A Alma é o Bem Supremo
Devemos circunscrever o bem supremo à alma: degradá-lo-emos se em vez da melhor parte de nós o associarmos antes à pior, se o pusermos na dependência dos sentidos que nos animais sem fala são bem mais apurados do que no homem. Não devemos atribuir ao corpo o ponto mais alto da nossa felicidade; os bens verdadeiros são aqueles que devemos à razão – bens firmes e duradouros, insusceptíveis de decadência, incapazes de padecerem qualquer decréscimo ou limitação! Os restantes bens são-no somente na opinião do vulgo; na realidade apenas têm de comum o nome com os bens verdadeiros, mas carecem das propriedades que distinguem um «bem» real. Chamemos-lhes antes «utilidades» ou, para usar o termo técnico, «recursos desejáveis», mas sem perder de vista que se trata de «utensílios», não de partes de nós mesmos; tenhamo-los à mão, mas sem esquecer que são exteriores a nós; e mesmo tendo-os à mão atribuamos-lhes um lugar subalterno e secundário, como coisas de que ninguém se deve orgulhar. Há coisa mais estúpida do que nos vangloriarmos de algo que não fizemos? Deixemos que todos esses falsos bens nos caibam em sorte mas sem se colarem a nós de modo a que, se ficarmos sem eles, os vejamos partir sem o mínimo sofrimento. Usemo-los sem nos ufanarmos deles, e usemo-los moderadamente, como algo que nos é confiado apenas transitoriamente. Quem quer que os possua sem o controlo da razão não os conserva por muito tempo; até a própria felicidade, se incontrolada, acaba por tornar-se um fardo! Se confiarmos nesses bens mais do que efémeros, em breve ficaremos sem eles, e ao ficar sem eles sobrevém o desgosto! Raros homens têm sido capazes de suportar com tranquilidade a perda da felicidade; a maioria deles, quando caem por terra as condições que os tornaram eminentes, os mesmos factores que antes os exaltaram ocasionam-lhes agora o abatimento.