No Amor é a Alma aquilo que Mais nos Toca
As mesmas paixões são bastante diferentes nos homens. O mesmo objecto pode-lhes agradar por aspectos opostos; suponho que vários homens podem prender-se a uma mesma mulher; uns a amam pelo seu espírito, outros pela sua virtude, outros pelos seus defeitos, etc. E pode até acontecer que todos a amem por coisas que ela não tem, como quando se ama uma mulher leviana a quem se julga séria. Pouco importa, a gente prende-se à idéia que se tem prazer em fazer dela; e é mesmo apenas essa idéia que se ama, não é a mulher leviana. Assim, não é o objeto das paixões que as degrada ou as enobrece, mas a maneira como a gente o encara.
Ora, eu disse que era possível que se buscasse no amor algo mais puro do que o interesse dos nossos sentidos. Eis o que me faz pensar assim. Vejo todos os dias no mundo que um homem cercado de mulheres com as quais nunca falou, como na missa, no sermão, nem sempre se decide pela mais bonita, ou mesmo pela que lhe pareça tal. Qual a razão disso? É que cada beleza exprime um carácter bem particular, e preferimos aquele que melhor se encaixa no nosso. É pois o carácter que nos determina algumas vezes; é então a alma que procuramos: não me podem negar isso. Portanto, tudo o que se oferece aos nossos sentidos só nos agrada como a imagem daquilo que se esconde à vista deles; portanto, só gostamos então das qualidades sensíveis como órgãos do nosso prazer, e com subordinação às qualidades imperceptíveis aos sentidos, de que elas são a expressão; portanto, pelo menos é verdade que a alma é aquilo que mais nos toca. Ora, não é aos sentidos que a alma é agradável, mas ao espírito: assim, o interesse do espírito torna-se o principal, e se o interesse dos sentidos lhe fosse oposto, nós o sacrificaríamos. Basta pois nos persuadirmos de que ele lhe é verdadeiramente oposto, que é uma nódoa para a alma. Eis o amor puro.
Amor no entanto verdadeiro, que não se deve confundir com a amizade; porque na amizade, é o espírito que é o orgão do sentimento; aqui, são os sentidos. E como as idéias que vêm pelos sentidos são infinitamente mais poderosas do que as vistas da reflexão, o que elas inspiram é a paixão. A amizade não vai tão longe.