A Grande Diferença da Vida é o Entusiasmo
A grande diferença da vida é o entusiasmo. É a força do vento. O entusiasmo é o nome feio que chamam às pessoas que acham graça a tudo o que existe na vida.
A vida é a única volta que damos. Todos os nossos projectos – de sermos melhores ou mais egoístas, mais corajosos ou comedidos – vão contra o facto de não termos tempo para corresponder às nossas expectativas.
Somos como somos. Mais vale dizermos como somos, com as palavras que temos, do que morrermos à espera de nos exprimirmos mais bem. Não há nenhuma pessoa viva que possa viver mais do que nós. Existem apenas aquelas pessoas práticas e abusadoras que aproveitam as vidas para fazer avançar tudo o que esperam da vida.
A igualdade não é uma conquista: é um facto. Exprimirmo-nos é mais justo quanto menos jeito tivermos para isso. Falar em público não é um desafio: é uma prova de proximidade.
O entusiasmo é uma vontade de perder tempo. Nada se aprende sem se querer – desejar avidamente – perder tempo. O entusiasmo é uma coisa dos ventos e os ventos vêm de onde quiserem, quando menos se esperam.
Passagens sobre Graça
502 resultadosOs homens não se vendem de graça, o seu amor-próprio lhes marca o preço, mas a concorrência o rebaixa.
Toada do Amor
E o amor sempre nessa toada:
briga perdoa perdoa briga.Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta para brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.Mas, se não fosse ele, também
que graça que a vida tinha?Mariquita, dá cá o pito,
no teu pito está o infinito.
O Espírito Desfaz a Ordem das Coisas
O espírito aprendeu que a beleza nos faz bons, maus, estúpidos ou sedutores. Disseca uma ovelha e um penitente e encontra em ambos humildade e paciência. Analisa uma substância e descobre que, tomada em grandes quantidades, pode ser um veneno, e em pequenas doses, um excitante. Sabe que a mucosa dos lábios tem afinidades com a do intestino, mas também sabe que a humildade desses lábios tem afinidades com a humildade de tudo o que é sagrado. O espírito desfaz a ordem das coisas, dissolve-as e volta a recompô-las de forma diferente. O bem e o mal, o que está em cima e o que está em baixo não são para ele noções de um relativismo céptico, mas termos de uma função, valores que dependem do contexto em que se encontram. Os séculos ensinaram-lhe que os vícios se podem transformar em virtudes e as virtudes em vícios, e conclui que, no essencial, só por inépcia se não consegue fazer de um criminoso um homem útil no tempo de uma vida. Não reconhece nada como lícito ou ilícito, porque tudo pode ter uma qualidade graças à qual um dia participará de um novo e grande sistema. Odeia secretamente como a morte tudo aquilo que se apresenta como se fosse definitivo,
Pelos Extremos Raros Que Mostrou
Pelos extremos raros que mostrou
em saber, Palas, Vénus em fermosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
África, Europa e Asia as adorou.Aquele saber grande que ajuntou
esprito e corpo em liga generosa,
esta mundana máquina lustrosa,
de só quatro Elementos fabricou.Mas mor milagre fez a natureza
em vós, Senhoras, pondo em cada üa
o que por todas quatro repartiu.A vós seu resplandor deu Sol e Lüa,
a vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.
Linda Inês
Choram ainda a tua morte escura
Aquelas que chorando a memoraram;
As lágrimas choradas não secaram
Nos saudosos campos da ternura.Santa entre as santas pela má ventura,
Rainha, mais que todas que reinaram;
Amada, os teus amores não passaram
E és sempre bela e viva e loira e pura.Ó Linda, sonha aí, posta em sossêgo
No teu muymento de alva pedra fina,
Como outrora na Fonte do Mondego.Dorme, sombra de graça e de saudade,
Colo de Garça, amor, moça menina,
Bem-amada por toda a eternidade!
Gosto do modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.
Confessor ou Psiquiatra ?
Há pessoas que procuram mais o psiquiatra que o confessor. Já foi ao contrário, e não é só questão de moda. O psiquiatra procura desfazer as confusões, o confessor oferece a energia para as ultrapassar. O primeiro ajuda a olhar para a culpa, o segundo garante a graça de que é possível começar de novo, mesmo com culpa. O assumir da culpa e o perdoar deviam andar juntos.
(
Amores, Amores
Não sou eu tão tola
Que caia em casar;
Mulher não é rola
Que tenha um só par:
Eu tenho um moreno,
Tenho um de outra cor,
Tenho um mais pequeno,
Tenho outro maior.Que mal faz um beijo,
Se apenas o dou,
Desfaz-se-me o pejo,
E o gosto ficou?
Um deles por graça
Deu-me um, e, depois,
Gostei da chalaça,
Paguei-lhe com dois.Abraços, abraços,
Que mal nos farão?
Se Deus me deu braços,
Foi essa a razão:
Um dia que o alto
Me vinha abraçar,
Fiquei-lhe de um salto
Suspensa no ar.Vivendo e gozando,
Que a morte é fatal,
E a rosa em murchando
Não vale um real:
Eu sou muito amada,
E há muito que sei
Que Deus não fez nada
Sem ser para quê.Amores, amores,
Deixá-los dizer;
Se Deus me deu flores,
Foi para as colher:
Eu tenho um moreno,
Tenho um de outra cor,
Tenho um mais pequeno,
Tenho outro maior.
Sabedoria I, III
Que dizes, viajante, de estações, países?
Colheste ao menos tédio, já que está maduro,
Tu, que vejo a fumar charutos infelizes,
Projectando uma sombra absurda contra o muro?Também o olhar está morto desde as aventuras,
Tens sempre a mesma cara e teu luto é igual:
Como através dos mastros se vislumbra a lua,
Como o antigo mar sob o mais jovem sol,Ou como um cemitério de túmulos recentes.
Mas fala-nos, vá lá, de histórias pressentidas,
Dessas desilusões choradas plas correntes,
Dos nojos como insípidos recém-nascidos.Fala da luz de gás, das mulheres, do infinito
Horror do mal, do feio em todos os caminhos
E fala-nos do Amor e também da Política
Com o sangue desonrado em mãos sujas de tinta.E sobretudo não te esqueças de ti mesmo,
Arrastando a fraqueza e a simplicidade
Em lugares onde há lutas e amores, a esmo,
De maneira tão triste e louca, na verdade!Foi já bem castigada essa inocência grave?
Que achas? É duro o homem; e a mulher? E os choros,
Quem os bebeu?
Garota de Ipanema
Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
é ela menina, que vem e que passa
Num doce balanço a caminho do marMoça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
é a coisa mais linda que já vi passarAi! Como estou tão sozinho
Ai! Como tudo é tão triste
Ai! A beleza que existe
A beleza que não é só minha
E também passa sozinhaAi! Se ela soubesse que quando ela passa
O mundo interinho se enche de graça
E fica mais lindo por causa do amorSó por causa do amor…
Piedade? Não!
Piedade? Não! Não a desejo.
Ela seria escárnio maior,
Cruel desdém feito gracejo
Com olhar sério para conter
A rude graça. Não! A dor
Eu chore em paz. Deixem doer!Piedade? Não! Escárnio venha,
Mais indiferença e mais desdém:
Confortos desses meu lar os tenha.
Mudar em pena o seu olhar
Já dor de mais fora também.
Fingir bondade, não pode ser.
Que os males pareçam como eles são.
Querer mascará-los é escarnecer,
Rara malícia sem coração.
A Tristeza dos Portugueses
Porque é que os portugueses são tristes? Porque estão perto da verdade. Quem tiver lido alguns livros, deixados por pessoas inteligentes desde o princípio da escrita, sabe que a vida é sempre triste. O homem vive muito sujeito. Está sujeito ao seu tempo, à sua condição e ao seu meio de uma maneira tal que quase nada fica para ele poder fazer como quer. Para se afirmar, como agora se diz, tão mal.
Sobre nós mandam tanto a saúde e o dinheiro que temos, o sítio onde nascemos, o sangue que herdámos, os hábitos que aprendemos, a raça, a idade que temos, o feitio, a disposição, a cara e o corpo com que nascemos, as verdades que achamos; mandam tanto em nós estas coisas que nos dão que ficamos com pouco mais do que a vontade. A vontade e um coração acordado e estúpido, que pede como se tudo pudéssemos. Um coração cego e estúpido, que não vê que não podemos quase nada.
Aí está a razão da nossa tristeza permanente. Cada homem tem o corpo de um homem e o coração de um deus. E na diferença entre aquilo que sentimos e aquilo que acontece, entre o que pede o coração e não pode a vida,
Este Retrato Vosso é o Sinal
Este retrato vosso é o sinal
ao longe do que sois, por desamparo
destes olhos de cá, porque um tão claro
lume não pode ser vista mortal.Quem tirou nunca o sol por natural?
Nem viu, se nuvens não fazem reparo,
em noite escura ao longe aceso um faro?
Agora se não vê, ora vê mal.Para uns tais olhos, que ninguém espera
de face a face, gram remédio fora
acertar o pintor ver-vos sorrindo.Mas inda assim não sei que ele fizera,
que a graça em vós não dorme em nenhuma hora.
Falando que fará? Que fará rindo?
Eu continuo ateu, graças a Deus.
Noutes de Chuva
Eu não sei, ó meu bem, cheio de graças!
Se tu amas no Outomno – já sem rosas! –
A longa e lenta chuva nas vidraças,
E as noutes glaciaes e pluviosas!N’essas noutes sem luz, que – visionarios-
Temos chymeras misticas, celestes,
E scismamos nos pobres solitarios
Que tiritam debaixo dos cyprestes!Que evocamos os liricos passados,
As chymeras, e as horas infelizes,
Os velhos casos tristes olvidados,-
E os mortos corações sob as raizes!N’essas noutes, meu bem! em que desfeito
Cae o frio granizo nas estradas,
E tanto apraz, sonhando, sobre o leito,
Ouvir a longa chuva nas calçadas!N’essas noutes, electricas, nervosas,
Todas cheias d’aromas outonaes,
Que a tristeza tem formas monstruosas
Como n’um sonho os porticos claustraes.Noutes só em que o sabio acha prazeres,
– Tão ignorados dos crueis profanos! –
E em que as nervosas, mysticas mulheres,
Desfallecem chorando nos pianos.N’essas noutes, meu bem! é que os poetas
Tem ás vezes seus sonhos mais brilhantes,
Folheam suas obras predilectas…
–
nenhum amor escapa impune
deixa-me perguntar se te
pareço tão assustado assim. Não
me sinto deslocado, talvez curioso, mas
nem surpreso. algo em ti me puxa
sempre ao sentimento, mesmo antes de
te conhecer, lembras-te, uma propensão para
te tratar bem, cuidar, vulnerabilizar os meus
modos, recusar admitir que também eu sou
capaz de crueldades quotidianas e
impunes. queria conversar contigo
sobre o nelson, que foi ver as coisas a
arder fotografando a própria
pele. queria falar-te da isabel e de como
choramos juntos, muito maricas, quando
nos correm mal estes amores ou, pior, a
nossa amizade. esta noite sonhei contigo e
achei graça dizer-te que cheirava mal
na nossa cama. que me incomodou a luz a entrar
pela persiana por fechar. que ouvi com dor o
orgasmo da vizinha de baixoqueria que soubesses que também eu
poderia ter ardido para o nelson
fotografar. queria que soubesses que
também poderia parar de chorar pela
isabel. queria que soubesses que o faria
exclusivamente
para arruinar o meu coração, se fosse a
tua vontade e com isso te deixasse em
paz.
Debaixo das Oliveiras
Este foi o mês em que cantei
dentro de minha casa
debaixo
das oliveiras.O mês em que a brisa me pôs nas mãos
uma harpa de folhas
e a terra me emprestou
sua flauta e sua lua.
Maré viva. Meu sangue atravessado
por um cometa visível a olho nu
tangido por satélites e aves de arribação
navegado por peixes desconhecidos.Este foi o mês em que cantei
como quem morre e ressuscita
no terceiro dia
de cada sílaba.O mês em que subi a uma colina
dentro de minha casa
olhei a terra e o mar
depois cantei
como quem faz com duas pedras
o primeiro lume. Palavras
e pedras. Palavras e lume
de uma vida.Este foi o mês em que fui a um lugar santo
dentro de minha casa.
O mês em que saí dos campos
e me banhei no rio como quem se baptiza
e cantei debaixo das oliveiras
as mãos cheias de terra. Palavras
e terra
de uma vida.Este foi o mês em que cantei
como quem espelha ao vento suas cinzas
e cresce de seu próprio adubo
carregado de folhas.
Experiência é coisa que ninguém consegue de graça.
Sem Privação Não Há Felicidade
O animal humano, como os outros animais, está adaptado para uma certa luta pela vida e quando, graças à sua riqueza, o homo sapiens pode satisfazer todos os desejos sem esforço, a simples ausência do esforço na sua vida afasta dele um elemento essencial de felicidade. O homem que adquire facilmente as coisas pelas quais sente apenas um desejo moderado, conclui que a realização do desejo não dá felicidade. Se tem disposição para a filosofia, conclui que a vida humana é essencialmente desprezível, pois o homem que tem tudo o que precisa ainda assim é infeliz. Esquece-se de que privar-se dalgumas coisas que precisa é parte indispensável da felicidade.