SMS
Ela caminha já a tarde vai alta pelo passeio que segue paralelo ao mar, por cima das praias. Em baixo, a areia estende-se vazia até à água, acabando numa espuma branca, das ondas que rebentam com o fragor dos dias de Inverno. Vai sozinha. Cruza-se com jovens a passo de corrida, outros que deslizam em patins, um casal com o filho pequeno feliz na sua bicicleta de rodinhas, acompanhado por um cãozinho saltitante que corre para a frente e para trás em redor dele.
Leva na mão o telemóvel e nos olhos castanhos brilhantes uma esperança. Vai pensativa e sem horas, caminhando sem pressa, reparando nas pessoas, no mar desabrido que se atira à praia, no ar fresco que respira, no vento que se levanta com uma promessa de tempestade. Cruza o casaco grosso, azul-escuro, à frente do peito, sem apertar os botões. Cruza os braços. Uma folha de jornal passa por ela a esvoaçar, notícias antigas, pensa divertida, logo se concentrando no navio de carga iluminado que vem de Lisboa e ruma ao mar aberto com o vagar de quem tem um destino certo num dia certo.Acaba por apertar os botões do casaco e levantar a gola para se sentir mais protegida do vento, que agora traz os primeiros pingos de uma chuva anunciada. Enfia as mãos nos bolsos, mas a direita mantém-se fechada em volta do telemóvel. Os seus cabelos curtos, uma feliz confusão de caracóis castanho-escuro começam a molhar-se, mas ela não se apressa, porque gosta da chuva. Enquanto as outras pessoas correm para se abrigar, ela mantém-se no seu passo, tranquila, em direcção a um café com paredes de vidro, mesmo ali à frente.
Escolhe uma mesa, senta-se, pede um chá ao empregado. Quando este o traz, aquece as mãos em concha à volta da chávena. E, nesse entretanto, vem-lhe à cabeça uma música que náo entoa, mas escuta só de memória, o som de uma caixa de música. Dá por ela a formar os versos nos lábios, sem som,You could be happy, I hope you are
You made me happier than I’d been far.A lembrança da música transporta-a para outro tempo, um tempo recente que está sempre a voltar, contra a sua vontade. Sacode-os da cabeça, a música, o tempo que já lá vai, pois não quer viver no passado. Olha para fora, através do vidro por onde escorrem fios de água. O temporal escureceu o dia. Dá um gole de chá, pousa a chávena, pega no telemóvel que, nesse preciso momento, anuncia com um toque a entrada da mensagem que esperava.