Passagens sobre Flauta

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A Vida Passa como se TemĂȘssemos

Deixemos, LĂ­dia, a ciĂȘncia que nĂŁo pĂ”e
Mais flores do que Flora pelos campos,
Nem dĂĄ de Apolo ao carro
Outro curso que Apolo.

Contemplação estéril e longínqua
Das coisas prĂłximas, deixemos que ela
Olhe até não ver nada
Com seus cansados olhos.

VĂȘ como Ceres Ă© a mesma sempre
E como os louros campos intumesce
E os cala prĂĄs avenas
Dos agrados de PĂŁ.

VĂȘ como com seu jeito sempre antigo
Aprendido no orige azul dos deuses,
As ninfas nĂŁo sossegam
Na sua dança eterna.

E como as heniadrĂ­ades constantes
Murmuram pelos rumos das florestas
E atrasam o deus PĂŁ.
Na atenção à sua flauta.

NĂŁo de outro modo mais divino ou menos
Deve aprazer-nos conduzir a vida,
Quer sob o ouro de Apolo
Ou a prata de Diana.

Quer troe JĂșpiter nos cĂ©us toldados.
Quer apedreje com as suas ondas
Netuno as planas praias
E os erguidos rochedos.

Do mesmo modo a vida Ă© sempre a mesma.
NĂłs nĂŁo vemos as Parcas acabarem-nos.

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Avena Pastoral

Harmonia de coxas protetora
do presente esperado como prĂȘmio
antevéspera és, a domadora
dos gestos apressados no proscĂȘnio

do palco em que inauguro-te pastora
de ovelha desgarrada,vil boĂȘmio,
peregrino da noite assoladora,
a solar no teu corpo um abstĂȘmio

canto, de partitura tĂŁo antiga,
em que tecidos sons alucinados
sĂŁo sedas de silĂȘncio na cantiga.

Uma cantiga em gozo emparelhado.
E tu na flauta tocas pra que eu siga
lambendo o sal no lago desgarrado.

As Virtudes de Cada Um

NĂŁo desprezo os homens. Se o fizesse, nĂŁo teria direito algum nem razĂŁo alguma para tentar governĂĄ-los. Sei que sĂŁo vĂŁos, ignorantes, ĂĄvidos, inquietos, capazes de quase tudo para triunfar, para se fazer valer, mesmo aos seus prĂłprios olhos, ou simplesmente para evitar o sofrimento. Sei muito bem: sou como eles, pelo menos momentaneamente, ou poderia tĂȘ-lo sido. Entre outrem e eu, as diferenças que distingo sĂŁo demasiado insignificantes para que a minha atitude se afaste tanto da fria superioridade do filĂłsofo como da arrogĂąncia de CĂ©sar. Os mais opacos dos homens tambĂ©m tĂȘm os seus clarĂ”es: este assassino toca correctamente flauta; este contramestre que dilacera o dorso dos escravos com chicotadas Ă© talvez um bom filho; este idiota partilharia comigo o seu Ășltimo bocado de pĂŁo. HĂĄ poucos a quem nĂŁo possa ensinar-se convenientemente alguma coisa. O nosso grande erro Ă© querer encontrar em cada um, em especial, as virtudes que ele nĂŁo tem e desinteressarmo-nos de cultivar as que ele possui.

MĂșsica Da Hora

Habito a pausa no hĂĄbito da pauta
mĂșsica de silĂȘncios e soluços
a refrear desmandos dos impulsos
que se querem agudos sons de flauta.

A vida Ă© toda mĂșsica em seu curso
do grito original em rima incauta
ao sussurro que se ouve em cama infausta
nesse fim dissonante do percurso.

O tempo se encarrega do metrĂŽnomo
unido a dois ponteiros de um cronĂŽmetro
em que o delgado veste-se de momo

para alegrar as horas do pequeno
que dança a marcha gris em chão sereno
fugindo ao dois por quatro do abandono.

Te Baptizar de Novo

Te baptizar de novo.
Te nomear num trançado de teias
E ao invés de Morte
Te chamar Insana
Fulva
Feixe de flautas
Calha
Candeia
Palma, porque nĂŁo?
Te recriar nuns arco-Ă­ris
Da alma, nuns possĂ­veis
Construir teu nome
E cantar teus nomes perecĂ­veis:
Palha
Corça
Nula
Praia
Porque nĂŁo?