Barganha
Domingo Ă© dia de barganha.
Troco um relĂłgio dos antigos
por um cavalo rosilho,
um bode por um trinca-ferro,
e uma roda de cabriolé
por um radinho de pilha.
Troco um gibĂŁo de cigano
pela serra que serrou
o tronco mais odorante
e por um fogĂŁo de lenha
troco um cachorro de caça
e uma panela de cobre.
Troco toda a luz do sol
pela sombra de um sĂł pĂĄssaro.
Por uma espingarda troco
um tacho que foi de escravos
além de um almofariz
e uma xĂcara sem asa.
Troco a salmoura dos peixes
por qualquer gosto de lĂĄgrima.
Pela vitrola rachada
dou a minha bicicleta
com os pneus arriados.
Troco o entulho que restou
do muro que derrubei
pelo calor da fogueira
que por uma noite apenas
negou o frio dos pobres.
Troco um lençol de noivado
e uma toalha bordada
pela sua reflectida
na escuridĂŁo das cisternas.
Troco o meu selim de couro
por um arreio de prata.
Dou um caminhĂŁo de pedra
por um portĂŁo de peroba.
Na tabuada do mundo
troco o nĂșmero um
pelo nĂșmero dois.
E troco o bolor do dia
pelo silĂȘncio guardado
na boca aberta dos doidos.
Troco a alvorada dos galos
pelo rumor dos reis mouros
que passam com seus vassalos
pelas antigas muralhas
rubras de tantas batalhas.
Também troco uma tigela
feita de barro da terra
por um jarro e uma gamela.
Barganho a chuva celeste
pela ĂĄgua negra da terra
e troco a nuvem que passa
por tudo o que for eterno.
SĂł a minha alma Ă© inegociĂĄvel.
NĂŁo a dou por dinheiro nenhum.