Insiste no Benefício
Queixas-te de teres dado com um ingrato! Se é a primeira vez que isso te sucede bem podes agradecer à tua sorte… ou à tua prudência. Mas esta é uma questão em que a prudência apenas fará de ti um homem azedo, pois se pretenderes evitar o perigo da ingratidão nunca mais farás benefícios a ninguém. Quer dizer, para que os teus benefícios não sejam em vão, privas-te de fazê-los. A verdade é que é preferível proporcionar benefícios mesmo sem contrapartida do que renunciar a beneficiar os outros: há que voltar a semear, mesmo depois de uma má colheita! As sementeiras perdidas por uma prolongada estirilidade de um terreno pouco fértil podem ser compensadas pela abundância de uma única messe. Para encontrarmos um só homem grato vale bem a pena sujeitarmo-nos à ingratidão de muitos.
Ao distribuir benefícios ninguém tem a mão tão certeira que não se possa com frequência enganar: pois sejam em vão esses benefícios, desde que uma ou outra vez sejam bem aplicados! Não é um naufrágio que põe termo à navegação, como não é a presença de um falido que impede o usurário de montar banca no foro. Em breve a nossa vida se transformará num torpor inutilmente ocioso se pretendermos eximir-nos à mínima contrariedade.
Passagens sobre Ingratos
104 resultadosNos tempos antigos, quando um homem justo era assassinado traiçoeiramente, os familiares da vítima tinham o direito de se vingar, matando o assassino. Na maioria dos casos, a missão de abater o inimigo cabia a um filho jovem ou a um irmão mais novo da vítima, ainda inexperientes no manejo da espada. No entanto, conseguiam vencer o inimigo, mais velho e mais experiente. Isto é possível porque o Céu não ajuda os ingratos e os traidores.
Os Prazeres Nunca Parecem Ser Suficientes
Parece-me que a natureza trabalhou para ingratos: somos felizes, mas os nossos discursos são tais que parecemos nem sequer suspeitar disso. No entanto, encontramos prazeres em toda a parte: estão ligados ao nosso ser, e os pesares não passam de acidentes. Os objectos parecem em toda a parte preparados para os nossos prazeres: quando o sono nos chama, as trevas nos aguardam; e, quando acordamos, a luz do dia nos arrebata. A natureza é enfeitada de mil cores; os nossos ouvidos são lisonjeados pelos sons; as iguarias têm gosto agradável; e, como se a felicidade da existência não fosse suficiente, é ainda necessário que a nossa máquina precise de ser incessantemente reparada para os nossos prazeres.
A maior injúria que se pode dizer a um homem é chamar-lhe ingrato.
Triste Padeço
Aves que o ar discorrei,
No vôo as asas batendo,
E por vossas penas conta
Às minhas meu sentimento.Compadecidas ouvi
De minha dor os excessos,
Mas em dizer que é saudade,
Digo o que posso dizer-vos.
Triste padeço, e ausente
Os golpes dos meus receios
Nas batalhas da distância,
Nos desafios do tempo.Nas violências, do que choro,
Dos alívios desespero,
Que não adormece a queixa,
Quando a desperta o desvelo.Esmoreceu a esperança
Nas dilações do desejo
Prognosticando a ruína
Frenético o pensamento.Se meu mal são sintomas,
Mortais ausências, e zelos,
Era o remédio esquecer-me,
Se em mim houvera esquecimento.Mas se faz no meu cuidado
Operações o veneno,
Viva de senti-lo quem,
Não morre de padecê-lo.Já que morro, ingrata sorte,
Às mãos da tua porfia,
Deixa-me inquirir um dia
A causa da minha morte:Se amor com impulso forte
Me rendeu, como me aparta
Do bem, que na alma retrata
Minha doce saudade,
Ser médico é uma tarefa ingrata. Quando é pago pelos ricos, corre o risco de ser considerado como um criado, quando é pago pelos pobres, um ladrão.
Cegueira de Amor
Fiei-me nas promessas que afectavas
Nas lágrimas fingidas que vertias,
Nas ternas expressões que me fazias,
Nessas mãos que as minhas apertavas.Talvez, cruel, que, quando as animavas,
Que eram doutrem na ideia fingirias,
E que os olhos banhados mostrarias
De pranto, que por outrem derramavas.Mas eu sou tal, ingrata, que, inda vendo
Os meus tristes amores mal seguros,
De amar-te nunca, nunca me arrependo.Ainda adoro os olhos teus perjuros,
Ainda amo a quem me mata, ainda acendo
Em aras falsas, holocaustos puros.
O ingrato não só esteriliza os benefícios, senão também o benfeitor: esteriliza os benefícios, porque os paga com ingratidões e esteriliza o benfeitor, porque vendo o benfeitor que se pagam com ingratidões os seus benefícios, cessa, e não os quer continuar.
Saber Desfrutar Todos os Tempos
Nós mostramo-nos ingratos em relação ao que nos foi dado por esperarmos sempre no futuro, como se o futuro (na hipótese de lá chegarmos) não se transformasse rapidamente em passado. Quem goza apenas do presente não sabe dar o correcto valor aos benefícios da existência; quer o futuro quer o passado nos podem proporcionar satisfação, o primeiro pela expectativa, o segundo pela recordação; só que enquanto um é incerto e pode não se realizar, o outro nunca pode deixar de ter acontecido.
Não há animal mais degradante, estúpido, covarde, lamentável, egoísta, rancoroso, invejoso, ingrato, que o público. É o maior dos covardes, porque de si mesmo tem medo.
O invejoso é, sempre, um ingrato.
XLVII
Que inflexível se mostra, que constante
Se vê este penhasco! já ferido
Do proceloso vento, e já batido
Do mar, que nele quebra a cada instante!Não vi; nem hei de ver mais semelhante
Retrato dessa ingrata, a que o gemido
Jamais pode fazer, que enternecido
Seu peito atenda às queixas de um amante.Tal és, ingrata Nise: a rebeldia,
Que vês nesse penhasco, essa dureza
Há de ceder aos golpes algum dia:Mas que diversa é tua natureza!
Dos contínuos excessos da porfia,
Recobras novo estímulo à fereza.
Os ingratos são como as varejas; pois assim como estas empeçonham o corpo que as sustenta, eles vendem os protectores que os agasalham.
Dêem dinheiro, não emprestem. Dar só faz ingratos, emprestar faz inimigos.
XIV
Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.Que bem é ver nos campos transladado
No gênio do pastor, o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!
A Lusitânia
A terra mais ocidental de todas é a Lusitânia. E porque se chama Ocidente aquela parte do mundo? Porventura porque vivem ali menos, ou morrem mais os homens? Não; senão porque ali vão morrer, ali acabam, ali se sepultam e se escondem todas as luzes do firmamento. Sai no Oriente o Sol com o dia coroado de raios, como Rei e fonte da Luz: sai a Lua e as Estrelas com a noite, como tochas acesas e cintilantes contra a escuridade das trevas, sobem por sua ordem ao Zénite, dão volta ao globo do mundo resplandecendo sempre e alumiando terras e mares; mas em chegando aos Horizontes da Lusitânia, ali se afogam os raios, ali se sepultam os resplendores, ali desaparece e perece toda aquela pompa de luzes.
E se isto sucede aos lumes celestes e imortais; que nos lastimamos, Senhores, de ler os mesmos exemplos nas nossas Histórias? Que foi um Afonso de Albuquerque no Oriente? Que foi um Duarte Pacheco? Que foi um D. João de Castro? Que foi um Nuno da Cunha, e tantos outros Heróis famosos, senão uns Astros e Planetas lucidíssimos, que assim como alumiaram com estupendo resplendor aquele glorioso século, assim escurecerão todos os passados?
Só à noitinha
Tive-lhe amor
Gemi de dor
De dor violenta
Chorei sofri
E até por si
Fui ciumenta
Mas todo o mal
Tem um final
Passa depressa
E hoje você
Não sei porquê
Já não me interessaBendita a hora
Que eu esqueci
Por ser ingrato
E deitei fora
As cinzas do seu retrato
Desde esse dia
Sou feliz sinceramente
Tenho alegria
P’ra cantar e andar contente
Só à noitinha
Quando me chega a saudade
Choro sózinha
P’ra chorar mais à vontade
Um homem passa por tudo: coisas boas e coisas más, casamentos e divórcios, nascimentos e mortes – e não consegue, no fim, construir um olhar suficientemente irónico que o livre do azedume? Ou é estúpido ou a vida foi-lhe especialmente ingrata – e, como três quartos dos velhos maus que conheço são pelo menos de classe média, portanto fundamentalmente ricos, eu começava a confiar mais na primeira hipótese.
Marília De Dirceu
Soneto 10
Adeus, cabana, adeus; adeus, ó gado;
Albina ingrata, adeus, em paz te deixo;
Adeus, doce rabil; neste alto freixo
Te fica, ao meu destino consagrado.Se te for meu sucesso perguntado,
não declares, rabil, de quem me queixo;
não quero que se saiba vive Aleixo
por causa de uma infame desterrado.Se vires a pastor desconhecido,
lhe dize então piedoso: – Ah! vai-te embora,
atalha os danos, que outros têm sentido.Habita nesta aldeia uma pastora,
de rosto belo, coração fingido,
umas vezes cruel, e as mais traidora.
Quem diz que Amor é falso ou enganoso
Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
Ligeiro, ingrato, vão desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.Amor é brando, é doce, e é piedoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens, e inda aos Deuses, odioso.Se males faz Amor em mim se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.Mas todas suas iras são de Amor;
Todos os seus males são um bem,
Que eu por todo outro bem não trocaria.