Verosimilhança não é Verdade
Quase sempre as suspeitas nos inquietam; somos sempre o joguete desses boatos de opinião, que tantas vezes põe em fuga um exército, quanto mais um simples indivíduo. (…) nós rendemo-nos prontamente à opinião. Não fazemos a crítica das razões que nos levam ao temor, não as esquadrinhamos. Perdemos todo o sangue-frio, batemos em retirada, como os soldados expulsos do seu campo à vista da nuvem de poeira que levanta uma tropa a galope, ou tomados de terror colectivo por causa de um boato semeado sem garante.
Não sei como, mas as falsidades perturbam-nos desde logo. A verdade traz consigo a sua própria medida; tudo quanto se funda sobre uma incerteza, porém, fica entregue à conjectura e às fantasias de um espírito perturbado.
Eis porque, entre as mais diversas formas do medo, não há outra mais desastrosa, mais incoercível que o medo pânico. Nos casos ordinários, a reflexão é falha; nestes, a inteligência está ausente.
Interroguemos, pois, cuidadosamente a realidade. É verosímil que uma desgraça venha a produzir-se? Verosimilhança não é verdade. Quantos acontecimentos ocorreram sem que os esperássemos! Quantos acontecimentos esperados que jamais ocorreram! Mesmo que venham a produzir-se, que é que lucraremos em nos anteciparmos à nossa dor? Sofrerás com muito maior presteza quando ela chegar. Enquanto esperas, imagina um futuro melhor.
Que ganharás com isso? Tempo. Muitos incidentes poderão fazer com que o perigo próximo ou iminente se detenha, se dissipe ou caia sobre outra cabeça. (…) Há casos em que, sem o menor aviso prévio de uma catástrofe, o espírito forja falsas ideias: ou é uma expressão ambígua, que ele só interpreta em sentido desfavorável, ou é a magnitude de uma ofensa cometida que ele exagera, preocupado, aliás, não com a cólera de outrem, mas com o que poderá advir dessa cólera.