A força do gato estar nas unhas, a força do cachorro estar nos dentes. Gato que não arranha, cachorro que não morde, não faz mal a gente.
Passagens sobre Gatos
88 resultadosA Subfelicidade
O que mais dói não é – desengana-te – a infelicidade. A infelicidade dói. Magoa. Martiriza. É intensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar. Mas a infelicidade não é o que mais dói. A infelicidade é infeliz – mas não é o que mais dói.
O que mais dĂłi Ă© a subfelicidade. A felicidade mais ou menos, a felicidade que nĂŁo se faz felicidade, que fica sempre a meio de se ser. A quase felicidade. A subfelicidade nĂŁo magoa – vai magoando; a subfelicidade nĂŁo martiriza – vai martirizando. NĂŁo Ă© intensa – mas Ă© imensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar – mas em silĂŞncio, em surdina, em anonimato. Como se nĂŁo fosse. Mas Ă©: a subfelicidade Ă©. A subfelicidade faz-te ficar refĂ©m do que tens – mas nem assim te impede de te sentires apeado do que nĂŁo tens e gostarias de ter. Do que está ali, sempre ali, sempre Ă mĂŁo de semear – e que, mesmo assim, nunca consegues tocar. A subfelicidade Ă© o piso -1 da felicidade. E nĂŁo há elevador algum que te leve a subir de piso. Tens de ser tu a pegar nas tuas perninhas e a subir as escadas. Anda daĂ.
Gosto de porcos. Os cĂŁes olham-nos de baixo, os gatos de cima. Os porcos olham-nos de igual para igual.
Gatos podem ser engraçados, mas têm os modos mais estranhos de mostrar sua alegria. O nosso sempre urinou em nossos sapatos.
SĂŁo Mais as Vozes que as Nozes
Mais sĂŁo as vozes que as nozes
p’ra mim nesta ocasião,
e para vós nesta acção
mais as nozes que as vozes:
vĂłs jogais os arriozes
com elas muito contentes;
e, sendo as nozes tĂŁo quentes,
eu fico d’elas mui frio;
vĂłs com calor e com brio,
com elas ficais valentes.Assim que a guerra será
nĂŁo guerra de cĂŁo com gato,
senĂŁo de gato com rato
que é para vós guerra má:
que eu não posso sofrer já
tanta perda, nem tal dano,
nem que um ratinho tirano
me dĂŞ uma e outra vez
más horas em português,
maus «ratos» em castelhano.
A Meus Filhos
A meus filhos
desejo a curva do horizonte.E todavia deles tudo em mim desejo:
o felino gosto de ver,
o brilho chuvoso da pele,
as mĂŁos que desvendam e amam.Marga,
meu fermento,
neles caminho e me procuro,
a corpo igual regresso:ao rápido besouro das lágrimas,
ao calor da boca dos cĂŁes,
Ă sua lĂngua de faca afectuosa;Ă seta que disparam os ibiscos,
Ă partida solene da cama de grades,
ao encontro, na praia, com as algas;Ă alegria de dormir com um gato,
de ver sair das vacas o leite fumegante,
Ă chegada do amor aos quatro anos.
Eu gosto de porcos. CĂŁes nos olham de baixo. Gatos nos olham de cima. Porcos nos tratam como iguais.
Como um gato de dorso arrepiado, arrepio-me diante de mim.
Quem inveja vida boa de gato esquece que, se o fosse e a tivesse, jamais o saberia.
O homem mora na casa do gato, que o tolera por polĂtica.
Em casa de vilĂŁo, nem gato, nem cĂŁo.
Sou afeiçoado aos porcos. Os cães olham-nos submissamente, os gatos com desprezo. Os porcos tratam-nos como iguais.
Os gatos nĂŁo pertencem Ă s pessoas. Pertencem aos lugares.
As Amadas Passam como o Vento
Um dia percebemos que as amadas se evaporam
no ar como se nunca tivessem existido.
Sombras de pássaros na águaelas emigram para lugares distantes
ou talvez para alguma estrela
dessas que flamejam nos trapézios do céu.As amadas passam como o vento
sĂŁo inconstantes como as brisas que derrubam
as folhas mortas de um pomar.Semelhantes a esses gatos de pelĂşcia
que nos arranham com seus bigodes de mercĂşrio
e vĂŁo-se lambuzar no pires de leite.As amadas, quando vĂŁo embora,
deixam apenas a memĂłria do perfume
como um punhal cravado em nosso peito.[Argila ErĂłtica: 8]
Queima a ponte que acabaste de atravessar. Para quem não pode recuar só resta avançar. Até o rato quando encurralado ataca o gato.
Bonitas palavras nĂŁo engordam gatos.
Sete Haicais – um Poema
Este vale canta
– um pássaro fez morada
em sua garganta.O inverno me achou
lavrando a terra. Havia paz
no canto das pás.Botas de soldado
frente ao mar. – Vindes matar
até as gaivotas?Partes para a guerra.
Sim, nada digas. Ouçamos
o rio de formigas.A ideia da morte
vem-me ao colo e pede afagos
como um gato (abstracto).Ah! amigo, amigo
– alĂ©m da morte, que posso
repartir contigo?Porque tudo já
foi dito, destravo a lĂngua
no vazio, aos gritos!
O Natal de Minha MĂŁe
A abstracção não precisa de mãe nem pai
nem tĂŁo pouco de tĂŁo tolo infantemas o natal de minha mĂŁe Ă© ainda o meu natal
com restos de Beira Altaano apĂłs ano via surgir figura nova nesse
presépio de vaca burro banda de músicaribeiro com patos farrapos de algodão muito
musgo percorrido por ovelhas e pastoresmultidĂŁo de gente judaizante estremenha pela
mão de meu pai descendo de montes contandomoedas azenhas movendo água levada pela estrela
de Belémum galo bate as asas um frade está de acordo
com a nossa circuncisĂŁo galinhas debicam milhode mistura com um porco a que minha avĂł juntava
sempre um gato para dar sorte era pretoassim Ăamos todos naquela figuração animada
até ao dia de Reis aà estãoum de joelhos outro em pé
e o rei preto vinha sentado nocamelo. Era o mais bonito.
depois eram filhoses o acordar de prenda nosapato tudo tĂŁo real como o abrir das lojas no dia
de feirae eu ia ao Sanguinhal visitar a minha prima que
tinha um cavalo debaixo do quartosubindo de vales descendo de montes
acompanhando a banda do carvalhal com ferrinhose roucas trompas o meu Natal Ă© ainda o Natal de
minha mĂŁe com uns restos de canela e Beira Alta.
Na Arca Aberta, o Justo Peca
Na arca aberta o justo peca,
nĂŁo em canastra fechada;
mas vĂłs da minha coitada
fechada a fazeis caneca:
vindes lá de seca e meca
com tal pressa e furor tal,
que fazeis, para meu mal,
com mau termo e ruim modo,
do meu queijo lama e lodo,
e do meu pĂŁo cinza e sal.Quando as peras me levais,
entĂŁo para peras levo,
pois vos pago o que nĂŁo devo,
e vĂłs rindo vos ficais:
se pĂŞra flamenga achais
a comeis em portuguĂŞs,
e me fazeis d’essa vez,
com estrondo e com arenga,
os narizes á flamenga
muito mal em que me pez.Não vos escapam por pés
minhas cerejas bicais,
nem as ginjas garrafais,
se as tenho alguma vez:
porque mal, em que me pez,
como cerejas se vĂŁo
pelos pés á vossa mão
e da vossa mão á minha,
a cereja Ă© marouvinha
as ginjas galegas sĂŁo.Passa hoje por lebre o gato,
por perdiz passa o francelho
por capĂŁo o galo velho,
Do Mal Guardado Come o Gato
Dizem que o gato e o ladrĂŁo
leva o mal arrecadado;
mas vĂłs do melhor guardado
na canastra lançais mão.
Porque vossos dentes sĂŁo
umas mui agudas puas,
e vossas unhas gazuas,
e vĂłs uns salteadores;
e assim vos fazeis senhores
de minhas cousas e suas.