As Canseiras Destinam-se a Satisfazer os Luxos
Nos dias de hoje, quem consideras tu como sábio? O técnico que sabe montar repuxos de água perfumada através de canalizações invisíveis, o que é capaz de encher ou esvaziar num instante os canais artificiais, o que sabe dar diversas disposições aos caixotões móveis do tecto de modo a que o salão de banquetes vá mudando de decoração à medida que vão surgindo os vários pratos? Ou antes aquele que demonstra, a si mesmo e aos outros, que a natureza nos não impõe nada que seja duro e difícil, que para termos uma casa não carecemos de marmoristas ou de marceneiros, que para nos vestirmos não dependemos do comércio da seda, em suma, que para dispormos do essencial à vida quotidiana nos basta aquilo que a terra nos apresenta à superfície? Se a humanidade se dispusesse a seguir os conselhos de um tal homem imediatamente perceberia que tão inútil é o cozinheiro como o soldado!
Os antigos, esses homens que satisfaziam sem quaisquer excessos as suas necessidades físicas, eram de facto sábios, ou pelo menos muito próximo de o serem. Para se obter o indispensável não é preciso muito esforço; as canseiras destinam-se a satisfazer os luxos. Tu podes dispensar todos os técnicos: basta que sigas a natureza!
Passagens sobre Física
145 resultadosSensibilidade e Maturidade
Uma certa vivacidade de impressões, mais directamente dependentes da sensibilidade física, decresce com a idade. Ao chegar aqui, e sobretudo depois de ter aqui passado alguns dias, não senti, desta vez, essas vagas de tristeza ou de entusiasmo que este local me costumava comunicar, e cuja recordação, depois, me era tão doce.
Deixá-lo-ei, se calhar, sem a pena que outrora sentia. O meu espírito, por seu turno, tem hoje uma segurança muito maior, uma maior capacidade de fazer associações e de se exprimir; a inteligência cresceu, mas a alma perdeu parte da sua elasticidade e irritabilidade. E porque é que, ao fim e ao cabo, não partilhará o homem o destino comum de todos os outros seres?
Ao pegarmos num fruto delicioso, será justo pretender respirar ao mesmo tempo o perfume da flor? Foi preciso passar pela subtil delicadeza da nossa sensibilidade juvenil para chegar a esta segurança e maturidade do espírito. Talvez os grandes homens – é o que eu penso – sejam aqueles que, numa idade em que a inteligência possui já a sua plena força, ainda conservam parte dessa impetuosidade das impressões, que é própria da juventude.
Quem não Ama a Solidão, não Ama a Liberdade
Nenhum caminho é mais errado para a felicidade do que a vida no grande mundo, às fartas e em festanças (high life), pois, quando tentamos transformar a nossa miserável existência numa sucessão de alegrias, gozos e prazeres, não conseguimos evitar a desilusão; muito menos o seu acompanhamento obrigatório, que são as mentiras recíprocas.
Assim como o nosso corpo está envolto em vestes, o nosso espírito está revestido de mentiras. Os nossos dizeres, as nossas acções, todo o nosso ser é mentiroso, e só por meio desse invólucro pode-se, por vezes, adivinhar a nossa verdadeira mentalidade, assim como pelas vestes se adivinha a figura do corpo.Antes de mais nada, toda a sociedade exige necessariamente uma acomodação mútua e uma temperatura; por conseguinte, quanto mais numerosa, tanto mais enfadonha será. Cada um só pode ser ele mesmo, inteiramente, apenas pelo tempo em que estiver sozinho. Quem, portanto, não ama a solidão, também não ama a liberdade: apenas quando se está só é que se está livre.
A coerção é a companheira inseparável de toda a sociedade, que ainda exige sacrifícios tão mais difíceis quanto mais significativa for a própria individualidade. Dessa forma, cada um fugirá, suportará ou amará a solidão na proporção exacta do valor da sua personalidade.
Comete um grande equívoco aquele que, ao obter a cura física, pensa ter alcançado o despertar. Quem não compreende que seu ‘Eu verdadeiro’ é totalmente livre ainda que o corpo não seja curado, acaba tropeçando mais cedo ou mais tarde.
Hábitos Breves
Gosto dos hábitos que não duram; são de um valor inapreciável se quisermos aprender a conhecer muitas coisas, muitos estados, sondar toda a suavidade, aprofundar a amargura. Tenho uma natureza que é feita de breves hábitos, mesmo nas necessidades de saúde física, e, de uma maneira geral, tão longe quanto posso ver nela, de alto a baixo dos seus apetites. Imagino sempre comigo que esta ou aquela coisa se vai satisfazer duradouramente – porque o próprio hábito breve acredita na eternidade, nesta fé da paixão; imagino que sou invejável por ter descoberto tal objecto: devoro-o de manhã à noite, e ele espalha em mim uma satisfação, cujas delícias me penetram até à medula dos ossos, não posso desejar mais nada sem comparar, desprezar ou odiar.
E depois um belo dia, aí está: o hábito acabou o seu tempo; o objecto querido deixa-me então, não sob o efeito do meu fastio, mas em paz, saciado de mim e eu dele, como se ambos nos devêssemos gratidão e estendemo-nos a mão para nos despedirmos. E já um novo me aguarda, mas aguarda no limiar da minha porta com a minha fé – a indestrutível louca… e sábia! – em que este novo objecto será o bom,
O amor é uma energia que vivifica o todo. Também a paixão, por se originar do instinto de preservar a espécie, é na verdade uma ‘energia que vivifica o todo’. Assim sendo, é falsa a paixão que faz a pessoa entrar em choque com o mundo a seu redor e deixar de se harmonizar com o todo. A paixão é bela quando acompanhada do esforço de fazê-la evoluir para o amor (a energia que promove a harmonia e vivifica o todo). A simples atração física entre um homem e uma mulher não difere da atração instintiva entre os animais irracionais. A atração entre animais irracionais não inspira o belo porque nela não existe o esforço para a sublimação. As peças teatrais de Chikamatsu comove pela beleza dos sentimentos humanos, porque os casos de amor de seus personagens expressam o esforço humano de fazer a paixão evoluir para o amor. Mesmo nos casos em que esse esforço resulta em fracasso, no próprio esforço está a manifestação da Vida e do belo.
O Meu Amor é uma Devoção Absoluta e uma Agonia
São quatro horas da manhã: devia deitar-me em vez de escrever, mas não consigo. Deixei-a há três horas e só tenho pensado em si, não posso impedir-me de lho dizer. Prometeu–me amizade, uma amizade um pouco diferente da que concede à multidão dos seus amigos. Estou-lhe muito grato. Por mim, consagro-lhe a minha vida inteira e o que tiver de espírito, de faculdades, de forças físicas e morais, em troca dessa amizade, insignificante mas preciosa. Só por ela vivo, juro-lhe. Juro-lhe que em momento algum, nem de noite nem de dia, nem no meio dos afazeres, a sua imagem me abandona. O meu amor é uma sensação constante que coisa alguma suspende, interrompe e que é alternadamente uma devoção absoluta, de certa doçura, e uma agonia tão horrível que se ma prolongasse dois dias seguidos acabaria comigo.
É insensatez ficares empolgado somente pela cura da doença física. Verifica se tua mente está curada de verdade.
O Âmago da Virtude
Haverá filósofos que pretendem induzir-nos a dar grande valor à prudência, a praticarmos a virtude da coragem, a nos aplicarmos à justiça — se for possível — com maior empenho ainda do que às restantes virtudes. Pois bem: de nada servirão estes conselhos se nós ignorarmos o que é a virtude, se ela é una ou múltipla, se as virtudes são individualizadas ou interdependentes, se quem possui uma virtude possui também as restantes ou não, qual a diferença que existe entre elas. Um operário não precisa de investigar qual a origem ou a utilidade do seu trabalho, tal como o bailarino o não tem que fazer quanto à arte da dança: os conhecimentos relativos a todas estas artes estão circunscritos a elas mesmas, porquanto elas não têm incidência sobre a totalidade da vida. A virtude, porém, implica tanto o conhecimento dela própria como o de tudo o mais; para aprendermos a virtude temos de começar por aprender o que ela é. Uma acção não pode ser correcta se não for correcta a vontade, pois é desta que provém a acção. Também a vontade nunca será correcta se não for correcto o carácter, porquanto é deste que provém a vontade. Finalmente,
A Vida em Conformidade com Princípios mais Elevados
Se a pessoa der ouvidos às subtis mas constantes sugestões do seu espírito, sem dúvida autênticas, não vê a que extremos, e até loucura, ele pode levá-la; contudo, por aí envereda o seu caminho à medida que cresce em resolução e fé. A mais leve objecção segura que um homem sadio fizer, com o tempo prevalecerá sobre os argumentos e costumes da humanidade. Nenhum homem jamais seguiu a sua índole a ponto de esta o extraviar. Embora o resultado fosse fraqueza física, ainda assim talvez ninguém pudesse dizer que as consequências eram lamentáveis, já que representariam a vida em conformidade com princípios mais elevados. Se o dia e a noite são de tal natureza que vós os saudais com alegria, se a vida emite uma fragrância de flores e ervas aromáticas e se torna mais elástica, mais cintilante e mais imortal – aí está o vosso êxito.
A natureza inteira é a vossa congratulação e tendes motivos terrenos para bendizer-vos. Os maiores lucros e valores estão ainda mais longe de serem apreciados. Chegamos facilmente a duvidar de que existam. Logo os esquecemos. Constituem, entretanto, a realidade mais elevada.
Talvez os factos mais estarrecedores e verdadeiros nunca sejam comunicados de homem a homem.
Parar de Pensar
O maior obstáculo à experimentação da realidade da ligação do leitor é a sua identificação com a mente, que faz com que o pensamento se torne compulsivo. Não ser capaz de parar de pensar é um padecimento terrível, porém não nos apercebemos deste facto porque quase toda a gente sofre dessa mesma maleita, sendo por isso considerado normal. Este ruído mental incessante impede o leitor de encontrar esse reino de calma interior que é inseparável do Ser. Gera ainda um eu falso engendrado pela mente que lança uma sombra de medo e sofrimento.
A identificação do leitor com a sua mente cria uma divisória opaca de conceitos, rótulos, imagens, palavras, juízos e definições, que bloqueia todo o relacionamento verdadeiro. Interpõe-se entre o próprio leitor, entre o leitor e o próximo, entre o leitor e a sua natureza, entre o leitor e Deus. É esta divisória de pensamento que gera a ilusão de afastamento, a ilusão de que há o leitor e um «outro» completamente distinto. Nessa altura, o leitor esquece o facto essencial de que, sob o nível da aparência física e das formas separadas, o leitor é uno com tudo o que existe.
A mente é um instrumento maravilhoso se usado adequadamente.
Conheci um tipo muito débil, mas essa era a sua defesa. Conheci um tipo muito forte e essa era a sua defesa. Conheci um tipo da classe média física e esse fartava-se de levar porrada.
O Sentimento Religioso é o Mais Inconfessável de Todos
A religião, ou o sentimento religioso, é o mais inconfessável de todos: não por irracional, mas porque é da sua mais íntima natureza o silêncio da vida física do universo, que só faz barulho por acaso e não para a gente ouvir. Que mais não fosse, acharia ridícula, e acho, a atitude dos «libertos», nascidas da cabeça de Júpiter, desirmanados de tudo quanto encarnou as dores e as esperanças de uma humanidade dolorosamente em busca do seu próprio corpo. Mais que ridícula, criminosa, estulta, digna dos raios divinos, se os houvesse. Neste sentido, me é respeitável a religião considerada na sua acção interior e na sua simbólica aparente; e, como poeta, não posso deixar de ser sensível ao paganismo que a Igreja Católica não sonha – ou sonha até – a que ponto herdou. Quando a religião pretende fixar-se, lutar ligada a interesses materiais que geraram muitas das formas que ela tomou, evidentemente que sou contrário a ela, a aquela, porque sei que não há eternidade das formas e das convenções, mas sim da orgânica simbólica que assume uma ou outra forma, segundo o estado social em que se desenvolve.
Jorge de Sena, carta a sua noiva Mécia Lopes,
O Mérito da Monotonia
A capacidade para suportar uma vida mais ou menos monótona deve ser adquirida desde a infância. A este respeito, os pais modernos são bastante censuráveis; proporcionam aos filhos demasiados prazeres passivos, tais como espectáculos e guloseimas, e não compreendem a importância que tem para uma criança um dia ser igual a outro dia, excepto, é claro, nalgumas raras ocasiões. Em geral, os prazeres da infância deveriam ser aqueles que a própria criança descobrisse no seu ambiente por meio de algum esforço e imaginação.
Os prazeres que excitam e ao mesmo tempo não implicam qualquer exercício físico, o teatro por exemplo, só lhes seriam facultados muito raramente. A excitação é da mesma natureza dos narcóticos que cada vez se tornam mais exigentes, e a passividade física durante a excitação é contrária ao instinto. Uma criança desenvolve-se melhor quando, tal como uma jovem planta, a deixam tranquila no mesmo solo. Demasiadas viagens, demasiadas variedades de impressões, não são boas para as crianças e tornam-nas mais tarde, quando forem crescidas, incapazes de suportar uma monotonia fecunda. Não quero dizer que a monotonia tenha algum mérito em si mesma; quero sómente afirmar que algumas coisas boas não são possíveis senão quando há um certo grau de monotonia.
As grandes doenças da alma, bem como aquelas do corpo, renovam o homem; e as convalescências espirituais não são menos agradáveis nem menos miraculosas do que as físicas.
Construir a Realidade
A pura verdade é que no mundo acontece a todo instante, e, portanto, agora, infinidade de coisas. A pretensão de dizer o que é que acontece agora no mundo deve ser entendida, pois, como ironizando-se a si mesma. Mas assim como é impossível conhecer directamente a plenitude do real, não temos outro remédio senão construir arbitrariamente uma realidade, supor que as coisas são de certa maneira. Isto proporciona-nos um esquema, quer dizer, um conceito ou entretecido de conceitos. Com ele, como através de uma quadrícula, olhamos depois a efectiva realidade, e então, só então, conseguimos uma visão aproximada dela. Nisto consiste o método científico. Mais ainda: nisto consiste todo uso do intelecto. Quando ao ver chegar o nosso amigo pela vereda do jardim dizemos: «Este é o Pedro», cometemos deliberadamente, ironicamente, um erro. Porque Pedro significa para nós um esquemático repertório de modos de se comportar física e moralmente – o que chamamos «carácter» –, e a pura verdade é que o nosso amigo Pedro não se parece, em certos momentos, em quase nada à ideia «o nosso amigo Pedro».
Todo o conceito, o mais vulgar como o mais técnico, vai incluso na ironia de si mesmo, nos entredentes de um sorriso tranquilo,
Creio que a importância do Evangelho de Jesus em nossa evolução espiritual, é semelhante a importância do Sol na sustentação da nossa vida física.
Amor Desmistificado
O sentimento de um homem apaixonado produz por vezes efeitos cómicos ou trágicos, porque em ambos os casos, é dominado pelo espírito da espécie que o domina ao ponto de o arrancar a si próprio; os seus actos não correspondem à sua individualidade. Isto explica, nos níveis superiores do amor, essa natureza tão poética e sublimadora que caracteriza os seus pensamentos, essa elevação transcendente e hiperfísica, que parece fazê-lo afastar da finalidade meramente física do seu amor. É porque o impelem então o génio da espécie e os seus interesses superiores.
Recebeu a missão de iniciar uma série indefinida de gerações dotadas de determinadas características e constituídas por certos elementos que só se podem encontrar num único pai e numa única mãe; só essa união pode dar existência à geração determinada que a objectivação da vontade expressamente exige. O sentimento que o amante tem de agir em circunstâncias de semelhantes transcendência, eleva-o de tal modo sobre as coisas terrestres e mesmo acima de si próprio, e tranforma-lhe os desejos físicos numa aparência de tal modo suprasensível, que o amor é um acontecimento poético, mesmo na existência do homem mais prosaico, o que o faz cair por vezes em ridículo.
Escravizados ao Além
Acabar com a morte como agonia diária da humanidade é talvez o maior bem que se pode fazer hoje ao homem. O cristianismo transformou a vida numa cruz, porque lhe pôs a consciência da morte à cabeceira. E crentes e ateus vivem no mesmo terror. Ora a ideia terrífica do fim não é uma condição fisiológica, nem mesmo intelectual do homem. Nem os Gregos, nem os Romanos, por exemplo, sentiam a morte com a irreparável angústia que nos rói. É forçoso, pois, que se arranquem as raízes desta dor, custe o que custar. Escravizados ao além, os nossos dias aqui não podem ter liberdade nem alegria. Qualquer doutrina que nega ao homem o direito de ser pleno na sua física duração, é uma doutrina de castração e de aniquilamento. Ir buscar ao post-mortem as leis que devem limitar a expansão abusiva da personalidade, é o artifício mais desgraçado que se podia inventar. Pregue-se e exija-se do indivíduo medida e disciplina, mas que nasçam da sua própria harmonia. Institua-se uma ética com raízes no mesmo chão onde o homem caminha.
Cada ser humano possui uma beleza física e psíquica original e particular. Aprenda diariamente a ter um caso de amor com a pessoa bela que você é, desenvolva um romance com a sua própria história.