Mantenha-se longe da política e tão longe dos políticos quanto conseguir. E, sempre que der por si de candeias às avessas com as pessoas, refugie-se na paisagem.
Frases de Joel Neto
84 resultadosA culpa podia não passar de um luxo burguês. Mas toda a gente tinha direito ao seu.
Era uma criatura simpática e terna – o tipo de pessoa a quem o tímido se dirige, em busca de protecção, ao entrar numa sala que lhe parece hostil. Não haveria muitas qualidades francamente superiores a essa.
A vida já é um buraco de agulha tão estreitinho, e as suas obrigações, camelos tão gordos e abastecidos, que passar três quartos do ano a magicar numa distinção maniqueísta entre mulheres decentes e galdérias perniciosas, entre cãezinhos de rua e príncipes encantados, é matemática tão intricada como a dos fanatismos religiosos, políticos ou mesmo clubísticos: passamos uma vida inteira a identificar bons e maus – e, quando finalmente percebemos a soma zero do problema, já estamos com a pele encarquilhada e a tomar comprimidos para a tensão arterial.
[Futebol] O penálti é coragem, mais até do que habilidade – e é nos penáltis que o futebol se aproxima em definitivo da vida.
Gosto de uma mulher com defeitos – e um ponderado excesso de carnes, às vezes, é o mais belo deles. Bem vistas as coisas, a formosura pode conviver com a gordura. O que não pode nunca é conviver com a transparência, com a falta de história, com a ausência de profundidade.
[Futebol] É uma fórmula, o penálti. Uma equação com três parcelas: força, colocação e dissimulação. Observar duas delas é sempre suficiente para penetrar nos jardins do Olimpo. Um penálti marcado com força, bem colocado, e em que o guarda-redes seja enganado, entra sempre. Mas um penálti forte e colocado também entra, mesmo sem dissimulação. Um penálti dissimulado e forte sobreviverá sem colocação. E um penálti colocado e dissimulado é sempre golo, ainda que não tenha muita força. É a ciência ao serviço da arte. Sim: o penálti é o mínimo múltiplo comum entre arte e ciência.
Toda a ilha é um continente.
Vender seguros, e por muito que de início me tenha entusiasmado a ideia de ter um emprego a sério, uma vaga independência financeira e uma determinada margem de progressão hierárquica, tão mais considerável quanto me encontrava rodeado de retardados mentais, está muito longe de constituir, para mim, a concretização de um sonho de infância.
“Mulher solteira e feliz” é uma contradição de termos tão grande como “homem solteiro e feliz”. Chamem-me nomes, se quiserem – até este dia em que vos escrevo, não encontrei um só caso que contradissesse essa ideia, por muito que homens e mulheres solteiros me rodeassem de manifestações de autoconfiança, verdades absolutas sobre o conhecimento interior e provas iniludíveis da mais autêntica e inabalável felicidade a um.
Um bigode é muito mais do que uma pilosidade: é uma metafísica. Vem acompanhado de conversas sobre a necessidade de estudar para ser alguém na vida, a utilidade de amortizar o crédito à habitação, a urgência de substituir as velas do carro, a saudade de quando o fado era o fado, a rádio era a rádio e a Amália Rodrigues cantava o fado na rádio, tanto na Emissora Nacional como na Voz de Lisboa.
Nenhum homem (…) podia considerar a sua vida completa até regressar a casa.
No que se transformaria um homem obrigado a viver sem a mulher que ama? – perguntou-se, e achou que nenhuma outra pergunta resumia tão bem tudo o que tinha aprendido sobre si mesmo e sobre a espécie.
[Futebol] Em nenhum outro caso o jogo termina com tal apoteose como nos penáltis. Em nenhuma outra circunstância o futebol se reduz tanto a um pormenor como nos penáltis. Em nenhum outro instante é tão simples identificar o herói e o vilão como nos penáltis.
A ex-mulher de um grande homem não se torna a casar. E, se torna, vai assim, com um nó no estômago.
Para uma certa categoria de pobres diabos, já se sabe, a arrogância revela-se muitas vezes uma ferramenta de enorme utilidade. Em Lisboa, pelo menos, é assim: uma pessoa pode ser modesta, ignorante e frágil, mas se puser um ar de superioridade ganha logo ascendente na relação com a pessoa em frente.
Maravilhava-me, mais do que o belo em si, o que as pessoas tinham por belo. O seu belo. As suas coisas. As suas coisinhas. As que encaixavam com demasiada perfeição na decoração geral, tudo combinado, equilibrado, concluído – e mais ainda as que não encaixavam em nada, em que ela insistia apesar dos protestos do marido, em que ele fazia finca-pé apesar do desdém da mulher, de que nenhum dos dois gostava mas também não tinha coragem para deitar fora.
As coisas voltaram a correr-lhe bem, e o que o proporcionara fora o mais velho dos grandes adventos da vida: a descoberta de um amigo.
O defeito é uma porta que uma mulher nos abre no coração. É o defeito que a transforma na vizinha do lado, na rapariga que cobiçámos no liceu, na mulher com quem casámos e que carregou o nosso filho no ventre.
Não tinha exactamente saudades deles: tinha talvez saudades do que eu próprio era na presença deles, desse miúdo rebelde e terno que o tempo e a América e a morte e a perda da inocência e o tédio, no seu sempre infernal encolher de ombros, se haviam encarregado de adestrar.