O Pressuposto Indispensável para se Ser um Grande-Escritor
O pressuposto indispensável para se ser um grande-escritor é, então, o de escrever livros e peças de teatro que sirvam para todos os níveis, do mais alto ao mais baixo. Antes de produzir algum bom efeito, é preciso primeiro produzir efeito: este princípio é a base de toda a existência como grande-escritor. É um princípio miraculoso, eficaz contra todas as tentações da solidão, por excelência o princípio goethiano do sucesso: se nos movermos apenas num mundo que nos é propício, tudo o resto virá por si. Pois quando um escritor começa a ter sucesso dá-se logo uma transformação significativa na sua vida. O seu editor pára de se lamentar e de dizer que um comerciante que se torna editor se parece com um idealista trágico, porque faria muito mais dinheiro negociando com tecidos ou papel virgem. A crítica descobre nele um objecto digno da sua actividade, porque os críticos muitas vezes até nem são más pessoas, mas, dadas as circunstâncias epocais pouco propícias, ex-poetas que precisam de um apoio do coração para poderem pôr cá fora os seus sentimentos;são poetas do amor ou da guerra, consoante o capital interior que têm de aplicar com proveito, e por isso é perfeitamente compreensível que escolham o livro de um grande-escritor e não o de um comum escritor. Acontece que uma pessoa tem uma capacidade de trabalho limitada, que os seus melhores resultados se aplicam com facilidade às novidades saídas anualmente da pena dos grandes-escritores, que assim se transformam em caixas-económicas da prosperidade intelectual da nação, na medida em que cada um deles arrasta consigo interpretações que não se limitam a ser explicações, são antes aplicações, e para o resto dos livros pouco sobra. Mas a coisa só alcança proporções verdadeiramente grandes pela mão dos ensaístas, dos biógrafos e dos historiadores instantâneos, que se servem dos homens grandes para descarregar as suas necessidades. Com o devido respeito, até os cães preferem para as suas necessidades mais comuns uma esquina movimentada a uma pedra solitária. Por que razão hão-de então os homens que sentem o nobre impulso de legar o nome à posteridade escolher uma pedra manifestamente solitária?
Quando dá por si, o grande-escritor já não é um ser com autonomia, viu-se transformado numa simbiose, no resultado de um grupo de trabalho à escala nacional, no mais dedicado e delicado sentido, beneficiando da mais bela certeza que a vida lhe pode conceder: a de que o seu êxito está intimamente ligado ao de inúmeros outros homens.
Provavelmente é essa a explicação para um dos traços mais comuns do carácter de um grande-escritor: um marcado sentido do bom comportamento. Só recorrem à escrita combativa quando sentem o seu prestígio ameaçado; em todos os outros casos o seu comportamento distingue-se pelo equilíbrio e pela benevolência. São sempre tolerantes para com as ninharias que se dizem em seu louvor. Não se rebaixam facilmente a escrever sobre outros autores; quando o fazem, raramente é para elogiar um homem superior, mas quase sempre para animar um daqueles talentos apagados que se compõem de quarenta e nove por cento de talento e cinquenta e um por cento de ausência dele, e, devido a esta composição, se ajustam a todas as situações em que é precisa alguma força, mas um homem forte poderia ser prejudicial; e a curto ou a longo prazo todos eles terão um lugar influente na vida literária.