Miseria Occulta
Bate nos vidros a aurora,
Vem depois a noute escura;
E o pobre astro que ali móra,
Não abandona a costura!Para uns a vida é d’abrolhos!
Para outros mouta de lyrios!
Bem o revelam seus olhos,
Pisados pelos martyrios!Miseria afugenta tudo!
Miseria tem dons funestos!
Quem é que gaba o velludo
D’aquelles olhos honestos!…Ninguem seus olhos brilhantes
Descobre n’essas alturas…
E aquellas formas tão puras,
E aquellas mãos elegantes!Sempre á costura inclinada!
Morra o sol ou surja a lua
Nunca vi descer á rua
Aquella loura encantada!Aquelle lyrio dobrado
Por que assim vive escondido!
Eu bem sei!–não tem calçado!
E é muito usado o vestido!Por isso não tem porvir
Morrerá virgem e nova,
E aguarda-a bem cedo a cova…
Que eu bem a ouço tossir!Miseria afugenta tudo!
Miseria tem dons funestos!
Quem é que gaba o veludo
D’aquelles olhos honestos!Pobre flor desfalecida
Tão nova e ainda em botão!
Como teve estreita a vida,
Terá estreito o caixão!