A Honra e a Vergonha
A raiz e a origem dos sentimentos de honra e vergonha, inerentes a todo o homem que não é totalmente corrompido, e o supremo valor atribuído ao primeiro reside no que vem a seguir. O homem, por si só, consegue muito pouco e é um Robinson abandonado: apenas em comunidade com os outros ele é e consegue muito. Ele dá-se conta de tal situação a partir do momento em que a sua consciência começa, de algum modo, a desenvolver-se, e logo que nasce nele a aspiração por ser considerado um membro útil da sociedade, portanto, alguém capaz de cooperar como homem pleno e, por conseguinte, tendo o direito de participar das vantagens da comunidade humana. Ele consegue-o realizando, em primeiro lugar, aquilo que se exige e espera em geral de cada um, depois, realizando aquilo que se exige e espera dele na posição especial que ocupa. Mas logo ele reconhece que, nesse caso, o importante não é o que ele representa na sua própria opinião, mas na opinião dos outros.
Por conseguinte, tal é a origem da sua aspiração zelosa pela opinião favorável de outrem, e assim também surge o valor supremo nela depositado. Esses dois elementos aparecem na espontaneidade de um sentimento inato, chamado sentimento de honra e, de acordo com as circunstâncias, sentimento de pudor. É este que ruboriza as suas faces quando acredita ter subitamente perdido na opinião dos outros, mesmo sabendo-se inocente, e inclusive onde a falta apontada concerne apenas a uma obrigação relativa, ou seja, assumida arbitrariamente. Por outro lado, nada fortifica mais o seu ânimo de vida do que a certeza alcançada ou renovada da opinião favorável dos outros, porque ela lhe promete a protecção e a ajuda das forças reunidas do conjunto, que são uma muralha infinitamente maior contra os males da vida do que as suas próprias forças.