Passagens sobre Glória

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A Outra Face da Inveja

Aqueles que são invejados entristecem-se com o rancor que sentem à sua volta; se são orgulhosos, por receio de algum prejuízo; se generosos, por compaixão dos que invejam. Mas depressa se alegram: se me invejam, isso quer dizer que tenho um valor, dos méritos, das graças; quer dizer que sentem e reconhecem a minha grandeza, o meu triunfo. A inveja é a sombra obrigatória do génio e da glória, e os invejosos não passam, de forma odiosa, de admiradores rebeldes e testemunhas involuntárias. Não custa muito perdoar-lhes, quando existe o direito de me comprazer e desprezá-los. Posso mesmo estar-lhes, com frequência, gratos pelo facto de o veneno da inveja ser, para os indolentes, um vinho generoso que confere novo vigor para novas obras e novas conquistas. A melhor vingança contra aqueles que me pretendem rebaixar consiste em ensaiar um voo para um cume mais elevado. E talvez não subisse tanto sem o impulso de quem me queria por terra.
O indivíduo verdadeiramente sagaz faz mais: serve-se da própria difamação para retocar melhor o seu retrato e suprimir as sombras que lhe afectam a luz. O invejoso torna-se, sem querer, o colaborador da sua perfeição.

Glória Efémera

O que se entrovisca com a glória póstuma não se apercebe de que cada um dos que se hão-de lembrar dele bem depressa morrerá por sua vez, depois por seu turno o que lhe suceder no lugar vazio, até que toda a lembrança por completo se extinga, ao passar de um a outro, como brandões acesos que se apagam. mas supõe que são imortais os que houverem lembrança de ti, e imortal a tua fama: que te importa isso? Não digo ao morto que serás, nada te aproveita; mas ao que vive, que lhe importa ser louvado? – A não ser que vejas nisso algum interesse político.

O Vício da Glória

De todas as tolices do mundo, a mais aceite e mais universal é a preocupação com a reputação e a glória, que desposamos a ponto de deixar de lado as riquezas, o descanso, a vida e a saúde, que são bens reais e substanciais, para seguirmos essa vã imagem e essa simples palavra que não tem corpo nem pregnância: A fama, que encanta com a sua doce voz os mortais soberbos e que parece tão bela, é apenas um eco, um sonho, ou antes a sombra de um sonho, que ao menor sopro se dissipa e desvanece (Torquato Tasso). E, das veleidades desarrazoadas dos homens, parece que mesmo os filósofos se desfazem desta mais tarde e mais a contragosto que de qualquer outra.
É a mais pertinente e pertinaz: Pois não cessa de tentar até mesmo aqueles que progrediram no caminho da vitude (Santo Agostinho). Quase não há outra cuja vacuidade a razão aponte tão claramente; mas ela tem dentro de nós raízes tão vivas que não sei se alguém jamais conseguiu libertar-se totalmente. Depois que tudo dissestes e em tudo acreditastes para renegá-la, ela produz contra o vosso raciocínio uma inclinação tão intestina que mal tendes com que lhe resistir.

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Dos Ilustres Antigos Que Deixaram

Dos ilustres antigos que deixaram
tal nome, que igualou fama à memória,
ficou por luz do tempo a larga história
dos feitos em que mais se assinalaram.

Se se com cousas destes cotejaram
mil vossas, cada üa tão notória,
vencera a menor delas a mor glória
que eles em tantos anos alcançaram.

A glória sua foi; ninguém lha tome.
Seguindo cada um vários caminhos,
estátuas levantando no seu Templo.

Vós, honra portuguesa e dos Coutinhos,
ilustre Dom João, com melhor nome
a vós encheis de glória e a nós de exemplo.

Prefiro Rosas, meu Amor, à Pátria

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,

Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.

Os deuses não concedem facilmente nem coisas excelentes
nem belas; mas há glória para a empresa difícil.

Um homem cai, desfigura-se, perde o peso e a glória. Mas levanta-se depois de cada queda e talvez já nem seja um homem, talvez seja essa a sua verdadeira ascese.

Os Pseudo-Sábios

Os verdadeiros sábios perguntam como se comporta dada coisa em si mesma e na sua relação com outras coisas, sem se preocuparem com a utilidade, ou seja, com a aplicação no domínio do já conhecido ou no domínio daquilo que é necessário à vida. Há outros espíritos, gente bastante diferente, que, sendo mais agudos, mais virados para a vida, mais experimentados e familiarizados com a técnica, tratam imediatamente de encontrar as aplicações.
Os pseudo-sábios procuram apenas retirar tão depressa quanto possível algum proveito pessoal das novas descobertas, tratando de obter uma glória vã, seja pela tentativa de dar continuidade ou alargamento à descoberta em causa, seja pela introdução de correcções, ou até por uma simples anexação pessoal, por exemplo, afectando grandes preocupações em relação ao assunto. O carácter sempre prematuro desses comportamentos prejudica a verdadeira ciência, traz-lhe maior incerteza e confusão, e atrofia-lhe manifestamente aquilo que ela pode produzir de mais belo, isto é, o seu florescimento prático.

Cântico Negro

“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre,

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Ser Paulista

Ser paulista! é ser grande no passado
E inda maior nas glórias do presente!
É ser a imagem do Brasil sonhado,
E, ao mesmo tempo, do Brasil nascente.

Ser paulista! é morrer sacrificado
Por nossa terra e pela nossa gente!
É ter dó das fraquezas do soldado
Tendo horror à filáucia do tenente.

Ser paulista! é rezar pelo Evangelho
De Rui Barbosa – o sacrossanto velho
Civilista imortal de nossa fé.

Ser paulistal em brasão e em pergaminho
É ser traído e pelejar sozinho,
É ser vencido, mas cair de pé!

Robespierre

Alma inquebrável – bravo sonhador
De um fim brilhante, de um poder ingente,
De seu cérebro audaz, a luz ardente
É que gerava a treva do Terror!

Embuçado num lívido fulgor
Su’alma colossal, cruel, potente,
Rompe as idades, lúgubre, tremente,
Cheia de glórias, maldições e dor!

Há muito que, soberba, ess’alma ardida
Afogou-se cruenta e destemida
– Num dilúvio de luz: Noventa e três…

Há muito já que emudeceu na história
Mas ainda hoje a sua atroz memória
É o pesadelo mais cruel dos reis!…

Dois Caminhos

Eu queria te dar minha emoção mais pura,
associar-te ao meu sonho e dividir contigo
migalha por migalha, o pouco de ventura
que pudesse colher no caminho onde sigo…

E esse estranho desejo em que se desfigura
a palavra de amor e pureza que eu digo,
– e queria te dar essa minha ternura
que às vezes, por trair-se ao teu olhar, maldigo…

Bem que eu quis te ofertar meu destino, meu sonho,
minha vida, e até mesmo esta efêmera glória
que desperdiço a cantar nos versos que componho…

Nada quiseste…E assim, os sonhos que viviam,
se ontem, puderam ser um começo de história,
hoje, são dois caminhos que se distanciam…

Desencanto em Função da Posse

Nada me encanta já; tudo me aborrece, me nauseia. Os meus próprios raros entusiasmos, se me lembro deles, logo se me esvaem – pois, ao medi-los, encontro os tão mesquinhos, tão de pacotilha… Quer saber? Outrora, à noite, no meu leito, antes de dormir, eu punha-me a divagar. E era feliz por momentos, entressonhando a glória, o amor, os êxtases… Mas hoje já não sei com que sonhos me robustecer. Acastelei os maiores… eles próprios me fartaram: são sempre os mesmos – e é impossível achar outros… Depois, não me saciam apenas as coisas que possuo – aborrecem-me também as que não tenho, porque, na vida como nos sonhos, são sempre as mesmas. De resto, se às vezes posso sofrer por não possuir certas coisas que ainda não conheço inteiramente, a verdade é que, descendo-me melhor, logo averiguo isto: Meu Deus, se as tivera, ainda maior seria a minha dor, o meu tédio.

Só no Ato do Amor se Capta a Incógnita do Instante

Quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já. Só no ato do amor — pela límpida abstração de estrela do que se sente — capta-se a incógnita do instante que é duramente cristalina e vibrante no ar e a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si: no amor o instante de impessoal jóia refulge no ar, glória estranha de corpo, matéria sensibilizada pelo arrepio dos instantes — e o que se sente é ao mesmo tempo que imaterial tão objetivo que acontece como fora do corpo, faiscante no alto, alegria, alegria é matéria de tempo e é por excelência o instante. E no instante está o é dele mesmo. Quero captar o meu é. E canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro. E meu canto é de ninguém. Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.