Por um Orfeu que foi ao inferno procurar a esposa, quantos viĂşvos nem sequer iriam ao paraĂso para encontrar a sua.
Passagens sobre Inferno
250 resultadosO JuĂzo Final
Chegou o miserável milionário no céu e, impacientemente, esperou a sua vez de ser julgado. Introduziram-no numa sala, noutra sala, noutra sala, até que se viu frente a uma luz ofuscante, na qual pouco a pouco foi dintinguindo a figura santa do pai dos Homens. Em voz tonitroante este, tendo à direita, Pedro, e, à esquerda, uma figura que ele não conhecia, julgou sumariamente dois outros pecadores que estavam à sua frente. E, afinal, dirigiu-se a ele:
– Que fez vocĂŞ de bom na sua vida ?
– Bem, eu nasci, cresci, amei, casei, tive filhos, vivi.
– Ora – disse o Senhor – isso sĂŁo actos sociais e biolĂłgicos a que vocĂŞ estava destinado. Quero saber que bondade especĂfica e determinada vocĂŞ teve para com o seu semelhante.
– Bem – disse o milionário – eu criei indĂşstrias, comprei fazendas, dei emprego a muita gente, melhorei as condições sociais de muita gente.
– NĂŁo, isso nĂŁo serve – disse o Todo-Poderoso – essas acções estavam implĂcitas ao acto de vocĂŞ enriquecer. VocĂŞ as praticou porque precisava viver melhor. NĂŁo foram intrinsecamente boas acções, desprendidas, nĂŁo servem.
O milionário escarafunchou o cérebro e não encontrou nada.
A terra nunca se parece tanto com o Inferno como quando os seres humanos tentam fazer dela o céu.
É fácil a descida ao inferno.
A ObsessĂŁo Do Sangue
Acordou, vendo sangue… – HorrĂvel! O osso
Frontal em fogo… Ia talvez morrer,
Disse. olhou-se no espelho. Era tão moço,
Ah! certamente não podia ser!Levantou-se. E eis que viu, antes do almoço,
Na mão dos açougueiros, a escorrer
Fita rubra de sangue muito grosso,
A carne que ele havia de comer!No inferno da visĂŁo alucinada,
Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,
Viu vĂsceras vermelhas pelo chĂŁo …E amou, com um berro bárbaro de gozo,
o monocromatismo monstruoso
Daquela universal vermelhidĂŁo!
Quem no Inferno foi criado, no Inferno Ă© desejado.
O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não as supera.
Estes SĂtios!
Olha bem estes sĂtios queridos,
VĂŞ-os bem neste olhar derradeiro…
Ai! o negro dos montes erguidos,
Ai! o verde do triste pinheiro!
Que saudade que deles teremos…
Que saudade! ai, amor, que saudade!
Pois nĂŁo sentes, neste ar que bebemos,
No acre cheiro da agreste ramagem,
Estar-se alma a tragar liberdade
E a crescer de inocĂŞncia e vigor!
Oh! aqui, aqui sĂł se engrinalda
Da pureza da rosa selvagem,
E contente aqui sĂł vive Amor.
O ar queimado das salas lhe escalda
De suas asas o nĂveo candor,
E na frente arrugada lhe cresta
A inocĂŞncia infantil do pudor.
E oh! deixar tais delĂcias como esta!
E trocar este céu de ventura
Pelo inferno da escrava cidade!
Vender alma e razĂŁo Ă impostura,
Ir saudar a mentira em sua corte,
Ajoelhar em seu trono Ă vaidade,
Ter de rir nas angĂşstias da morte,
Chamar vida ao terror da verdade…
Ai! nĂŁo, nĂŁo… nossa vida acabou,
Nossa vida aqui toda ficou
Diz-lhe adeus neste olhar derradeiro,
Dize Ă sombra dos montes erguidos,
Dize-o ao verde do triste pinheiro,
A Tua Importância na Tua Vida
É fundamental reconheceres a tua importância na tua vida. Por algum motivo nasceste, aprendeste a respirar e tiveste direito a um nome, nome esse que, em conjunto com as tuas caracterĂsticas, te identificará eternamente como um ser individual, Ăşnico e livre. Haverá algo mais especial e precioso que isso? Estou em crer que nĂŁo; ainda assim, encontro muitas pessoas a quererem ser outras e outras ainda a querer acabar com elas prĂłprias na esperança de, imediatamente, poderem vir a ser outro alguĂ©m. É o teu caso? Se for deve ser uma chatice, mas, tambĂ©m, se nĂŁo te dás qualquer importância, que importância te darei eu? Já calculaste o perigo em que incorres por pensar desta maneira? Em menos de nada, estarás sozinho ou rodeado de gente como tu, ausente e que meteu fĂ©rias no inferno para sempre. Bom, mas alegrem-se os corações porque acredito que nĂŁo lerias estas linhas iniciais se nada estivesse a borbulhar aĂ dentro, se nĂŁo existisse, pelo menos, uma fugaz esperança e uma enorme vontade de mudar. Está atento, o passado sĂł influencia o presente se mantiveres o mesmo comportamento, por isso liberta-te dessa dor por uns instantes e lĂŞ em voz alta a prĂłxima frase tantas vezes quantas achares necessário.
Neruda e GarcĂa Lorca em Homenagem a RubĂ©n Dario
Eis o texto do discurso:
Neruda: Senhoras…
Lorca: …e senhores. Existe na lide dos touros uma sorte chamada «toreio dei alimĂłn», em que dois toureiros furtam o corpo ao touro protegidos pela mesma capa.
Neruda: Federico e eu, ligados por um fio eléctrico, vamos emparelhar e responder a esta recepção tão significativa.
Lorca: É costume nestas reuniões que os poetas mostrem a sua palavra viva, prata ou madeira, e saúdem com a sua voz própria os companheiros e amigos.
Neruda: Mas nós vamos colocar entre vós um morto, um comensal viúvo, escuro nas trevas de uma morte maior que as outras mortes, viúvo da vida, da qual foi na sua hora um marido deslumbrante. Vamos esconder-nos sob a sua sombra ardente, vamos repetir-lhe o nome até que a sua grande força salte do esquecimento.
Lorca: NĂłs, depois de enviarmos o nosso abraço com ternura de pinguim ao delicado poeta Amado Villar, vamos lançar um grande nome sobre a toalha, na certeza de que vĂŁo estalar as taças, saltar os garfos, buscando o olhar que todos anseiam, e que um golpe de mar há-de manchar as toalhas. NĂłs vamos evocar o poeta da AmĂ©rica e da Espanha: RubĂ©n…
Deus Do Mal
EspĂrito do Mal, Ăł deus perverso
Que tantas almas dĂşbias acalentas,
Veneno tentador na luz disperso
Que a prĂłpria luz e a prĂłpria sombra tentas.SĂmbolo atroz das culpas do Universo,
Espelho fiel das convulsões violentas
Do gasto coração no lodo imerso
Das tormentas vulcânicas, sangrentas.Toda a tua sinistra trajetória
Tem um brilho de lágrima ilusória,
As melodias mĂłrbidas do Inferno…És Mal, mas sendo Mal Ă©s soluçante,
Sem a graça divina e consolante,
Réprobo estranho do Perdão eterno!
Tenho coragem? Por enquanto estou tendo: porque venho do sofrido longe, venho do inferno de amor mas agora estou livre de ti.
Os homens sentem uma grande atracção pela esperança e pelo receio, e uma religiĂŁo sem inferno nem paraĂso nĂŁo poderia agradar-lhes de modo algum.
Uma doutrina que seja doce para com os que têm fé nela não contém inferno nem ameaças. Os que não têm fé, esses apenas sentirão em si uma vida fugidia.
Todos os infernos rolam em cima do homem que está com raiva.
Vinho Negro
O vinho negro do imortal pecado
Envenenou nossas humanas veias
Como fascinações de atras sereias
E um inferno sinistro e perfumado.O sangue canta, o sol maravilhado
Do nosso corpo, em ondas fartas, cheias.
como que quer rasgar essas cadeias
Em que a carne o retém acorrentado.E o sangue chama o vinho negro e quente
Do pecado letal, impenitente,
O vinho negro do pecado inquieto.E tudo nesse vinho mais se apura,
Ganha outra graça, forma e formosura,
Grave beleza d’esplendor secreto.
Ă“ Trevas, que Enlutais a Natureza
Ă“ trevas, que enlutais a Natureza,
Longos ciprestes desta selva anosa,
Mochos de voz sinistra e lamentosa,
Que dissolveis dos fados a incerteza;Manes, surgidos da morada acesa
Onde de horror sem fim PlutĂŁo se goza,
NĂŁo aterreis esta alma dolorosa,
Que é mais triste que voz minha tristeza.Perdi o galardão da fé mais pura,
Esperanças frustrei do amor mais terno,
A posse de celeste formosura.Volvei, pois, sombras vĂŁs, ao fogo eterno;
E, lamentando a minha desventura,
Movereis Ă piedade o mesmo Inferno.
O inferno Ă© a incapacidade de sermos diferentes da criatura segundo a qual ordinariamente nos comportamos.
É melhor reinar no inferno do que servir no céu.
A Lanterna
O sabio antigo andou pelas ruas d’Athenas,
Com a lanterna accesa, errante, Ă luz do dia,
Buscando o varĂŁo forte e justo da Utopia,
Privado de paixões e d’emoções terrenas.Eu tambem que aborreço as cousas vĂŁs, pequenas
E que mais alto puz a sĂŁ Philosophia,
Ha muito busco em vĂŁo–ha muito, quem diria!
O mais cruel ideal das concepções serenas.Tenho buscado em balde, e em vão por todo o mundo;
Esconde-se o ideal no sitio mais profundo,
No mar, no inferno, em tudo, aonde existe a dĂ´r!…De sorte que hoje emfim, descrente, resignado,
Concentrei-me em mim sĂł, n’um tedio indignado,
E apaguei a lanterna – É sĂł um sonho o Amor!