Os Gostos
A palavra «gosto» tem vários significados e Ă© fácil o engano. Há uma diferença entre aquele gosto que nos leva a escolher coisas e aquele que nos leva a conhecer e discernir as qualidades quando se segue as regras. Podemos gostar de comĂ©dias sem ter um gosto tĂŁo apurado e delicado que nos permita ajuizar do seu valor, como podemos ter o bom gosto para emitir juĂzos sobre as comĂ©dias, sem gostar desse gĂ©nero dramático. Existe um tipo de gosto que nos aproxima imperceptivelmente do que temos Ă nossa frente, há outros que nos prendem pela sua força e duração.
TambĂ©m há pessoas que tĂŞm mau gosto em tudo, outras sĂł nalgumas coisas, mas ambos os casos tĂŞm esse direito, no que toca ao alcance que cada um tem. Outros ainda tĂŞm gostos particulares, que sabem que sĂŁo maus, sem deixarem de segui-los. Há aqueles que tĂŞm gostos imprecisos e estes deixam que o acaso decida por eles. Mudam com ligeireza e ficam contentes ou maçam-se com o que os seus amigos dizem. Outros sĂŁo sempre previstos, sendo escravos de todos os seus gostos, respeitando-os em todas as matĂ©rias. Há quem seja sensĂvel ao bem e que se choque com o que Ă© mau. Os pontos de vista destas pessoas sĂŁo claros e justos e encontram a razĂŁo de ser dos seus gostos no seu espĂrito e no seu discernimento.
Há também aqueles que, por uma espécie de instinto, cuja causa lhes é desconhecida, decidem sobre quem lhes aparece e tomam sempre o bom partido. Estes terão mais gosto do que encanto, porque o seu amor-próprio e temperamento não prevalecem sobre as suas qualidades inatas. Nestas pessoas tudo está em sintonia, o que as faz julgar ponderadamente sobre os assuntos, formando nelas ideias firmes. Porém, se falarmos de um modo geral, há poucas pessoas com um gosto firme e independente do gosto dos outros, seguindo o exemplo e os hábitos da moda, copiando quase tudo o que diz respeito ao gosto.
Em todas estas diferenças de gosto que relatámos, Ă© rarĂssimo, quase impossĂvel, encontrar aquele bom gosto que sabe avaliar o preço de cada coisa, que conhece todo o seu valor e que aprecia todo o gĂ©nero. Os nossos conhecimentos sĂŁo demasiado limitados e o equilĂbrio das qualidades que sĂŁo necessárias para bem ajuizar das coisas nĂŁo ultrapassa normalmente o que nĂŁo nos diz directamente respeito. Quando se trata de nĂłs, o nosso gosto nĂŁo tem esse equilĂbrio tĂŁo necessário, porque as nossas preocupações intervĂŞm. Tudo o que nos diz respeito aparece-nos de outra forma. NinguĂ©m Ă© capaz de ver com os mesmos olhos aquilo que o toca e aquilo que nĂŁo lhe diz respeito. No primeiro caso, o nosso gosto Ă© guiado entĂŁo pelo peso do amor-prĂłprio e do temperamento, os quais nos fornecem novos pontos de vista e sujeitam-nos a um nĂşmero quase infinito de mudanças e de incertezas. EntĂŁo, nesse caso, o nosso gosto já nĂŁo nos pertence, nĂŁo temos poder sobre ele, muda sem que queiramos e os mesmos objectos aparecem-nos de tantas formas diferentes que chegamos a desconhecer o que já vimos e o que já sentimos.