Todos os géneros literários são bons, menos o género fastidioso.
Passagens sobre Género
142 resultadosComo se Faz uma Declaração de Amor?
Mas então como se faz uma declaração de amor? Em papel selado, na presença de um advogado. Por que não? As piores declarações são as pífias e clandestinas, do género «Acho-te uma pessoa muito interessante». As melhores são aquelas que comprometem quem as faz, que se baseiam em provas capazes de serem apresentadas em tribunal, que fazem corar as testemunhas. As declarações do tipo «Experimentar-a-ver-se-dá» nunca dão. É melhor mandar imprimir 2000 folhetos e distribuí-los por avioneta à população, devidamente identificados, do que um bilhetinho anónimo de «um admirador». As declarações de amor têm de cortar a respiração de quem as recebe, têm de rebentar na cara de quem as lê. O amor e o terrorismo são questões de objectivo, e não de grau.
Como estamos todos a zero, ninguém pode dar conselhos a ninguém. Há séculos que as maiores cabeças do mundo procuram a frase perfeita de apresentação. Há as deixas rascas, do género «Deixe-me adivinhar o seu signo» ou «Não costuma cá estar às terças-feiras, pois não?». Há as deixas pirosas, do género «Importa-se que eu lhe diga que você é muito bonita?» ou «Posso só dizer-lhe uma coisa? O seu namorado tem muita sorte!». Depois,
A Dependência é a Raiz de Todos os Males
O que deve um cão a um cão, um cavalo a um cavalo? Nada. Nenhum animal depende do seu semelhante. Tendo porém o homem recebido o raio da Divindade a que se chama razão, qual foi o resultado? Ser escravo em quase toda a terra. Se o mundo fosse o que parece dever ser, isto é, se em toda parte os homens encontrassem subsistência fácil e certa e clima apropriado à sua natureza, impossível teria sido a um homem servir-se de outro. Cobrisse-se o mundo de frutos salutares. Não fosse veículo de doenças e morte o ar que contribui para a existência humana. Prescindisse o homem de outra morada e de outro leito além do dos gansos e cabras monteses, não teriam os Gengis Cãs e Tamerlões vassalos senão os próprios filhos, os quais seriam bastante virtuosos para auxiliá-los na velhice.
No estado natural de que gozam os quadrúpedes, aves e répteis, tão feliz como eles seria o homem, e a dominação, quimera, absurdo em que ninguém pensaria: para quê servidores se não tivésseis necessidade de nenhum serviço? Ainda que passasse pelo espírito de algum indivíduo de bofes tirânicos e braços impacientes por submeter o seu vizinho menos forte que ele,
Hábitos Breves
Gosto dos hábitos que não duram; são de um valor inapreciável se quisermos aprender a conhecer muitas coisas, muitos estados, sondar toda a suavidade, aprofundar a amargura. Tenho uma natureza que é feita de breves hábitos, mesmo nas necessidades de saúde física, e, de uma maneira geral, tão longe quanto posso ver nela, de alto a baixo dos seus apetites. Imagino sempre comigo que esta ou aquela coisa se vai satisfazer duradouramente – porque o próprio hábito breve acredita na eternidade, nesta fé da paixão; imagino que sou invejável por ter descoberto tal objecto: devoro-o de manhã à noite, e ele espalha em mim uma satisfação, cujas delícias me penetram até à medula dos ossos, não posso desejar mais nada sem comparar, desprezar ou odiar.
E depois um belo dia, aí está: o hábito acabou o seu tempo; o objecto querido deixa-me então, não sob o efeito do meu fastio, mas em paz, saciado de mim e eu dele, como se ambos nos devêssemos gratidão e estendemo-nos a mão para nos despedirmos. E já um novo me aguarda, mas aguarda no limiar da minha porta com a minha fé – a indestrutível louca… e sábia! – em que este novo objecto será o bom,
Felicidade e Virtude
Como, ao que parece, há muitos fins e podemos buscar alguns em vista de outros: por exemplo, a riqueza, a música, a arte da flauta e, em geral, todos aqueles fins que podem denominar-se instrumentos, é evidente que nenhum desses fins é perfeito e definitivo por si mesmo. Mas o sumo bem deve ser coisa perfeita e definitiva. Por conseguinte, se existe uma só e única coisa que seja definitiva e perfeita, ela é precisamente o bem que procuramos; e se há muitas coisas deste género, a mais definitiva entre elas será o bem. Mas, em nosso entender, o bem que apenas deve buscar-se por si mesmo é mais definitivo que aquele que se procura em vista de outro bem; e o bem que não deve buscar-se nunca com vista noutro bem é mais definitivo que os bens que se buscam ao mesmo tempo por si mesmos e por causa desse bem superior; numa palavra, o perfeito, o definitivo, o completo, é o que é eternamente apetecível em si, e que nunca o é em vista de um objecto distinto dele.
Eis aí precisamente o carácter que parece ter a felicidade; buscamo-la por ela e só por ela, e nunca com mira em outra coisa.
A poesia não é apenas um género literário, mas um olhar revelador de mistérios e uma sabedoria resgatadora da nossa profunda humanidade. A poesia é um modo de ler o mundo e escrever nele um outro mundo.
Dragões e Duendes
Nada a fazer: virasse-se um homem para onde se virasse, todos os filmes e todos os livros e todas as peças de teatro e tudo o mais que se houvesse inventado para contar histórias e obrigar-nos a perdermo-nos e a reencontrarmo-nos e a perdermo-nos e a reencontrarmo-nos nelas pareciam agora girar em torno de dragões e águias colossais, de fadas e de elfos, de duendes e de vampiros, de mutantes com duas cabeças e de extraterrestres assassinos que nos pousavam no quintal para fazer amizade e, à traição, subjugar o Homo sapiens. Algures ao longo do caminho, pegáramos no velho rapaz-conhece-rapariga, envergonháramo-nos dele e prometêramos a nós próprios jamais voltar a deixar-nos fascinar pela pungência desse encontro, pela força desse inesperado cruzamento entre dois seres que se surpreendem mutuamente e, de repente, tivessem de viver juntos para sempre ou de imediato matar-se um ao outro. E, portanto, ali andava eu, todas as noites, aborrecendo-me de morte com as aventuras de um hobbit, bocejando com a saga dos goblins azuis e adormecendo ao compasso de um feiticeiro órfão que, de varinha em riste, salvava a cena por mais um dia, embora no dia seguinte os hobbits e os goblins e os dragões e os duendes e a puta que os pariu voltassem,
Os Gostos
A palavra «gosto» tem vários significados e é fácil o engano. Há uma diferença entre aquele gosto que nos leva a escolher coisas e aquele que nos leva a conhecer e discernir as qualidades quando se segue as regras. Podemos gostar de comédias sem ter um gosto tão apurado e delicado que nos permita ajuizar do seu valor, como podemos ter o bom gosto para emitir juízos sobre as comédias, sem gostar desse género dramático. Existe um tipo de gosto que nos aproxima imperceptivelmente do que temos à nossa frente, há outros que nos prendem pela sua força e duração.
Também há pessoas que têm mau gosto em tudo, outras só nalgumas coisas, mas ambos os casos têm esse direito, no que toca ao alcance que cada um tem. Outros ainda têm gostos particulares, que sabem que são maus, sem deixarem de segui-los. Há aqueles que têm gostos imprecisos e estes deixam que o acaso decida por eles. Mudam com ligeireza e ficam contentes ou maçam-se com o que os seus amigos dizem. Outros são sempre previstos, sendo escravos de todos os seus gostos, respeitando-os em todas as matérias. Há quem seja sensível ao bem e que se choque com o que é mau.
Enquanto os rapazes vão somando e seguindo, procurando coleccionar um máximo de géneros, as raparigas querem um só rapaz que reúna todas as coisas boas de todos os géneros que há.
A Glória Mais Genuína
A glória mais genuína, a póstera, nunca é ouvida por quem é seu objecto e, no entanto, ele é tido por feliz. Assim, a sua felicidade consistiu propriamente nas grandes qualidades que lhe conferiram a sua glória e no facto de que encontrou oportunidade para desenvolvê-las; logo, foi-lhe permitido agir como era adequado, ou praticar aquilo que praticava com prazer e amor. Pois só as obras assim nascidas alcançam glória póstera. A sua felicidade consistiu, pois, no grande coração, ou também na riqueza de um espírito cuja estampa, nas suas obras, recebe a admiração dos séculos vindouros. Tal felicidade consistiu nos seus próprios pensamentos, cuja meditação será a ocupação e o gozo dos espíritos mais nobres de um imenso futuro. O valor da glória póstera reside, portanto, em merecê-la, e isso é a sua recompensa verdadeira.
Se chegou a haver obras que adquiriram glória na posteridade e que também a obtiveram entre os seus contemprâneos, tratam-se de circunstâncias fortuitas, sem grande importância. Pois, como os homens, via de regra, são privados de juízo próprio e, sobretudo, não têm capacidade alguma para apreciar as realizações elevadas e difíceis, acabam sempre por seguir nesse domínio a autoridade alheia, e a glória de género superior,
A ignorância é a maior enfermidade do género humano.
O Amor Certo
Penso em tudo o que os homens sentem pelas mulheres que amam e tento dizer o que nos une nesse amor. Fora dos pormenores e das particularidades. Sei que as mulheres que nos amam não nos amam de maneira diferente mas, como nunca se sabe, deixei-as de fora, falando apenas pelo meu género: a malta.
Minha amada querida. O meu pai, logo depois de se ter apaixonado pela minha mãe, disse-lhe, em pleno namoro (ela uma mulher inglesa casada, com uma filha pequena; ele um solteirão português): «Se soubesses quanto eu te amava, destruías-me já.» E disse a verdade. Era tanto o amor e o ciúme que lhe tinha, que fez mal à mulher que amava, minha mãe, e mal ao homem que a amava: ele próprio, meu pai.
O amor é um castigo: é um desespero: é um medo. O amor vai contra todos os nossos instintos de sobrevivência. Instiga-nos a cometer loucuras. Instiga-nos a comprometermo-nos. Obriga-nos a cumprir promessas que não somos capazes de cumprir. Mas cumprimos.
Eu amo-te. E não me custa. É um acto de egoísmo. Mesmo que tu me odiasses mas te odiasses tanto a ti própria que não te importasses de ficar comigo,
A Liberdade de Escolha
Realmente, se um dia de facto se descobrisse uma fórmula para todos os nossos desejos e caprichos – isto é, uma explicação do que é que eles dependem, por que leis se regem, como se desenvolvem, a que é que eles ambicionam num caso e noutro e por aí fora, isto é uma fórmula matemática exacta – então, muito provavelmente, o homem deixaria imediatamente de sentir desejo.
Pois quem aceitaria escolher por regras? Além disso, o ser humano seria imediatamente transformado numa peça de um orgão ou algo do género; o que é um homem sem desejos, sem liberdade de desejo e de escolha, senão uma peça num orgão?
O Grande Educador
É além de tudo essencial que a escola se não separe do mundo; não há escolas e oficinas; há um certo género de oficinas em que trabalham crianças nas tarefas que lhes são adequadas e lhes vão facilitando o desenvolvimento do corpo e do espírito; vão colaborando no que podem e no que sabem para que a vida melhore. Ninguém fugirá da escola e a olhará como um horror no dia em que a deixemos de conceber como o lugar a que se vai para receber uma lição, para a considerarmos como o ponto de condições óptimas para que uma criança efectivamente dê a sua ajuda a todos os que estão procurando libertar a condição humana do que nela há de primitivo; não se veja no aluno o ser inferior e não preparado a que se põe tutor e forte adubo; isso é o diálogo entre o jardineiro e o feijão; outra ideia havemos de fazer das possibilidades do homem e do arranjo da vida; que a criança se não deixe nunca de ver como elemento activo na máquina do mundo e de reconhecer que a comunidade está aproveitando o seu trabalho; de número na classe e de fixador de noções temos de a passar a cidadão.
Uma ilusão de amor cura-se com outra do mesmo género.
A Vantagem do Conhecimento Alargado
No que se refere ao espírito dotado de capacidades elevadas – o único que pode ousar a solução dos grandes e difíceis problemas concernentes ao universal e geral das coisas -, ele fará bem em estender o máximo possível o seu horizonte, mas sempre com equanimidade, para todos os lados, sem se perder muito numa dessas regiões bem específicas e conhecidas apenas por poucos. Ou seja, sem penetrar demasiado profundamente nas especialidades de alguma ciência isolada, muito menos envolver-se com a micrologia. Pois não tem necessidade de se dedicar a objectos de difícil acesso para livrar-se da multidão de concorrentes; pelo contrário, justamente aquilo que está ao alcance de todos é o que fornecerá a matéria para combinações novas, importantes e verdadeiras. Desse modo, o seu mérito poderá ser apreciado por todos os que conhecem os dados, portanto, por uma boa parte do género humano. Nisso reside a imensa diferença entre a glória que os poetas e os filósofos alcançam e aquela acessível a físicos, químicos, anatomistas, mineralogistas, zoólogos, filólogos, historiadores, etc.
É próprio do género humano odiar os que ofendemos.
A Única Coisa Duradoura Que Podes Criar
A mamã costumava dizer-lhe que tinha muita pena. As pessoas tinham andado a trabalhar durante tantos anos para fazer do mundo um sítio organizado e seguro. Ninguém percebera como ele se iria tornar aborrecido. Com todo o mundo dividido em propriedades, com os limites de velocidade e as divisões por zonas, com tudo regulado e tributado, com todas as pessoas analisadas e recenseadas e rotuladas e registadas. Ninguém tinha deixado muito espaço para a aventura, exceptuando, talvez, a do género que se pode comprar. Numa montanha-russa. Num cinema. No entanto, isso seria sempre uma excitação falsa. Sabes que os dinossauros não vão comer os míudos. Os referendos recusaram com os seus votos qualquer hipótese de um desastre falso ainda maior. E porque não existe a possibilidade de um desastre verdadeiro, ficamos sem nenhuma hipótese de termos uma salvação verdadeira. Entusiasmo verdadeiro. Excitação a sério. Alegria. Descoberta. Invenção.
As leis que nos dão segurança, estas mesmas leis condenam-nos ao aborrecimento. Sem acesso ao verdadeiro caos, nunca teremos paz verdadeira.A não ser que tudo possa ficar pior, nunca poderá ficar melhor.
Isto eram tudo coisas que a mamã lhe costumava dizer.
E dizia-lhe mais:
–
Felicidade Calma
Incita esse teu amigo a animosamente não ligar importância a quem o censura por se acolher à obscuridade da vida privada, por desistir das suas grandezas, por ter preferido a tranquilidade a tudo o mais, apesar de poder ainda avançar na sua carreira. Mostra a essa gente que ele trata diariamente dos próprios interesses da forma mais útil. Aqueles que pela sua posição elevada suscitam a inveja geral nunca vivem em terreno firme: uns são derrubados, outros caem por si. Esse tipo de felicidade nunca conhece a calma, antes se excita sempre a si mesma. Desperta em cada um ideias de vários tipos, move os homens cada qual em sua direcção, lança uns numa vida de excessos, outros numa vida de luxúria, a uns enche-os de orgulho, a outros de moleza, mas a todos igualmente destrói.
Dirás tu: Há, todavia, quem aguente bem uma liberdade desse género”. Pois há, assim como há quem aguente bem o vinho. Por isso não existe o mínimo fundamento para te deixares persuadir que alguém é feliz pelo facto de viver rodeado de clientes; os clientes não buscam nele senão o mesmo que buscam num lago: beber até fartar e deixar a água suja!
Tirai ao género humano a sua vaidade e a sua ambição, e acabareis de vez com os heróis e com os patriotas.