se como uma criança a quem sabe o caminho. De qualquer forma, no fundo de tudo, o que há é um acto de decisão individual,
O Homem Perfeito
A virtude subdivide-se em quatro aspectos: refrear os desejos, dominar o medo, tomar as decisões adequadas, dar a cada um o que lhe é devido. Concebemos assim as noções de temperança, de coragem, de prudência e de justiça, cada qual comportando os seus deveres específicos. A partir de quê, então, concebemos nós a virtude? O que no-la revela é a ordem por ela própria estabelecida, o decoro, a firmeza de princípios, a total harmonia de todos os seus actos, a grandeza que a eleva acima de todas as contingências. A partir daqui concebemos o ideal de uma vida feliz, fluindo segundo um curso inalterável, com total domínio sobre si mesma. E como é que este ideal aparece aos nossos olhos? Vou dizer-te.
O homem perfeito, possuidor da virtude, nunca se queixa da fortuna, nunca aceita os acontecimentos de mau humor, pelo contrário, convicto de ser um cidadão do universo, um soldado pronto a tudo, aceita as dificuldades como uma missão que lhes é confiada. Não se revolta ante as desgraças como se elas fossem um mal originado pelo azar, mas como uma tarefa de que ele é encarregado. «Suceda o que suceder», — diz ele — «o caso é comigo;
Quanto Mais Pode Amor num Peito Humano
Quanto mais pode amor num peito humano,
Tanto se mostra mais não ter firmeza,
Pois quando dá mor gosto e mor alteza,
Então é mais cruel e desumano;Põe debaixo do bem um falso engano,
Promete-vos prazer, dá-vos tristeza,
Seus afagos e gostos são crueza,
O mor gosto que tem é ser tirano.Alto me pôs a fé e o pensamento,
Por que mor queda assim fizesse dar-me
Amor, que em ser cruel é tão isento;Foi-me desenganar por segurar-me;
Assim, quanto me deu, foi tudo vento,
Desenganou-me enfim, para enganar-me!
Somente em Ser Mudável Tem Firmeza
Todo animal da calma repousava,
Só Liso o ardor dela não sentia;
Que o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia na Ninfa que buscava.Os montes parecia que abalava
O triste som das mágoas que dizia:
Mas nada o duro peito comovia,
Que na vontade de outro posto estava.Cansado já de andar pela espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança
Escreve estas palavras de tristeza:Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza.
O Sentido da Vida Está em Cada um de Nós
‘Vejamos, que vem a ser isto que me perturba?’, perguntou Levine a si próprio, sentindo, no fundo da sua alma, a solução para as suas dúvidas, embora ainda não soubesse qual fosse. ‘Sim, a única manifestação evidente e indiscutível da divindade está nas leis do bem, expostas ao mundo pela revelação que sinto dentro de mim e me identifica, quer queira quer não, com todos aqueles que como eu as reconhecem. É esta congregação de criaturas humanas comungando na mesma crença que se chama Igreja. Mas o judeus, os muçulmanos, os budistas, os confuccionistas?’, disse para si mesmo, repisando o ponto delicado. ‘Estarão eles entre milhões de homens privados do maior de todos os benefícios, do único que dá sentido à vida?… Ora vejamos’, continuou, após alguns instantes de reflexão, ‘qual é o problema que eu a mim mesmo estou a pôr? O das relações das diversas crenças da humanidade com a Divindade? É a revelação de Deus no Universo, com os seus astros e as suas nebulosas, que eu pretendo sondar. E é no momento em que me é revelado um saber certo inacessível à razão que eu me obstino em recorrer à lógica!
‘Eu bem sei que as estrelas não caminham’,
Compaixão Mórbida
Todos os dias desfaço-me, por via da razão, desse sentimento pueril e inumano que faz que desejemos que os nossos males suscitem a compaixão e o pesar nos nossos amigos. Fazemos valer os nossos infortúnios desproporcionadamente para provocar as suas lágrimas. E a firmeza face à má fortuna, que louvamos em toda a gente, reprovamo-la e repudiamo-la aos nossos íntimos quando a má fortuna é a nossa. Não nos contentamos com que eles sejam sensíveis às nossas dores, precisamos que com elas se aflijam.
Deve-se espalhar a alegria, mas conter, tanto quanto possível, a tristeza. Quem quer ser compadecido sem razão é homem que não o merece ser quando houver razão para tal. Estar sempre a lamentar-se é caso para se não ser lamentado, pois quem tantas vezes faz de coitadinho não inspira dó a ninguém. Quem faz de morto estando vivo sujeita-se a ser tido por vivo em morrendo. Vi doentes abespinharem-se por os acharem de bom semblante e com o pulso normal, reprimirem o riso porque este denunciava a sua cura e odiarem a saúde por ela não suscitar compaixão.
Atreve-te a Julgar
Atreve-te a julgar. Julga os outros julgando-te a ti mesmo. A natureza das coisas é a tua natureza. Respira-te, despe-te, faz amor com as tuas convicções, não te limites a sorrir quando não sabes o que dizer. Os teus dentes estão lavados, as tuas mãos são amáveis, mas falta-te decisão nos passos e firmeza nos gestos. Procura-te. Tenta encontrar-te antes que te agarre a voracidade do tempo. Faz as coisas com paixão. Uma paixão irrequieta, que não te dê descanso e te faça doer a respiração. Aspira o ar, bebe-o com força, é teu, nem um cêntimo pagarás por ele.
Nada dá tanta ideia da constância de carácter, como a firmeza de caminhar. Uma alemã, uma inglesa, anda como pensa – direita e certa. As nossas raparigas, constantemente sentadas e aninhadas, quando têm de se pôr a pé e de marchar, gingam e rolam.
Se tanta pena tenho merecida
Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u~a alma oferecida.Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.Mas contra vosso olhos quais serão?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.Porque, em tão dura e áspera contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.