O Irracional no Amor
Se é ridículo beijar uma mulher feia, também é ridículo dar um beijo a uma beleza. A presunção de que amando de uma certa maneira se tem o direito de rir do vizinho que tem outra maneira de amar, não vale mais do que a arrogância de certo meio social. Tal soberba não põe ninguém ao abrigo do cómico universal, porque todos os homens se encontram na impossibilidade de explicar a praxe a que se submetem, a qual pretende ter um alcance universal, pretende significar que os amantes querem pertencer um ao outro por toda a eternidade, e, o que mais divertido é, pretende também convencê-los de que hão-de cumprir fielmente o juramento.
Que um homem rico, muito bem sentado na sua poltrona, acene com a cabeça, ou volte a cara para a direita e para a esquerda, ou bata fortemente com um pé no chão, e que, uma vez perguntado pela razão de tais actos, me responda: «não sei; apeteceu-me de repente; foi um movimento involuntário», compreendo isso muito bem. Mas se ele me respondesse o que costumam responder os amantes, quando lhes pedem que expliquem os seus gestos e as suas atitudes, se me dissesse que em tais actos consistia a sua maior felicidade, como é que eu poderia impedir-me de ver o ridículo de tal explicação – tal como o exemplo que há pouco dei; se bem que diferente, é certo -, enquanto tal homem não se resolvesse a pôr termo à minha hilaridade, confessando que esses gestos não tinham significação alguma. Num repente, com efeito, a contradição, que é a base do cómico, desaparece; porque não há nada ridículo em que uma coisa destituída de sentido seja reconhecida como tal, mas é grotesco atribuir-lhe um alcance universal. Em relação ao involuntário, a contradição reaparece: não é possível admitir o involuntário num ente racional e livre.