O Âmago da Virtude
Haverá filósofos que pretendem induzir-nos a dar grande valor à prudência, a praticarmos a virtude da coragem, a nos aplicarmos à justiça — se for possível — com maior empenho ainda do que às restantes virtudes. Pois bem: de nada servirão estes conselhos se nós ignorarmos o que é a virtude, se ela é una ou múltipla, se as virtudes são individualizadas ou interdependentes, se quem possui uma virtude possui também as restantes ou não, qual a diferença que existe entre elas. Um operário não precisa de investigar qual a origem ou a utilidade do seu trabalho, tal como o bailarino o não tem que fazer quanto à arte da dança: os conhecimentos relativos a todas estas artes estão circunscritos a elas mesmas, porquanto elas não têm incidência sobre a totalidade da vida. A virtude, porém, implica tanto o conhecimento dela própria como o de tudo o mais; para aprendermos a virtude temos de começar por aprender o que ela é. Uma acção não pode ser correcta se não for correcta a vontade, pois é desta que provém a acção. Também a vontade nunca será correcta se não for correcto o carácter, porquanto é deste que provém a vontade. Finalmente, o carácter não poderá atingir a perfeição se não compreender as leis que regem a totalidade da vida nem investigar qual o juízo correcto a fazer sobre cada coisa, em suma, se não aferir todas as coisas pela verdade.
A serenidade não é apanágio senão de quem alcançou um conhecimento imutável e infalível sobre o mundo: os demais tomam agora uma decisão, depois arrependem-se e permanecem indecisos sem saber se hão-de levar ou não até ao fim os seus propósitos. A causa que os faz andar assim à deriva é eles guiarem-se pelo mais falível dos critérios: a opinião comum! Se queres que a tua vontade permaneça a mesma, terás de só desejar a verdade. Ora, à verdade não podemos chegar sem conhecermos os princípios básicos da filosofia, os quais incidem sobre a totalidade da vida. O bem e o mal, a moralidade e a imoralidade, a justiça e a injustiça, a piedade e a impiedade, as virtudes e o emprego das virtudes, a posse de bens úteis, a reputação e a dignidade, a saúde, a prestança física, a beleza, a acuidade dos sentidos — tudo isto exige da nossa parte uma correcta capacidade de avaliação. Há que saber quanta e qual a importância a conceder aos meios de fortuna. Tu, efectivamente, laboras em erro ao atribuir a certas coisas maior valor do que o devido, e laboras tanto mais em erro quanto é certo que coisas consideradas entre nós como especialmente valiosas (riqueza, influência, poder) não valem, na realidade, sequer um sestércio. Ora, a isto não poderás chegar se ignorares a proposição de base através da qual acedemos à determinação do valor respectivo de cada coisa. Assim como as folhas, isoladamente, não podem estar viçosas e precisam de ramos em que se sustentem e de que recebam a seiva, assim também todos esses preceitos, desamparados, murcham; as podas só medram se plantadas!