O invejoso contém, em si, um ingrato.
Passagens sobre Ingratos
104 resultadosQuem se apressa a pagar o que deve, é ingrato devedor.
Os infelizes são ingratos: isso faz parte da sua infelicidade.
O amor é dos suspiros a fumaça; puro, é fogo que os olhos ameaça; revolto, um mar de lágrimas de amantes… Que mais será? Loucura temperada, fel ingrato, doçura refinada.
Marília De Dirceu
Soneto 4
Ainda que de Laura esteja ausente,
Há de a chama durar no peito amante;
Que existe retratado o seu semblante,
Se não nos olhos meus, na minha mente.Mil vezes finjo vê-la, e eternamente
Abraço a sombra vã; só neste instante
Conheço que ela está de mim distante,
Que tudo é ilusão que esta alma sente.Talvez que ao bem de a ver amor resista;
Porque minha paixão, que aos céus é grata
Por inocente assim melhor persista;Pois quando só na idéia ma retrata,
Debuxa os dotes com que prende a vista,
Esconde as obras com que ofende, ingrata.
XXXIII
Aqui sobre esta pedra, áspera, e dura,
Teu nome hei de estampar, ó Francelisa,
A ver, se o bruto mármore eterniza
A tua, mais que ingrata, formosura.Já cintilam teus olhos: a figura
Avultando já vai; quanto indecisa
Pasmou na efígie a idéia, se divisa
No engraçado relevo da escultura.Teu rosto aqui se mostra; eu não duvido,
Acuses meu delírio, quando trato
De deixar nesta pedra o vulto erguido;É tosca a prata, o ouro é menos grato;
Contemplo o teu rigor: oh que advertido!
Só me dá esta penha o teu retrato!
LXIX
Se à memória trouxeres algum dia,
Belíssima tirana, ídolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;Confunda-te a soberba tirania,
O ódio injusto, o violento desagrado,
Com que atrás de teu olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.E já que enfim tão mísero o fizeste,
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.Dirás, lisonjeando a dor em parte:
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste;
Triste remédio a quem não pode amar-te!
A posição do pai na família é ingrata: provedor de todos, inimigo de todos.
O ingrato merece indulgência, realmente; o que ele faz, tão-somente, é confundir-se com o seu benfeitor.
Existem três classes de ingratos: os que silenciam diante do favor, os que o cobram e os que se vingam.
Soneto II – A Uma Inconstante
De uma ingrata em troféu despedaçado
Meu coração devora amor cruento,
Trocando em fero e bárbaro tormento
Quantos prazeres concedeu-me o fado.No seio d’alma, já dilacerado,
Negras fúrias do báratro apascento!
Filtra-me o delirante pensamento
De zelos negro fel envenenado.Desprezo, ingratidão, fria esquivança
Da cruel por quem morro, em tal procela
Apagaram-me a estrela da esperança.E eu (ao confessá-lo a dor me gela)
Humilhado a seus pés, minha vingança
É carpir, delirar, morrer por ela.
A ingratidão é sempre uma forma de fraqueza. Nunca vi homens hábeis serem ingratos.
Ingratidão é uma forma de fraqueza. Jamais conheci homem de valor que fosse ingrato.
Ajudar: criar um ingrato.
Soneto XXVI
Fortuna ingrata, porque me persegues?
Apareces-me branda e logo foges,
Dás-me um bem, porque dele me despojes,
Mostras-te liberal, só porque negues.Para que só me deixes, só me segues,
Fazes-me mimos, só porque me enojes,
Se me levantas, é porque me arrojes,
Se me asseguras, é porque me entregues.Vinga-te bem, Fortuna, que vingado
Estou assaz de ti, com te vingares,
Que todos dizem ser mal empregado.Um bem me fazes sem o imaginares:
C’o Mundo, eu contra mim tenho apostado,
E assim ganho sempre c’os azares.
Destino
Aquela voz era intranqüila. Trago-a
No ouvido ainda ininterruptamente:
Voz de alma que sofreu, voz de vivente,
Desoladora e trêmula de mágoa.Era o rio da Vida; a água paciente
Que, arrastando calhaus, de frágua em frágua
Ora beijava a sombra na corrente,
Ora abraçava o Sol com os braços de água.Deus te leve, água pura e fresca!… A treva
Não te interrompa a marcha transitória,
Porque o Destino ingrato que te levaPara o vale florido ou o amplo deserto,
É o mesmo que me arrasta o passo incerto
Para o despenhadeiro ou para a Glória.
XXIII
Tu sonora corrente, fonte pura,
Testemunha fiel da minha pena,
Sabe, que a sempre dura, e ingrata
Almena Contra o meu rendimento se conjura:Aqui me manda estar nesta espessura,
Ouvindo a triste voz da filomena,
E bem que este martírio hoje me ordena,
Jamais espero ter melhor ventura.Veio a dar me somente uma esperança
Nova idéia do ódio; pois sabia,
Que o rigor não me assusta, nem me cansa:Vendo a tanto crescer minha porfia,
Quis mudar de tormento; e por vingança
Foi buscar no favor a tirania.
Psalmo
Esperemos em Deus! Ele há tomado
Em suas mãos a massa inerte e fria
Da matéria impotente e, n’um só dia,
Luz, movimento, acção, tudo lhe há dado.Ele, ao mais pobre de alma, há tributado
Desvelo e amor: ele conduz à via
Segura quem lhe foge e se extravia,
Quem pela noite andava desgarrado.E a mim, que aspiro a ele, a mim, que o amo,
Que anseio por mais vida e maior brilho.
Ha-de negar-me o termo d’este anseio?Buscou quem o não quiz; e a mim, que o chamo,
Ha-de fugir-me, como a ingrato filho?
Ó Deus, meu pai e abrigo! espero!… eu creio!
O símbolo dos ingratos
não é a Serpente, é o Homem.
As Virtudes da Cidade
Amo o ruído e a constante agitação das grandes cidades. O movimento contínuo obriga à observação dos costumes. O ladrão, por exemplo, ao ver toda a actividade humana, pensa involuntariamente que é um patife, e esta imagem alegre em movimento pode vir a melhorar a sua natureza decadente e arruinada. O boémio sente-se talvez mais modesto e pensativo quando vê todas as forças produtivas, e o devasso diz possivelmente a si mesmo, quando lhe salta aos olhos a docilidade das massas, que não é mais do que um sujeito miserável, estúpido e vaidoso, que só sabe ufanar-se com soberba. As grandes cidades ensinam, educam, e não com doutrinas roubadas aos livros. Não há aqui nada de académico, o que é lisonjeiro, pois o saber acumulado rouba-nos a coragem.
E depois há aqui tanto que incentiva, que sustenta e ajuda. Quase não conseguimos dizê-lo. É tão difícil dar uma expressão viva ao que é refinado e bom. Agradecemos as nossas vidas modestas, sentimo-nos sempre um pouco gratos quando somos empurrados, quando temos pressa. Quem tem tempo para esbanjar não sabe o que o tempo significa, é por natureza um ingrato. Nas grandes cidades qualquer moço de recados conhece o valor do tempo e nenhum ardina quer perder o seu tempo.