O Cerne da Escrita e da Leitura
Não se é escritor por se ter preferido dizer certas coisas, mas por se ter preferido dizê-las duma certa maneira. E o estilo faz, evidentemente, o valor da prosa. Mas deve passar despercebido. Uma vez que as palavras são transparentes e que o olhar as atravessa, seria absurdo meter entre elas vidros despolidos. Aqui, a beleza é apenas uma força doce e insensível.
Num quadro, brilha antes de mais nada; num livro, esconde-se, age por persuasão como o encanto duma voz ou dum rosto, não obriga, faz curvar sem que se dê por isso e pensa-se ceder aos argumentos quando afinal se é solicitado por um encanto imperceptível. A cerimónia da missa não é a fé, ela dispõe a isso; a harmonia das palavras, a sua beleza, o equilíbrio das frases, dispõem as paixões do leitor sem que ele dê por isso, ordenam-nas como a missa, como a música, como uma dança; se acaba por as considerar em si mesmas, perde o sentido, apenas restam oscilações aborrecidas.
Passagens sobre Harmonia
205 resultadosNum casal, somente há harmonia quando a linguagem dos corpos fala o idioma do amor!
A maravilhosa disposição e harmonia do universo só pode ter tido origem segundo o plano de um Ser que tudo sabe e tudo pode. Isso fica sendo a minha última e mais elevada descoberta.
Canção Da Formosura
Vinho de sol ideal canta e cintila
Nos teus olhos, cintila e aos lábios desce,
Desce a boca cheirosa e a empurpurece,
Cintila e canta após dentre a pupila.Sobe, cantando, a limpidez tranqüila
Da tu’alma estrelada e resplandece,
Canta de novo e na doirada messe
Do teu amor, se perpetua e trila…Canta e te alaga e se derrama e alaga…
Num rio de ouro, iriante, se propaga
Na tua carne alabastrina e pura.Cintila e canta na canção das cores,
Na harmonia dos astros sonhadores,
A Canção imortal da Formosura!
Confiança Audaz
Há um momento na aprendizagem de cada homem em que este chega à convicção de que a inveja é ignorância; que a imitação é suicídio; que ele tem que se tomar a ele próprio tanto para melhor, tanto para pior, como a sua parcela; que embora o universo esteja cheio de coisas boas, nenhuma semente de milho nutritiva chegará a ele senão através da labuta que ele ofereça nesse lote de terreno que lhe foi dado para cultivar. O poder que reside nele é novo na natureza, e nenhum outro senão ele sabe o que é que pode fazer, e não o saberá até que o tente. Não é por nada que uma cara, um carácter, um facto, causa muito impressão nele, e outros não têm qualquer efeito. Esta escultura na memória não existe sem uma harmonia pré-estabelecida. O olho foi colocado onde um raio deve cair, de forma a testemunhar esse raio em particular. Nós apenas nos exprimimos pela metade, e temos vergonha da ideia divina que cada um de nós representa. Podemos ser de confiança e de motivações boas e proporcionais, e darmo-nos fielmente, mas Deus não terá o seu trabalho mais manifesto feito por cobardes. Um homem está seguro e tranquilo quando coloca todo o coração no seu trabalho ou outra actividade e faz o seu melhor de acordo consigo próprio;
A arte é a ordem, a harmonia.
O Talento na Juventude e na Velhice
Nada menos exacto do que supor que o talento constitui privilégio da mocidade. Não. Nem da mocidade, nem da velhice. Não se é talentoso por se ser moço, nem genial por se ser velho. A certidão de idade não confere superioridade de espírito a ninguém. Nunca compreendi a hostilidade tradicional entre velhos e moços (que aliás enche a história das literaturas); e não percebo a razão por que os homens se lançam tantas vezes recíprocamente em rosto, como um agravo, a sua velhice ou a sua juventude.
Ser idoso não quer dizer que se seja necessáriamente intolerante e retrógado; e engana-se quem supuser que a mocidade, por si só, constitui garantia de progresso ou de renovação mental. As grandes descobertas que ilustram a história da ciência e contribuiram para o progresso humano são, em geral, obra dos velhos sábios; e a mocidade literária, negando embora sistemáticamente o passado, é nele que se inspira, até que o escritor adquire (quando adquire) personalidade própria.
(…) A mocidade, em geral, não cria; utiliza, transformando-o, o legado que recebeu. Juventude e velhice não se opõem; completam-se na harmonia universal dos seres e das coisas. A vida não é só o entusiasmo dos moços;
A unidade da humanidade, de quando em quando posta em dúvida, mesmo se apenas emocionalmente, por toda a gente, até pelas pessoas mais fáceis e adaptadas, por outro lado também se revela a toda a gente, ou parece revelar-se, na harmonia total que se pode sempre descobrir entre o desenvolvimento do conjunto da humanidade e o do indivíduo, até nos sentimentos mais secretos do indivíduo.
A felicidade é a experiência suprema do seu regresso a casa, do sentir-se tranquilo e em paz com a existência, numa completa unidade e harmonia.
A mais bela das experiências é descobrir de quantos carismas diferentes e de quantos dons do seu Espírito o Pai colma a Sua Igreja! Isto não deve ser visto como um motivo de confusão, de mal-estar; são tudo dádivas que Deus concede à comunidade cristã, para que possa crescer em harmonia, na fé e no Seu amor, como um só corpo, o corpo de Cristo.
No mundo de Deus, cada qual sente-se responsável pelo outro, pelo bem do outro. Um mundo de harmonia e de paz, em nós mesmos, nas relações com os outros, nas famílias, na cidade, entre as nações.
A Moral não é um Assunto Divino
Dificilmente se encontrará um espírito científico, profundamente mergulhado na ciência, que não se caracterize por uma religiosidade invulgar. Essa religiosidade distingue-se, no entanto, da religiosidade do homem simples. Para este, Deus é um ser cuja solicitude se espera, cujo castigo se teme — um sentimento sublimado, como o que existe nas relações entre filho e pai — um ser, com o qual se mantém uma certa familiaridade, mesmo respeitosa que seja.
O investigador, contudo, está imbuído do sentimento da causalidade de tudo o que acontece. O futuro não é, para ele, menos necessário e determinado que o passado. A moral não é um assunto divino mas sim puramente humano. A sua religiosidade reside no êxtase perante a harmonia das leis que regem a natureza, na qual se manifesta uma razão tão superior que em comparação com ela todas as ideias criadoras do homem e as suas disposições, são apenas um lampejo insignificante. Este sentimento é o princípio condutor (Leitmotiv) da sua vida e dos seus esforços, adentro dos limites em que o homem pode elevar-se acima da escravidão imposta pelos seus desejos egoístas. E tal sentimento é, sem dúvida, muito próximo do que, através todos os tempos, animou os espíritos criadores no domínio da religião.
A Conversa Nunca é Imparcial
É espantoso quão fácil e rapidamente a homogeneidade ou a heterogeneidade de espírito e de ânimo entre os homens se faz manifesta na conversação: ela torna-se sensível à menor situação. Entre duas pessoas de natureza substancialmente heterogénea, que conversam sobre os assuntos mais estranhos e indiferentes, cada frase de uma desagradará mais ou menos à outra, em muitos casos irritará. Naturezas homogéneas, pelo contrário, sentem de imediato, em tudo, uma certa concordância, que, tratando-se de grande homogeneidade, logo converge para a harmonia perfeita, para o uníssono.
A partir disso, explica-se, em primeiro lugar, porque os tipos ordinários são tão sociáveis e em qualquer lugar encontram boa companhia com tanta facilidade – gente estimada, amável e honesta. Com os indivíduos incomuns acontece o contrário, e tanto mais quanto mais distintos forem, de tal maneira que, de tempos em tempos, no seu isolamento, podem alegrar-se por terem descoberto em alguém, uma fibra, por menor que seja, homogénea à sua! De facto, cada um só pode ser para outrem o que este é para ele. Espíritos verdadeiramente eminentes fazem o seu ninho nas alturas, como as águias, solitários. Em segundo lugar, isso explica por que os indivíduos de disposição igual se reúnem de imediato,
Musa Impassível I
Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.Dá-me o hemistíquio d’ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva;Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.
Alarga os Teus Horizontes
Por que é que combateis? Dir-se-á, ao ver-vos,
Que o Universo acaba aonde chegam
Os muros da cidade, e nem há vida
Além da órbita onde as vossas giram,
E além do Fórum já não há mais mundo!Tal é o vosso ardor! tão cegos tendes
Os olhos de mirar a própria sombra,
Que dir-se-á, vendo a força, as energias
Da vossa vida toda, acumuladasSobre um só ponto, e a ânsia, o ardente vórtice,
Com que girais em torno de vós mesmos,
Que limitais a terra à vossa sombra…
Ou que a sombra vos torna a terra toda!
Dir-se-á que o oceano imenso e fundo e eterno,
Que Deus há dado aos homens, por que banhem
O corpo todo, e nadem à vontade,
E vaguem a sabor, com todo o rumo,
Com todo o norte e vento, vão e percam-se
De vista, no horizonte sem limites…
Dir-se-á que o mar da vida é gota d’água
Escassa, que nas mãos vos há caído,
De avara nuvem que fugiu, largando-a…
Tamanho é o ódio com que a uns e a outros
A disputais,
XVII
Deixa, que por um pouco aquele monte
Escute a glória, que a meu peito assiste:
Porque nem sempre lastimoso, e triste
Hei de chorar à margem desta fonte.Agora, que nem sombra há no horizonte,
Nem o álamo ao zéfiro resiste,
Aquela hora ditosa, em que me viste
Na posse de meu bem, deixa, que conte.Mas que modo, que acento, que harmonia
Bastante pode ser, gentil pastora,
Para explicar afetos de alegria!Que hei de dizer, se esta alma, que te adora,
Só costumada às vozes da agonia,
A frase do prazer ainda ignora!
Enlevo
Porque esse olhar de sombra de temor
Se perde em mim, às horas do sol posto,
Quando é de âmbar translúcido o teu rosto,
E a tua alma desmaia como flor;Porque essas mãos, ardidas de fervor,
Ampararam minha vida de desgosto,
Pobre que sou, Mulher, eu hei composto
Harmonias de prece em teu louvor!Dei-te a minha alma para ti nascida,
Meus versos que são mais que a minha vida;
Por Deus, perdoa ao mísero mendigo!Perdoa a quem, ansioso de outro mundo,
Implora à Morte o sono mais profundo,
Só pela graça de sonhar contigo!
A oposição produz a concórdia. Da discórdia surge a mais bela harmonia.
O Amor e o Vinho
Pense-se, por exemplo, na relação que existe entre o bebedor e o vinho. Não é verdade que o vinho oferece sempre ao bebedor a mesma satisfação tóxica, que a poesia tem comparado com frequência à satisfação erótica — comparação, de resto, aceitável do ponto de vista científico? Já alguma vez se ouviu dizer que o bebedor fosse obrigado a mudar sem descanso de bebida porque se cansaria rapidamente de uma bebida que permanecesse a mesma? Pelo contrário, a habituação estreita cada vez mais o laço entre o homem e a espécie de vinho que ele bebe. Existirá no bebedor uma necessidade de partir para um país onde o vinho seja mais caro ou o seu consumo proibido, a fim de estimular por meio de semelhantes obstáculos a sua satisfação decrescente? De modo nenhum. Basta escutarmos o que dizem os nossos grandes alcoólicos, como Bócklin, da sua relação com o vinho: evocam a harmonia mais pura e como que um modelo de casamento feliz.
Os Hábitos Embutidos
Já me não entendo com essa gente dos comboios suburbanos; esses homens que homens se julgam e que, no entanto, como as formigas, estão reduzidos, por uma pressão que não sentem, aos hábitos que lhes criam. Quando ociosos, em que ocupam eles os seus absurdos e insignificantes domingos?
Certa vez, na Rússia, ouvi tocar Mozart numa fábrica. Escrevi a esse respeito. Recebi duzentas cartas insultuosas. Não quero mal aos que preferem um reles café-concerto. Nenhuma outra harmonia eles conhecem. Mas abomino o dono do café-concerto. Não gosto que degradem os homens.