O Amor-Próprio como Fonte de Todos os Males
É preciso não confundir o amor-próprio e o amor de si mesmo, duas paixões muito diferentes pela sua natureza e pelos seus efeitos. O amor de si mesmo é um sentimento natural que leva todo o animal a velar pela sua própria conservação, e que, dirigido no homem pela razão e modificado pela piedade, produz a humanidade e a virtude. O amor-próprio é apenas um sentimento relativo, factício e nascido na sociedade, que leva cada indivíduo a fazer mais caso de si do que de qualquer outro, que inspira aos homens todos os males que se fazem mutuamente, e que é a verdadeira fonte da honra.
Bem entendido isso, repito que, no nosso estado primitivo, no verdadeiro estado de natureza, o amor-próprio não existe; porque, cada homem em particular olhando a si mesmo como o único espectador que o observa, como o único ser no universo que toma interesse por ele, como o único juiz do seu próprio mérito, não é possível que um sentimento que teve origem em comparações que ele não é capaz de fazer possa germinar na sua alma.
Pela mesma razão, esse homem não poderia ter ódio nem desejo de vingança, paixões que só podem nascer da opinião de alguma ofensa recebida. E, como é o desprezo ou a intenção de prejudicar, e não o mal, que constitui a ofensa, homens que não se sabem apreciar nem se comparar podem fazer-se muitas violências mútuas para tirar alguma vantagem, sem jamais se ofenderem reciprocamente. Numa palavra, cada homem, vendo os seus semelhantes apenas como veria os animais de outra espécie, pode arrebatar a presa ao mais fraco ou ceder a sua ao mais forte, sem encarar essas rapinagens senão como acontecimentos naturais, sem o menor movimento de insolência ou de despeito, e sem outra paixão que a dor ou a alegria de um bom ou mau sucesso.