A Companhia do Amor
O que eu sinto não seria para si uma coisa nova de que necessitasse uma clara afirmação; é o mesmo que eu sentia quando passeávamos ambos nas areias da Costa Nova. Ou antes, não é o mesmo sentimento: é outro mais belo, mais completo; porque tendo, apesar de tudo, ficado comigo, desde que nos separámos, e tendo sido o doce e fiel companheiro da minha vida desde então – esse sentimento penetrou-me de um modo mais absoluto e mais absorvente, exaltou-se e idealizou-se, e de tal sorte me invadiu todo que eu cheguei a não ter pensamento, ideia, esperança, plano, a que não estivesse misturada a sua imagem. E na Costa Nova ainda não era assim. Dizer porque é que eu, apesar de tudo, insistia em pensar em si, não sei. O facto de não serem dependentes da vontade os movimentos do coração não é uma suficiente explicação: porque eu podia resistir à importunidade desta ideia, e em lugar disso abandonava-me a ela como à minha única alegria. Devo portanto concluir que havia um pressentimento latente, uma vaga quase certeza, uma fé secreta de que a afinidade que existe entre as nossas naturezas se viria um dia a manifestar apesar de tudo, e mais tarde ou mais cedo nos aproximaria e para sempre.
Por isso ia deixando este sentimento crescer dentro de mim. Feliz seria, se assim como ele cresceu e se completou, a sua amizade (…) tivesse também tido uma transformação, e no silêncio destes meses todos de intervalo, tivesse pouco a pouco tomado no segredo do seu coração um carácter mais… Como direi? É a si, minha querida amiga, que o compete dizer. A falar a verdade, às vezes penso que assim é – que desde algum tempo, mesmo antes da primeira e abençoada carta do Manuel, havia no fundo do seu coração, bem no fundo, alguma coisa que tendia para mim. Mas não estou certo. Seria pedir-lhe muito, pedir-lhe que me diga, numa pequena palavra que seja, se eu acertei? Agora que as cerimónias acabaram (Jesus! Como estou contente que tivessem acabado!), fazer-me um bocadinho a confissão do seu estado de espírito seria quase caridoso.
Meu Deus, como estas coisas seriam bem mais fáceis, se as pudéssemos dizer em lugar de as escrever com uma estampilha em cima! Pode bem imaginar o meu desejo de me achar ao pé de si! (…) Todo este tempo de intervalo me parece desagradavelmente perdido: nem mesmo o trabalho o preenche bem, nem me basta o doce prazer de pensar em si. O amor, por si só, é decerto uma companhia – mas não chega à companhia daquela que se ama. Calcule pois quanto serão desejadas as suas cartas. Elas não me trazem a sua pessoa, é certo – mas trazendo-me uma ou outra palavra em que eu leia claramente a sua afeição, trazem-me tudo quanto por hora eu posso ambicionar, e tudo o que a minha alma mais deseja.