A Glória Mais Genuína
A glória mais genuína, a póstera, nunca é ouvida por quem é seu objecto e, no entanto, ele é tido por feliz. Assim, a sua felicidade consistiu propriamente nas grandes qualidades que lhe conferiram a sua glória e no facto de que encontrou oportunidade para desenvolvê-las; logo, foi-lhe permitido agir como era adequado, ou praticar aquilo que praticava com prazer e amor. Pois só as obras assim nascidas alcançam glória póstera. A sua felicidade consistiu, pois, no grande coração, ou também na riqueza de um espírito cuja estampa, nas suas obras, recebe a admiração dos séculos vindouros. Tal felicidade consistiu nos seus próprios pensamentos, cuja meditação será a ocupação e o gozo dos espíritos mais nobres de um imenso futuro. O valor da glória póstera reside, portanto, em merecê-la, e isso é a sua recompensa verdadeira.
Se chegou a haver obras que adquiriram glória na posteridade e que também a obtiveram entre os seus contemprâneos, tratam-se de circunstâncias fortuitas, sem grande importância. Pois, como os homens, via de regra, são privados de juízo próprio e, sobretudo, não têm capacidade alguma para apreciar as realizações elevadas e difíceis, acabam sempre por seguir nesse domínio a autoridade alheia, e a glória de género superior, em 99 de cada 100 admiradores, baseia-se meramente na confiança e na fé. Assim, a aprovação das muitas vozes dos contemporâneos só pode ter pouco valor para as cabeças pensantes, pois a única coisa que elas ouvem é sempre o eco de algumas vozes que, além disso, são elas próprias um mero efeito do momento. Sentir-se-ia um virtuoso lisonjeado pelos sonoros aplausos do seu público, se ficasse a saber que, com excepção de um ou outro espectador, a plateia se compõe inteiramente de surdos que, para dissimular mutuamente a sua limitação, aplaudem calorosamente, assim que vêem mover-se as mãos do único que ouve? E o que não seria se descobrisse que tal aplaudidor amiúde se deixa subornar para proporcionar a mais sonora aprovação ao mais mísero violinista?! Isso explica porque a glória dos contemporâneos tão raramente se metamorfoseia em glória póstera.
Nesse sentido d’Alembert, na sua descrição sumamente bela do templo da glória literária, diz: «O interior do templo é habitado só por mortos, que durante as suas vidas não estavam lá, e por alguns viventes que, quase todos, ao morrerem, serão expulsos”. De passagem, observe-se que erguer um monumento a alguém em vida é declarar que, em relação a ele, não se pode confiar na posteridade. Se, entretanto, alguém experimentar em vida a glória que deve tornar-se póstera, então isso raramente acontecerá antes da velhice. Talvez haja algumas excepções entre artistas e poetas, menos ainda haverá entre filósofos. É o que confirmam os retratos dos homens célebres pelas suas obras, pois, na maioria das vezes, tais retratos foram pintados somente depois do estabelecimento da celebridade. Em geral, tais homens são apresentados velhos e grisalhos, sobretudo os filósofos. Do ponto de vista eudomonológico, todavia, a questão é totalmente justificada. Ter glória e juventude de uma só vez é demais para um mortal. A nossa vida é tão pobre, que os seus bens têm de ser repartidos com mais parcimónia. A juventude tem abundância na sua riqueza própria e, com isso, pode bastar-se a si mesma. Mas é na velhice, quando todas as fruições e alegrias esmorecem, como as árvores no Inverno, que a árvore da glória verdeja do modo mais oportuno, como uma autêntica vegetação de Inverno. Pode-se também comparar a glória às pêras invernais, que crescem no Verão, mas são saboreadas no Inverno. Na velhice, não há consolo mais belo do que termos incorporado toda a força da própria juventude em obras que não envelhecerão com ela.