Tio e Sobrinho
À memória de
Manoel José da Costa Filho1.
Onde a Mata bem penteada
do trópico açucareiro,
o tio-afim, mais a fim
que outros de sangue e de texto,
dava ao sobrinho menino
atenção que a um homem velho:
contava-lhe o Cariri,
a Barbalha, o Juazeiro,
a guerra deste com o Crato,
municipal, beco a beco,
o seu Ceará, seu Recife,
de onde não era, aonde veio.2.
O sobrinho ouvia-o atento,
muito embora menineiro
e então já devorador,
se ainda não do romancero,
dos romances de cordel
(fôlego bom, de folheto):
lembra ainda o que ele contou
de um defunto cachaceiro
que levavam numa rede
ao cemitério padroeiro:
acordou gritando: «Água!»
e fez derramar-se o enterro.3.
O sobrinho ouvia-o atento,
e um tanto perguntadeiro,
do Sertão que havia atrás
da Mata doce, e que cedo,
foi o mito, o misterioso,
do recifense de engenho,
mal-herdado de algum longe
parentesco caatingueiro.
Certo, a lixa de Sertão
do que faz, em pedra e seco,
muito apreendeu desse tio
do Ceará mais sertanejo.4.
O sobrinho era sensível,
tanto quanto ao romanceiro,
à atenção que ele assim dava
ao menino sem relevo,
em quem se algo se notava
era seu tímido e guenzo
seu contemplativo longo
seu mais livro que brinquedo.
Aquela conversa viva,
nunca monólogo cego,
lhe dando o Sertão, seu osso,
deu-lhe o gosto do esqueleto.5.
Essas prosas se passavam
(esse reencontrar seu tempo)
antes do almoço, voltando
dos eitos de cada engenho,
que corria em citadino,
bem mais do que em usineiro:
sempre de chapéu-do-chile,
gravata, linho escorreito.
Entre as prosas e o almoço
(Souza-Leão e usineiro),
íamos a um Madeira, abrir-lhe
o fastio sertanejo.6.
Pois tal sobrinho acabou
vivendo nesse viveiro
onde dizem que convivem
finas mostras do estrangeiro.
Pois nunca achou a finura
do sertanejo usineiro:
a voz educada, o esbelto
porte de cana, linheiro
(como se a cana espigada
que ia correr, cavaleiro,
lhe reforçasse seu ter-se
sertanejo e cavalheiro).