A Superficialidade dos Grandes Espíritos
Não há nada de mais perigoso para o espírito do que a sua relação com as grandes coisas. Alguém deambula por uma floresta, sobe a um monte e vê o mundo estendido a seus pés, olha para um filho que lhe colocam pela primeira vez nos braços, ou desfruta da felicidade de assumir uma posição invejada por todos. Perguntamos: o que se passa nele em tais momentos? Ele próprio certamente pensa que são muitas coisas, profundas e importantes; mas não tem presença de espírito suficiente para, por assim dizer, as tomar à letra. O que há de admirável, diante dele e fora dele, que o encerra numa espécie de gaiola magnética, arranca os pensamentos do seu interior. O seu olhar perde-se em mil pormenores, mas ele tem a secreta sensação de ter esgotado todas as munições. Lá fora, esse momento inspirado, solar, profundo, essa grande hora, recobre o mundo com uma camada de prata galvanizada que penetra todas as folhinhas e veias; mas na outra extremidade em breve se começa a notar uma certa falta de substância interior, e nasce aí uma espécie de grande «O», redondo e vazio. Este estado é o sintoma clássico do contacto com tudo o que é eterno e grande, bem como da permanência nos píncaros da Humanidade e da Natureza. Aqueles que se comprazem na companhia das grandes coisas – e entre eles contam-se, naturalmente, as grandes almas, para as quais as pequenas coisas não existem – vêem a sua vida interior ser esvaziada e transformada numa imensa superficialidade.
Por isso, também se poderia ver nessa ligação às grandes coisas uma lei de sobrevivência da matéria espiritual, lei essa que parece ter uma validade bastante universal. Os discursos de pessoas em posições de destaque, que agem em mundos de grandeza, são em geral mais vazios de conteúdo do que os nossos. Os pensamentos demasiado próximos de objectos especialmente elevados mostram-se geralmente muito limitados sem o apoio desse privilégio. As causas que nos são mais caras – a nação, a paz, a humanidade, a virtude e outras igualmente estimáveis – arrastam consigo a mais medíocre flora intelectual. Esse seria um mundo às avessas. Mas se admitirmos que o tratamento de um tema pode ser tanto mais insignificante quanto mais significativo esse tema for, então estamos num mundo perfeitamente em ordem.