Interrogativos

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Nunca Estamos Contentes

Já ouvistes dizer: «Ninho feito, pega morta». Que me dizeis ao contentamento do mundo, onde toda a duração dele está enquanto se alcança? Porque, acabado de passar, acabado de esquecer. E com razão, porque, acabado de alcançar, é passado; e maior saudade deixa do que é o contentamento que deu. Esperai, por me fazer mercê, que lhe quero dar umas palavrinhas de propósito:

Mundo, se te conhecemos,
porque tanto desejamos
teus enganos?
E, se assim te queremos,
muito sem causa nos queixamos
de teus danos.

Tu não enganas ninguém,
pois a quem te desejar
vemos que danas;
se te querem qual te vem,
se se querem enganar,
ninguém enganas.

Vejam-se os bens que tiveram
os que mais em alcançar-te
se esmeraram;
que uns, vivendo, não viveram,
e os outros, só com deixar-te,
descansaram.

E se esta tão clara fé
te aclara teus enganos,
desengana ;
sobejamente mal vê
quem, com tantos desenganos,
se engana.

Mas como tu sempre morres
no engano em que andamos e que vemos,
não cremos o que tu podes,

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Temos de Ser o que Nos Apetecer

Se não mudares, os outros fazem de ti o que querem.

A velha máxima «Se estás mal, muda-te» faz mesmo todo o sentido.

Se não nos sentimos bem com determinado relacionamento, se não estamos felizes no nosso trabalho, se não conseguimos encarar certa pessoa ou se, simplesmente, não nos sentimos bem naquele jantar, naquele ginásio ou naquela viagem, só nos resta uma alternativa: mudar.

Acontece que, e apesar de parecer simples, essa decisão é extremamente delicada. E porquê? Porque uma vez mais colocamos o mundo inteiro à nossa frente. Em vez de nos respeitarmos e levarmos a cabo o nosso desejo de liberdade, saindo de onde estamos para onde queremos estar, não, deixamo-nos ficar mesmo que o amor já não exista, mesmo que o patrão ou os colegas nos tratem mal, mesmo que continuemos a ser julgados ou cobrados pela mãe, pelo pai, pelo tio ou pelo cão e por aí adiante. Não mudamos e o caldo entorna-se. Ou seja, é o pior dos dois mundos.
Não comemos a sopa, não nos nutrimos, e ainda nos queimamos por andarmos constantemente nas mãos de uns e outros.

As pessoas relacionam-se mais por medo de se perderem umas às outras ou por necessidade de dominarem alguém do que por se amarem genuinamente,

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Noite Afora

A quem devo dizer que em tua carne
se sobreleva o tempo e o duradouro,
mancha de óleo no azul, alaga e intensifica
o contratempo a que chamei amor?

A quem devo dizer dos meus perigos
quando, o corcel furioso, olhei ao longe
e não vi mais limites que o oceano
nem mais convites que o das ondas frias?

Como antepor o corte nas montanhas
— Liberdade — ao dever que a si mesma impõe a terra
de estender-se conforme o espaço havido?

Malícia do destino, ardil composto outrora…
Arde a grama da noite em que te vais embora,
e essa chama caminha, essa chama, essas vinhas,

essas uvas, cortadas noite afora.

Melhor Vida é a Vida que Dura sem Medir-se

Não quero recordar nem conhecer-me.
Somos demais se olhamos em quem somos.
Ignorar que vivemos
Cumpre bastante a vida.

Tanto quanto vivemos, vive a hora
Em que vivemos, igualmente morta
Quando passa conosco,
Que passamos com ela.

Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(Pois sem poder que vale conhecermos?)
Melhor vida é a vida
Que dura sem medir-se.

Que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, mas arruinar a sua vida

Que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, mas arruinar a sua vida?

Onde acharei lugar tão apartado

Onde acharei lugar tão apartado
E tão isento em tudo da ventura,
Que, não digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?

Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitária, triste e escura,
Sem fonte clara ou plácida verdura,
Enfim, lugar conforme a meu cuidado?

Porque ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente;

Que, pois a minha pena é sem medida,
Ali triste serei em dias ledos
E dias tristes me farão contente.

A Dor da Ausência Fica Mais Pequena

Quando vejo que meu destino ordena
Que, por me experimentar, de vós me aparte,
Deixando de meu bem tão grande parte,
Que a mesma culpa fica grave pena,

O duro desfavor, que me condena,
Quando pela memória se reparte,
Endurece os sentidos de tal arte
Que a dor da ausência fica mais pequena.

Mas como pode ser que na mudança
Daquilo que mais quero, este tão fora
De me não apartar também da vida?

Eu refrearei tão áspera esquivança,
Porque mais sentirei partir, Senhora,
Sem sentir muito a pena da partida.

A Busca da Glória

Com que pensamento nas suas mentes suporíamos que esta tropa de homens ilustres perdeu a vida pelo bem público? Seria para que o seu nome ficasse restrito aos limites estreitos de sua vida? Ninguém jamais se teria exposto à morte pelo seu país sem uma boa esperança de alcançar a imortalidade. Temístocles poderia ter levado uma vida tranquila (…) e eu poderia ter feito o mesmo. Mas acontece que, de algum modo, foi implantado na mente dos homens um pressentimento profundamente arraigado sobre as eras futuras, e tal sentimento torna-se mais forte e mais patente nos homens dotados de génio e espírito mais elevado. Retire-se tal sentimento, e quem seria louco de passar a vida em constante perigo e labuta? Até aqui falei de estadistas, mas e os poetas? Não possuem eles algum desejo de fama após a morte? (…) Mas porquê parar nos poetas? Os artistas anseiam tornar-se famosos após a morte.

Leitura

Quando por fim as árvores
se tornam luminosas; e ardem
por dentro pressentindo;
folha a folha; as chamas
ávidas de frio:
nimbos e cúmulos coroam
a tarde, o horizonte,
com a sua auréola incandescente
de gás sobre os rebanhos.

Assim se movem
as nuvens comovidas
no anoitecer
dos grandes textos clássicos.

Perdem mais densidade;
ascendem na pálida aleluia
de que fulgor ainda?
e são agora
cumes de colinas rarefeitas
policopiando à pressa
a demora das outras
feita de peso e sombra.

Ninguém Morre Antes da Hora

Ninguém morre antes da hora. O que deixais de tempo não era mais vosso do que o tempo que se passou antes do vosso nascimento; e tampouco vos importa, Com efeito, considerai como a eternidade do tempo passado nada é para nós (Lucrécio). Termine a vossa vida quando terminar, ela aí está inteira. A utilidade do viver não está no espaço de tempo, está no uso. Uma pessoa viveu longo tempo e no entanto pouco viveu; atentai para isso enquanto estais aqui. Terdes vivido o bastante depende da vossa vontade, não do número de anos. Pensáveis nunca chegar aonde estáveis indo incessantemente? E no entanto não há caminho que não tenha o seu fim. E, se a companhia vos pode consolar, não vai o mundo no mesmo passo em que ides? Todas as coisas seguir-vos-ão na morte (Lucrécio). Tudo não dança a vossa dança? Há coisa que não envelheça convosco? Mil homens, mil animais e mil outras criaturas morrem nesse mesmo instante em que morreis: Pois nunca a noite sucedeu ao dia, nem a aurora à noite, sem ouvir, mesclados aos vagidos da criança, os gritos de dor que acompanham a morte e os negros funerais (Lucrécio).

Remissão

Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê? perguntaria,
se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?

A Globalização é uma Nova Forma de Totalistarismo

A globalização económica é compatível com os direitos humanos? Temos de fazer esta pergunta a nós próprios e ver que a resposta é que ou há globalização ou há direitos, por mais que os poderes tenham a hipocrisia de dizer que a globalização favorece os direitos humanos, quando o que faz é fabricar excluídos. A globalização é simplesmente uma nova forma de totalitarismo que não tem de chegar sempre com uma camisa azul, castanha ou negra e com o braço erguido; tem muitas caras e a globalização é uma delas. Devíamos voltar a Marx e a Engels para reverter a situação, ainda que seja pouco menos que politicamente incorrecto referirmo-nos a estes cadáveres da história quando a ideologia parece que morreu.

Não Sei quem em Vós Mais Vejo

Não sei qu’em vós mais vejo; não sei que
mais ouço e sinto ao rir vosso e falar;
não sei qu’entendo mais, té no calar,
nem quando vos não vejo a alma que vê;

Que lhe aparece em qual parte qu’esté,
olhe o céu, olhe a terra, ou olhe o mar;
e, triste aquele vosso suspirar,
em que tanto mais vai, que direi qu’é?

Em verdade não sei; nem isto qu’anda
antre nós: ou se é ar, como parece,
se fogo doutra sorte e doutra lei,

Em que ando, e de que vivo; nunca abranda;
por ventura que à vista resplandece.
Ora o que eu sei tão mal, como o direi?

Comunhão

Reprimirei meu pranto!… Considera
Quantos, minh’alma, antes de nós vagaram,
Quantos as mãos incertas levantaram
Sob este mesmo céu de luz austera!…

— Luz morta! amarga a própria primavera! —
Mas seus pacientes corações lutaram,
Crentes só por instinto, e se apoiaram
Na obscura e heróica fé, que os retempera…

E sou eu mais do que eles? igual fado
Me prende á lei de ignotas multidões. —
Seguirei meu caminho confiado,

Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhão dos nossos pais antigos.

A Única Qualidade Específica do Homem

Esforça-te por que não te suceda o mesmo que a mim: começar os estudos na velhice. E esforça-te tanto mais quanto enveredaste por um estudo que dificilmente chegarás a dominar mesmo na velhice. «Até que ponto poderei progredir?» – perguntas-me. Até ao ponto onde chegarem os teus esforços. De que estás à espera? O saber não se obtém por obra do acaso. O dinheiro pode cair-te em sorte, as honras serem-te oferecidas, os favores e os altos cargos poderão talvez acumular-se sobre ti: a virtude, essa, não virá ter contigo! Não é sem custo, sem grandes esforços, que chegamos a conhecê-la; mas vale bem a pena o esforço, porquanto de uma só vez se obtêm todos os bens possíveis. De facto, o único bem é aquele que é conforme à moral; nos valores aceites pela opinião comum não encontrarás a mínima parcela de verdade ou de certeza.
(…) Cada coisa é avaliada por uma qualidade específica. O valor da videira está na sua produtividade, o do vinho no seu sabor, o do veado na sua rapidez; o que nos interessa nas bestas de carga é a sua força, pois elas apenas servem para isso mesmo: transportar carga. Num cão a primeira qualidade é o faro,

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Nenhum Amor é Menos Ridículo que Outro

Temos, pois, que ao amor corresponde o amável, e que este é inexplicável. Concebe-se a coisa, mas dela não se pode dar razão; assim também é que de maneira incompreensível o amor se apodera da sua presa. Se, de tempos a tempos, os homens caíssem por terra e morressem subitamente, ou entrassem em convulsões violentas mas inexplicáveis, quem é que não sofreria a angústia? No entanto, é assim que o amor intervém na vida, com a diferença de que ninguém receia por isso, visto que os amantes encaram tal acontecimento como se esperassem a suprema felicidade. Ninguém receia por isso, toda a gente ri afinal, porque o trágico e o cómico estão em perpétua correspondência. Conversais hoje com um homem; parece-vos que ele se encontra em estado normal; mas amanhã ouvi-lo-eis falar uma linguagem metafórica, vê-lo-eis exprimir-se com gestos muito singulares: é sabido, está apaixonado. Se o amor tivesse por expressão equivalente «amar qualquer pessoa, a primeira que se encontra», compreender-se-ia a impossibilidade de apresentar melhor definição; mas já que a fórmula é muito diferente, «amar uma só pessoa, a única no mundo», parece que tal acto de diferenciação deve provir de motivos profundos.
Sim, deve necessariamente implicar uma dialética de razões,

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Balada dos Amigos Separados

Onde estais vós Alberto Henrique
João Maria Pedro Ana?
Onde anda agora a vossa voz?
Que ruas escutam vossos passos?
Ao norte? ao sul? aonde? aonde?
José António Branca Rui
E tu Joana de olhos claros
E tu Francisco E tu Carlota
E tu Joaquim?
Que estradas colhem vosso olhar?
Onde anda agora a vossa vida repartida?
A oeste? A leste? Aonde? aonde?
Olho prà frente prà cidade
e pràs outras cidades por trás dela
onde se agitam outras gentes
que nunca ouviram vosso nome
e vejo em tudo a vossa cara
e oiço em tudo o som amigo
a voz de um a voz de outro
e aquele fio de sol que se agitava
sempre
em todos nós
Dançam as casas nesta noite
ébrias de sombra nesta noite
que se prolonga em plena angústia
aos solavancos do destino
e não consegue estrangularmos
Sigo e pergunto ao vento à rua
e a esta ânsia inviolável
que embebe o ar de calafrios
Onde estais vós? onde estais vós?
E por detrás de cada esquina
e por detrás de cada vulto
o vento traz-me a vossa voz
a rua traz-me a vossa voz
a voz de um a voz de outro
toada amiga que me banha
tão confiante tão serena
Aqui aqui em toda a parte
Aqui aqui E tu?

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Porque Quereis, Senhora, Que Ofereça

Porque quereis, Senhora, que ofereça
a vida a tanto mal como padeço?
Se vos nasce do pouco que mereço,
bem por nascer está quem vos mereça.

Sabei que, enfim, por muito que vos peça,
que posso merecer quanto vos peço;
que não consente Amor que em baixo preço
tão alto pensamento se conheça.

Assi que a paga igual de minhas dores,
com nada se restaura, mas deveis ma,
por ser capaz de tantos disfavores.

E se o valor de vossos servidores
houver de ser igual convosco mesma,
vós só convosco mesma andai d’amores.

Vontade de Dormir

Fios d’ouro puxam por mim
A soerguer-me na poeira –
Cada um para o seu fim,
Cada um para o seu norte…

. . . . . . . . . . . . . . .

– Ai que saudade da morte…

. . . . . . . . . . . . . . .

Quero dormir… ancorar…

. . . . . . . . . . . . . . .

Arranquem-me esta grandeza!
– Pra que me sonha a beleza,
Se a não posso transmigrar?…

Quando Falo com Sinceridade não sei com que Sinceridade Falo

Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou váriamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpétuamente me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada [?], por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.