(O inimigo) faz-nos lembrar o quanto somos detestáveis, pomposos, insignificantes – enfim, iguais aos outros todos. O ódio é destrutivo, mas há em nós muito que ganha em ser destruído.
Frases de Miguel Esteves Cardoso
211 resultadosEm Portugal tudo o que há para o dia seguinte é feito de véspera.
As mulheres não são mais infiéis do que os homens. Por muito que gostassem que assim fosse (e assim se pensasse), estão impedidas de ser mais infiéis pela circunstância de serem humanas.
É incrível que ainda haja quem finja que são os programas e as ideias que decidem os votos. As pessoas votam em pessoas e em partidos e, se e quando coincidem os dois impulsos, maior e mais fácil é a festa.
A fé não é apenas um conforto, um apaziguamento, um consolo. É uma forma de aceitação. É a desresponsabilização mais bonita do mundo. É uma forma que a alma arranja de não pedir explicações à vida.
Se Portugal teve valor na história do mundo, não foi no esforço da uniformização, igual a tantos outros. Não foi na imposição de uma língua, de uma religião, de uma raça. A glória do império português não foi o facto de ter sido português contra as nacionalidades que subjugou. Foi ter sido capaz de ser português sem deixar de ser outras coisas. No máximo, foi ter sido português por ter sido tudo menos português. Ou quase tudo.
Favorecemos sempre os próximos. Mas sempre mais os escolhidos do que os destinados. Ensinaram-me a minha mãe e o meu pai que tinha a liberdade de gostar de quem gostasse, fossem ou não de família.
O sossegamento é a forma mais precisa de liberdade. Mas não é uma liberdade negativa (estar livre de medos, de constrangimentos, de opressões), mas uma liberdade positiva – uma liberdade para sentir o que se sente e confiar no que se sente, e ter tempo, e vontade, e confiança no que se faz.
A confusão define a nossa vida, o nosso dia a dia, a nossa noite a noite. Nunca se sabe onde se vai, em que carro é que se vai chegar a casa, quem vai pagar as bebidas, como é que vai ser para acordar amanhã de manhã. Por muito que se combine, que se planeie, que se organize, é sempre a grande confusão.
Querer estar bem com todos é, quanto a mim, mais odioso que ter ódio a toda a humanidade. O amigalhaço é aquele que acaba por ser inimigo de todos, na maneira como se comporta, para ser amigo só de si mesmo, no resultado desse comportamento. A amizade só faz sentido quando traduz claramente uma escolha.
Cada Português, por muito ignorante que seja nas matérias do mundo, faz e acontece como lhe apetece. Sente-se um pequeno deus, um criador de um mundo à sua medida.
Quem não gosta de polémicas ou é mentiroso ou um monotomaníaco de primeira.
As cunhas são contraprodutivas – desfavorecem quem se procura ajudar.
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso «dá lá um jeitinho» sentimental.
Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Havendo amor, tudo se torna num prazer ou numa preparação para ele. Fazermos as coisas juntos torna-se numa extensão de fazermos amor.
A alegria do amor está no que já aconteceu e continua a acontecer: o futuro é com a morte. Resta a nossa vida.
A única coisa é a vida. A única coisa é a vida de cada um. Sem vida, nada feito. Viver não é a melhor coisa que há: é a única coisa. Cada momento da vida não é único. Mas há momentos únicos. A nossa felicidade não é passá-los como quisermos. É dar por ela a aproveitá-los.
Porque é que precisamos de inimigos? Para que haja quem não goste de nós. É saudável. Reduz-nos ao nosso tamanho natural. Mantém o nosso ego dentro das proporções desejáveis.
Buscam-se as consolações onde se acham, conforme se vão encontrando. É um ditado irlandês ou uma fórmula católica; já não sei dizer. Também não me lembro quem foi o grande pessimista que, quando lhe perguntaram, já velho, se havia alguma coisa que ajudava a suportar o peso e a amargura da vida, respondeu que não, que não havia – que só restava a consolação da música.