O Lucro de Um é Prejuízo de Outro
O ateniense Dêmades condenou um homem da sua cidade que tinha por ofício vender as coisas necessárias para os enterros, sob a alegação de que exigia um lucro excessivo e esse lucro não lhe podia vir sem a morte de muitas pessoas. Tal julgamento parece estar mal pronunciado, na medida em que não se obtém benefício algum a não ser com prejuízo de outrem, e que dessa maneira seria preciso condenar toda a espécie de ganho.
O mercador só faz bem os seus negócios por causa da devassidão dos jovens; o lavrador, pela carestia dos cereais; o arquitecto, pela ruína das casas; os oficiais de justiça, pelos processos e contendas dos homens; mesmo as honras e a actividade dos ministros da religião provêm da nossa morte e dos nossos vícios. Nenhum médico se alegra com a saúde mesmo dos seus amigos, diz o antigo cómico grego, nem o soldado com a paz da sua cidade; e assim sucessivamente. E o que é pior: cada um sonde dentro de si mesmo, e descobrirá que a maioria dos nossos desejos íntimos nascem e alimentam-se às expensas de outrem.
Considerando isso, veio-me à mente que nisso a natureza não contradiz a sua organização geral,
Passagens sobre Gregos
80 resultadosNão, ela não era tola. Mas como quem não desiste de anjos, fadas, cegonhas com bebês, ilhas gregas e happy ends cinderelescos, ela queria acreditar.
Olhos
II
A Grécia d’Arte, a estranha claridade
D’aquela Grécia de beleza e graça,
Passa, cantando, vai cantando e passa
Dos teus olhos na eterna castidade.Toda a serena e altiva heroicidade
Que foi dos gregos a imortal couraça,
Aquele encanto e resplendor de raça
Constelada de antiga majestade,Da Atenas flórea toda o viço louro,
E as rosas e os mirtais e as pompas d’ouro,
Odisséias e deuses e galeras…Na sonolência de uma lua aziaga,
Tudo em saudade nos teus olhos vaga,
Canta melancolias de outras eras!…
A Revitalização da Vida
O primeiro contacto com os mistérios da vida foi-me dado pela minha mãe, através das leituras diárias que ela me fazia da mitologia grega. Então eu habituei-me a venerar as forças naturais e devo dizer-lhe que isso é preocupação da minha poesia e não só, mas que se afirma particularmente no livro de poemas que publicarei no próximo ano. A minha orientação está muito ligada à repaganização da vida. Ou seja, a revitalização da vida. Veja que os antigos, os Gregos, por exemplo, personificavam as forças naturais em deuses e assim elas eram respeitadas e sagradas. O cristianismo veio imolar os cultos pagãos numa determinada fase da humanidade. Talvez fosse necessário nessa altura! Apenas hoje, com os prejuízos que a natureza está a sofrer, eu penso se não será necessário repaganizar outra vez o nosso sentir perante a natureza.
A Religião e o Jornalismo São as Únicas Forças Verdadeiras
Todas as artes são uma futilidade perante a literatura. As artes que se dirigem à visualidade, além de serem únicos os seus produtos, e perecíveis, podendo portanto, de um momento para o outro, deixar de existir, não existem senão para criar ambiente agradável, para distrair ou entreter — exactamente como as artes de representar, de cantar, de dançar, que todos reconhecem como sendo inferiores em relação às outras. A própria música não existe senão enquanto executada, participando portanto da futilidade das artes de representação. Tem a vantagem de durar, em partituras; mas essa não é como a dos livros, ou coisas escritas, cuja valia está em que são partituras acessíveis a todos os que sabem ler, existindo ali para a interpretação imediata de quem lê, e não para a interpretação do executante, transmitida depois ao ouvinte.
As literaturas, porém, são escritas em línguas diferentes, e, como não há possibilidades de haver uma língua universal, nem, se vier a havê-la, será o grego antigo, onde tantas obras de arte se escreveram, ou o latim, ou o inglês ou outra qualquer, e se for uma delas não será as outras, segue que a literatura, sendo escrita para a posteridade, não a atinge senão,
O verbo grego «batizar» significa «emergir». O banho com a água é um rito comum em várias crenças para exprimir a passagem de uma condição para outra, sinal de purificação para um novo começo. Mas para nós, cristãos, não deve passar despercebido que, se é o corpo a ser imergido na água, é a alma que é imersa em Cristo para receber o perdão do pecado e resplandecer de luz divina.
A Paisagem Faz a Raça
A paisagem faz a raça. A Holanda é uma terra pacífica e serena, porque a sua paisagem é larga, plana e abundante. A paisagem que fez o grego, era o mar, reluzente e infinito, o céu, sereno, transparente, doce, e destacando-se sob aquela imobilidade azul, um templo branco, puro, augusto, rítmico, entre a sombra que faz um grupo de oliveiras. A paisagem do romano é toda jurídica: as terras ásperas, a perder de vista, separadas por marcos de tijolo; uma grande charrua puxada por búfalos, vai passando entre os trigos; uma larga estrada lajeada, eterna, sobre a qual rolam as duas altas rodas maciças dum carro sabino; uma casa coberta de vinha branqueja ao longe, na planície. Não importa a cor do céu: o romano não olha para o céu. A raça anglo-saxónica tira a sua tenebrosa mitologia, o seu espírito inquieto, da sua paisagem escura, acidentada, desolada e romântica. É o estreito e árido aspecto do vale de Jerusalém que fez o judeu.
O Incêndio De Roma
Raiva o incêndio. A ruir, soltas, desconjuntadas,
As muralhas de pedra, o espaço adormecido
De eco em eco acordando ao medonho estampido,
Como a um sopro fatal, rolam esfaceladas.E os templos, os museus, o Capitólio erguido
Em mármor frígio, o Foro, as erectas arcadas
Dos aquedutos, tudo as garras inflamadas
Do incêndio cingem, tudo esbroa-se partido.Longe, reverberando o clarão purpurino,
Arde em chamas o Tibre e acende-se o horizonte.
Impassível, porém, no alto do Palatino,Nero, com o manto grego ondeando ao ombro, assoma
Entre os libertos, e ébrio, engrinaldada a fronte,
Lira em punho, celebra a destruição de Roma.
O mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.
Plena Nudez
Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas…Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
De transparente túnica através:Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pés!
A vida não pára de mudar, é pura mudança. Não tem outra sina além de mudar e mudar; os gregos sabiam-no e o mais certo é que até os seus avós o soubessem.
O teatro é mais rico. Os actores estão lá, em carne e osso. No cinema, só está a personagem. O actor já não se encontra lá quando o filme é exibido. O cinema é complementar mas tem uma vantagem perdura no tempo. Se houvesse cinema no tempo áureo das tragédias gregas saberíamos como elas eram. Como não há, apenas calculamos como seriam.
O Jornal é o Fole Incansável que Assopra a Vaidade Humana
Pelo jornal, e pela reportagem que será a sua função e a sua força, tu desenvolverás, no teu tempo e na tua terra, todos os males da Vaidade! (…) Como a reportagem hoje se exerce, menos sobre os que influem nos negócios do Mundo, ou nas direcções do pensamento , do que, como diz a Bíblia, sobre toda a «sorte e condições de gente vã», desde os jóqueis até aos assassinos, a sua indiscriminada publicidade concorre pouco para a documentação da história, e muito, prodigiosamente, escandalosamente, para a propagação das vaidades! O jornal é com efeito o fole incansável que assopra a vaidade humana, lhe irrita e lhe espalha a chama. De todos os tempos é ela, a vaidade do homem! Já sobre ela gemeu o gemebundo Salomão, e por ela se perdeu Alcibíades, talvez o maior dos Gregos. Incontestavelmente, porém, meu Bento, nunca a vaidade foi, como no nosso danado século XIX, o motor ofegante do pensamento e da conduta. Nestes estados de civilização, ruidosos e ocos, tudo deriva da vaidade, tudo tende à vaidade. E a forma nova da vaidade para o civilizado consiste em ter o seu rico nome impresso no jornal, a sua rica pessoa comentada no jornal!
Ode à Esperança
1
Vem, vem, doce Esperança, único alívio
Desta alma lastimada;
Mostra, na c’roa, a flor da Amendoeira,
Que ao Lavrador previsto,
Da Primavera próxima dá novas.2
Vem, vem, doce Esperança, tu que animas
Na escravidão pesada
O aflito prisioneiro: por ti canta,
Condenado ao trabalho,
Ao som da braga, que nos pés lhe soa,3
Por ti veleja o pano da tormenta
O marcante afouto:
No mar largo, ao saudoso passageiro,
(Da sposa e dos filhinhos)
Tu lhe pintas a terra pelas nuvens.4
Tu consolas no leito o lasso enfermo,
C’os ares da melhora,
Tu dás vivos clarões ao moribundo,
Nos já vidrados olhos,
Dos horizontes da Celeste Pátria.5
Eu já fui de teus dons também mimoso;
A vida largos anos
Rebatida entre acerbos infortúnios
A sustentei robusta
Com os pomos de teus vergéis viçosos.6
Mas agora, que Márcia vive ausente;
Que não me alenta esquiva
C’o brando mimo dum de seus agrados,
Mensagem – Mar Português
MAR PORTUGUÊS
Possessio Maris
I. O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!II. Horizonte
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves,
O homem tem um tecto, (que os gregos atingiram), para além disso, já não percebemos nada. Somos joguetes do destino. O Espinosa dizia: “Supomos que somos livres porque ignoramos as forças obscuras que nos manipulam”. E S. Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, a nossa crença é vã”. Não sabemos: nenhum dos nossos mortos disse qualquer coisa.
Uma pessoa fixada no presente, sem atender ao passado e ao futuro, fica naquela situação triste em que ficaram os gregos que nunca se livraram da presença do tempo e do espaço.
É uma grande tolice o «conhece-te a ti mesmo» da filosofia grega. Não conheceremos nunca nem a nós nem aos outros. Mas não se trata disso. Criar o mundo é menos impossível do que explicá-lo.
O Estilo é um Reflexo da Vida
Qual a causa que provoca, em certas épocas, a decadência geral do estilo ? De que modo sucede que uma certa tendência se forma nos espíritos e os leva à prática de determinados defeitos, umas vezes uma verborreia desmesurada, outras uma linguagem sincopada quase à maneira de canção? Porque é que umas vezes está na moda uma literatura altamente fantasiosa para lá de toda a verosimilhança, e outras a escrita em frases abruptas e com segundo sentido em que temos de subentender mais do que elas dizem? Porque é que nesta ou naquela época se abusa sem restrições do direito à metáfora? Eis o rol dos problemas que me pões. A razão de tudo isto é tão bem conhecida que os Gregos até fizeram dela um provérbio: o estilo é um reflexo da vida! De facto, assim como o modo de agir de cada pessoa se reflecte no modo como fala, também sucede que o estilo literário imita os costumes da sociedade sempre que a moral pública é contestada e a sociedade se entrega a sofisticados prazeres. A corrupção do estilo demonstra plenamente o estado de dissolução social, caso, evidentemente, tal estilo não seja apenas a prática de um ou outro autor,
Quem definirá um dia essa Maldade obscura e misteriosa das coisas, que inspirou aos gregos a concepção indecisa da Fatalidade?