Opiniões Influenciadas pelo Interesse
A maior parte das coisas pode ser considerada sob pontos de vista muito diferentes: interesse geral ou interesse particular, principalmente. A nossa atenção, naturalmente concentrada sob o aspecto que nos é proveitoso, impede que vejamos os outros. O interesse possui, como a paixão, o poder de transformar em verdade aquilo em que lhe é útil acreditar. Ele é, pois, freqüentemente, mais útil do que a razão, mesmo em questões em que esta deveria ser, aparentemente, o guia único. Em economia política, por exemplo, as convicções são de tal modo inspiradas pelo interesse pessoal que se pode, em geral, saber préviamente, conforme a profissão de um indivíduo, se ele é partidário ou não do livre câmbio.
As variações de opinião obedecem, naturalmente, às variações do interesse. Em matéria política, o interesse pessoal constitui o principal factor. Um indivíduo que, em certo momento, energicamente combateu o imposto sobre a renda, com a mesma energia o defenderá mais, se conta ser ministro. Os socialistas enriquecidos acabam, em geral, conservadores, e os descontentes de um partido qualquer se transformam facilmente em socialistas.
O interesse, sob todas as suas formas, não é somente gerador de opiniões. Aguçado por necessidades muito intensas, ele enfraquece logo a moralidade.
Passagens sobre Império
100 resultadosOs amores são como impérios: desaparecendo a ideia sobre a qual foram construídos, morrem junto com ela.
O Saber Altera a Economia de um Ser
O que aprendemos por nós próprios, seja que conhecimento for extraído do nosso próprio fundo, é algo que teremos que expiar por um suplemento de desequilíbrio. Fruto de uma desordem íntima, de uma doença definida ou difusa, de uma perturbação na raiz da nossa existência, o saber altera a economia de um ser. Cada um de nós terá que pagar pelo mais pequeno golpe que vibra num universo criado para a indiferença e para a estagnação; cedo ou tarde, arrepender-se-á, arrepender-nos-emos, de o não ter, ou de o não termos, deixado intacto.
O que sendo verdade para o conhecimento é mais verdade ainda para a ambição, porque invadir o terreno de outrem acarreta consequências mais graves e mais imediatas do que invadir o terreno do mistério ou simplesmente da matéria.
Começamos por fazer tremer os outros, mas os outros acabam por nos comunicar os seus terrores. É por isso que os tiranos, também eles, vivem no pavor. O que o nosso futuro senhor há-de conhecer será sem dúvida exacerbado por uma felicidade sinistra, como ninguém experimentou comparável, à medida do solitário por excelência, erguido diante da humanidade toda, semelhante a um deus entronizado no medo, num pânico omnipotente,
Vencer é Resignar-se
Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem sempre todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor. Vence só quem nunca consegue. Só é forte quem desanima sempre. O melhor e o mais púrpura é abdicar. O império supremo é o do Imperador que abdica de toda a vida normal, dos outros homens, em quem o cuidado da supremacia não pesa como um fardo de jóias.
É um império essa luz que se apaga ou um vaga-lume?
Diversos Dões Reparte O Céu Benino
Diversos dões reparte o Céu benino,
e quer que cada üa um só possua;
assi, ornou de casto peito a Lüa,
ornamento do assento cristalino.De graça, a Mãe fermosa do Minino,
que nessa vista tem perdido a sua;
Palas, de discrição, que imite a tua;
do valor, Juno, só de império dino.Mas junto agora o mesmo Céu derrama
em ti o mais que tinha, e foi o menos,
em respeito do Autor da natureza;que, a seu pesar, te dão, fermosa Dama,
Diana, honestidade, e graça, Vénus,
Palas o aviso seu, Juno a nobreza.
A Inutilidade de Guerras e Revoluções
As guerras e as revoluções – há sempre uma ou outra em curso – chegam, na leitura dos seus efeitos, a causar não horror mas tédio. Não é a crueldade de todos aqueles mortos e feridos, o sacrifício de todos os que morrem batendo-se, ou são mortos sem que se batam, que pesa duramente na alma: é a estupidez que sacrifica vidas e haveres a qualquer coisa inevitavelmente inútil.
Todos os ideais e todas as ambições são um desvairo de comadres homens. Não há império que valha que por ele se parta uma boneca de criança. Não há ideal que mereça o sacrifício de um comboio de lata. Que império é útil ou que ideal profícuo?
Tudo é humanidade, e a humanidade é sempre a mesma – variável mas inaperfeiçoável, oscilante mas improgressiva. Perante o curso inimplorável das coisas, a vida que tivemos sem saber como e perderemos sem saber quando, o jogo de mil xadrezes que é a vida em comum e luta, o tédio de contemplar sem utilidade o que se não realiza nunca – que pode fazer o sábio senão pedir o repouso, o não ter que pensar em viver, pois basta ter que viver,
Cerimonial do Amor
Se não houver esperanças de que o teu amor seja recebido, o que tens a fazer é não o declarar. Poderá desenvolver-se em ti, num ambiente de silêncio. Esse amor proporciona-te então uma direcção que permite aproximares-te, afastares-te, entrares, saíres, encontrares, perderes. Porque tu és aquele que tem de viver. E não há vida se nenhum deus te criou linhas de força.
Se o teu amor não é recebido, se ele se transforma em súplica vã como recompensa da tua fidelidade, se não tens coração para te calares, nessa altura vai ter com um médico para ele te curar. É bom não confundir o amor com a escravatura do coração. O amor que pede é belo, mas aquele que suplica é amor de criado.
Se o teu amor esbarra com o absoluto das coisas, se por exemplo tem de franquear a impenetrável parede de um mosteiro ou do exílio, agradece a Deus que ela por hipótese retribua o teu amor, embora na aparência se mostre surda e cega. Há uma lamparina acesa para ti neste mundo. Pouco me importa que tu não possas servir-te dela. Aquele que morre no deserto tem a riqueza de uma casa longínqua, embora morra.
Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes – tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte se vê, porque dura.
O Grande Mito Nacional
Há uma espécie de propaganda com que se pode levantar o moral de uma nação – a construção ou renovação e a difusão consequente e multímoda de um grande mito nacional. De instinto, a humanidade odeia a verdade, porque sabe, com o mesmo instinto, que não há verdade, ou que a verdade é inatingível. O mundo conduz-se por mentiras; quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar da verdade da mentira que criou. Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o integrar em nós, por o incarnar. Feito isso, por cada um de nós independentemente e a sós consigo, o sonho se derramará sem esforço em tudo que dissermos ou escrevermos, e a atmosfera estará criada, em que todos os outros, como nós, o respirem. Então se dará na alma da nação o fenómeno imprevisível de onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo, o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião.
O amor é o preceito; a correspondência, a obrigação; o amar, império; o ser amado, obediência.
Um império fundado pelas armas tem de se manter pelas armas.
Ciganos em Viagem
A tribo que prevê a sina dos viventes
Levantou arraiais hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher’, c’o a torva filharada
Às costas ou sugando os mamilos pendentes;Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde já fulgurou muita ilusão amada.Na buraca onde está encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,Faz da rocha um caudal, e um vergel do deserto,
Para assim receber esses p’ra quem ‘stá aberto
O império familiar das trevas do futuro!Tradução de Delfim Guimarães
Os amores são como os impérios: quando a ideia em que foram baseados desmorona, eles, também, se desvanecem.
Os impérios do futuro são os impérios da mente.
O Perigo da Extinção do Individualismo
Ao contemplar nas grandes cidades essas imensas aglomerações de seres humanos, que vão e vêm pelas suas ruas ou se concentram em festivais e manifestações políticas, incorpora-se em mim, obsedante, este pensamento: pode hoje um homem de vinte anos formar um projecto de vida que tenha figura individual e que, portanto, necessitaria realizar-se mediante as suas iniciativas independentes, mediante os seus esforços particulares? Ao tentar o desenvolvimento desta imagem na sua fantasia, não notará que é, senão impossível, quase improvável, porque não há à sua disposição espaço em que possa alojá-la e em que possa mover-se segundo o seu próprio ditame? Logo advertirá que o seu projecto tropeça com o próximo, como a vida do próximo aperta a sua. O desânimo leva-lo-á com a facilidade de adaptação própria da sua idade a renunciar não só a todo o acto, como até a todo o desejo pessoal e buscará a solução oposta: imaginará para si uma vida standard, composta de desideratos comuns a todos e verá que para consegui-la tem de a solicitar ou exigir em coletividade com os demais. Daí a acção em massa.
A coisa é horrível, mas não creio que exagera a situação efectiva em que se vão achando quase todos os europeus.
Portugal, Tão Diferente de seu Ser Primeiro
Os reinos e os impérios poderosos,
Que em grandeza no mundo mais cresceram,
Ou por valor de esforço floresceram,
Ou por varões nas letras espantosos.Teve Grécia Temístocles; famosos,
Os Cipiões a Roma engrandeceram;
Doze Pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.Ao nosso Portugal, que agora vemos
Tão diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.E em vós, grão sucessor e novo herdeiro
Do Braganção estado, há mil extremos
Iguais ao sangue e mores que a idade.
A Roda da Fortuna
Não se move a roda, sem que a parte que virou para o céu seja maior repuxo para tocar na terra, e a parte que se viu no ar erguida se veja logo da mesma terra pisada, sem outro impulso para descer, mais que com o mesmo movimento com que subiu; por isso a fortuna fez trono da sua mesma roda, porque, como na figura esférica se não conhece nela primeiro nem último lugar, nas felicidades andam sempre em confusão as venturas. Na dita com que se sobe, vai sempre entalhado o risco com que se desce. Não há estrela no céu que mais prognostique a ruína de um grande, que o levantar de sua estrela. Mais depressa se move aos afagos da grandeza que nos lisonjeia, do que aos desfavores com que a fortuna nos abate.
Quanto trabalharam os homens para subir, tantas foram as diligências que fizeram para se arruinarem; porque, como a fortuna (falo com os que não são beneméritos) não costuma subir a ninguém por seus degraus, em faltando degraus para a descida, tudo hão-de ser precipícios; e diferem muito entre si o descer e o cair. Se perguntarmos o por que caiu Roma, o maior império do Mundo,
Reticências
Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!
Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é sempre…
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir…
Produtos românticos, nós todos…
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura…
Santos Deuses, assim até se faz a vida!
Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
O império supremo é o do Imperador que abdica de toda a vida normal, dos outros homens, em quem o cuidado da supremacia não pesa como um fardo de jóias.