Passagens de J. G. de Araújo Jorge

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Palavras

Ah! como me parece inútil tudo quando
sobre nos tenho escrito e hei de ainda compor…
não há verso que valha uma gota de pranto
nem poema que traduza um segundo de dor.

Nem palavra que exprima a singeleza e o encanto
de um pedaço do céu, de um olhar, de uma flor!
Ah! como me parece inútil tudo quanto
na vida, tenho escrito sobre o nosso amor.

Não devia existir a palavra… Devia
existir tão somente a infinita poesia
dos gestos e da luz, – que o amor do meu enlevo

quando o sinto, é profundo, indefinido e imenso,
mas se o chão tão grande quando nele penso
parece-me tão pouco se sobre ele escrevo!

Tua Carta

A carta que escreveste é a oração que repito
todas as noites, sempre, antes de me deitar,
à hora em que abro a janela ao azul do infinito
e me ausento de tudo… e me esqueço a sonhar…

Eu, descrente da terra e dos homens, descrente
mais ainda dos céus, com bem maior razão,
murmuro a tua carta religiosamente
pois fiz do teu amor a minha religião…

Tua carta, nem sei… releio-a a todo instante,
ela acende em meus olhos tristes alegrias
e me faz esquecer que te encontras distante…

Paradoxos talvez, mentiras!… Não te esqueço
se toda noite assim ( há não sei quantos dias ),
com teu nome em meus lábios… rezando adormeço!…

Fui Gostar De Você

“Fui Gostar de Você”
II
Fui gostar de você – facilitei
no poder de seus olhos… Que loucura! …
– Nunca pensei que um dia esta figura
havia de fazer… Nunca pensei…

Bem triste a pantomima. . . E o que nem sei
é como hei de aturar esta tortura,
de ver você e alguém numa ventura
que sonhei para mim – que em vão sonhei

Fui gostar de você – e agora vejo
que este amor viverá num sonho apenas,
– na renúncia suprema do que almejo…

É inútil meu viver… Hoje, ao seu lado
sou alguém que sepulta as próprias penas
no orgulho triste de quem foi deixado.

Soneto À Tua Volta

Voltaste, meu amor… enfim voltaste!
Como fez frio aqui sem teu carinho….
A flor de outrora refloresce na haste
que pendia sem vida em meu caminho.

Obrigado… Eu vivia tão sozinho…
Que infinita alegria, e que contraste!
-Volta a antiga embriaguez porque voltaste
e é doce o amor, porque é mais velho o vinho!

Voltaste… E dou-te logo este poema
simples e humilde repetindo um tema
da alma humana esgotada e envelhecida…

Mil poetas outras voltas celebraram,
mas, que importa? se tantas já voltaram
só tu voltaste para a minha vida…

Caminheiro

Eu ando pela vida à procura de alguém
que saiba compreender minha alma incompreendida,
alguém que queira dar-me a sua própria vida
como eu lhe dar pretendo o meu viver também…

Caminheiro do ideal – seguindo para o além
vou traçando uma rota estranha e indefinida,
– não sei se em minha estrada hei de encontrar guarida,
ou se eterno hei de andar, sem rumo e sem ninguém.. .

Já me sinto cansado… E em vão ainda caminho
na ilusão de encontrar um dia a companheira
que me ajude na vida a construir meu ninho…

Boemia do destino!… Hei de andar… hei de andar…
até que esta minha alma errante e aventureira
descanse numa cruz cansada de sonhar!…

Amo!

Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar!
Amo a vida! Amo a luz! Amo as árvores! Amo
a poesia que escrevo e entusiasta declamo
aos que sentem como eu a alegria de amar!

Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar!
A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo!
Uma folha que cai! Um perfume no ar
onde um desejo extinto sem querer inflamo!

Amo os rios! E a estranha solidão em festa,
dessa alma que possuo multiforme e inquieta
como a alma multiforme e inquieta da floresta!

Amo a cor que há nos sons! Amo os sons que há na cor!
E em mim mesmo – amo a glória de sentir-me um Poeta
e amar imensamente o meu imenso amor!.

Colegial

Gosto de vê-la, assim… Quando à tarde ela vem
fisionomia suave, ingenuamente franca…
Toda a rua se alegra, e eu me alegro também
com o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca…

Quantos nadas de sonho o seu olhar contém!
A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca.
– Gosto de ve-la, sim… E ficam-lhe tão bem
aquela saia azul, e aquela blusa branca…

Azul: – azul é a cor da vida que ela sonha!
E branca: – branca é a cor da sua alma de criança
onde ela própria se olha irrequieta e risonha

Feliz… Não tem presente e ainda nem tem passado…
Só o futuro, – e o futuro é uma imensa esperança
um mundo que ainda fica oculto do outro lado!

Sorrio

Ah! vieste me falar de antigamente
desse tempo em que fui sentimental,
quando o amor era um sonho puro e ardente
vestido em véu de espumas, nupcial…

Quando me dava, perdulariamente,
vivendo o mal sem conhecer o mal,
a levar a alma inquieta de quem sente
e de quem busca uma conquista ideal…

Era sestro da idade essa existência…
Sinal de pouca vida e muito sonho,
de muito sonho… e pouca experiência…

Hoje, no entanto, se a pensar me ponho:
– sorrio… Um vão sorriso de indulgência…
…Sinal de muita vida… e pouco sonho…

Exaltação Ao Amor

Sofro, bem sei…Mas se preciso for
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrela alcançar…colher a flor…

Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco, talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor…com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu,
se é fogo que em meu peito se acendeu,
e lavra, e cresce, e me consome o Ser…

Deus o pôs…Ninguém mais há de dispor…
Se esse amor não puder ser meu viver,
há de ser meu para eu morrer de Amor!

Dois Ramos

É preciso coragem, meu amor.
para afinal reconhecer que vamos
nos afastar, assim como dois ramos,
que continuam dando a mesma flor…

Que importa a flor, no entanto, se não damos
os mesmos sonhos de antes? Se o sabor
do fruto que ainda agora partilhamos
já se vai transformando em amargor?

É preciso coragem… Mas um dia
será preciso tê-la… Que a tenhamos!
Não vamos prolongar essa agonia

em que nossos desejos se desgastam…
Nosso destino… é o mesmo de dois ramos:
– quanto mais crescem… tanto mais se afastam…

Linda

Intimamente sinto uma grande vontade
de não mais duvidar do que você me diz,
– de acreditar enfim na sua falsidade
e fingir que me iludo em me julgar feliz…

Quero crer… na inconstância e volubilidade
dos seus olhos azuis ou verdes, não sei bem,
e tentar convencer-me da felicidade
de que é meu o seu amor, só meu… de mais ninguém…

Quero nessa ilusão – minha íntima esperança
transformar na feliz e invejável certeza
dos que sabem gostar e podem ter confiança…

Mas é inútil, bem sei… A dúvida não finda!
E ao sentir seu olhar e ao ver sua beleza
não sei como confiar em quem nasceu tão linda!

É Assim A Vida

Poderias ter sido tudo em minha vida
se ao menos tu tivesses desejado ser…
Dei-te a minha emoção mais profunda e sentida
e o mais profundo amor que concebeu meu Ser!

Por esse amor que em vão tentei te oferecer
eu fui poeta, eu fui criança… e tive a alma iludida!
Traí meu ceticismo, e sonhei… e quis crer…
– hoje… volto ao que fui, – a crença perdida…

Poderias ter sido tudo em meu destino:
– o meu lar, o meu filho, o meu rumo, o meu hino,
o meu próprio futuro… a obra que ainda não fiz…

Tudo terias sido… E não quiseste nada…
No entanto, ( a vida é assim), – sei de uma outra, coitada,
que se um olhar dou… é a mulher mais feliz!

Uma Resposta

Não sabes a alegria em que fiquei
ao ler o que escreveste – o teu cartão
veio um pouco aquecer meu coração,
que de há muito na sombra sepultei…

A tristeza tornou-se-me uma lei
neste estranho pais da solidão…
– já nem sei como vais, nem como vão
aqueles que há mil anos já deixei…

Não penses mais em mim… Sou como um monge,
– não voltarei jamais para a cidade
e o tempo em que me falas vai bem longe…

Fizeste bem em não me acompanhar…
Tinhas toda razão… Felicidade
só eu mesmo encontrei neste lugar!…

Classicismo

Longínquo descendente dos helenos
pelo espírito claro, a alma panteísta,
– amo a beleza esplêndida de Vênus
com uma alegria singular de artista!

Amo a aventura e o belo, amo a conquista!
Nem receio os traidores e os venenos…
– Trago na alma engastada uma ametista,
– meus olhos de esmeraldas são serenos!

Com os pés na terra tenho o olhar no céu;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chão; nos lábios, tenho mel…

Meu culto é a liberdade e a vida sã.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mágica de Pã!

Fim

Nem foi mesmo preciso que você falasse,
era um pressentimento antigo dentro de mim,
há muito, na expressão que havia em sua face
via que o nosso amor ia chegando ao fim…

Hoje, para encontrá-la, eu quase que não vim…
Era o medo covarde deste desenlace…
E tudo terminou… e foi melhor assim
talvez, para você, que tudo terminasse…

Nosso amor, – e ninguém há de saber por que,
morreu (bem que o sentimos pelo nosso olhar),
e não somos culpados nem eu, nem você…

E o que é estranho afinal é que tudo acabasse,
sem que nenhum de nós falasse em terminar,
– e assim como se tudo ainda continuasse…

Último Vestígio

Tu deves te lembrar: aquela casa antiga
entre o verde bambual e a frondosa mangueira,
– a varanda, a esconder-se sob a trepadeira,
e o riacho a marulhar sua velha cantiga…

As flores… o jardim… a estrada, uma alva esteira
onde nós a sonhar andamos sem fadiga
olhando para o céu – tudo isto, minha amiga,
mudou… A nossa vida é mesmo passageira…

As paisagens de outrora, estranhos transformaram:
– o jardim… o bambual… a estrada, e até nem sei
se as águas do regato os anos não pararam…

Uma cousa, porém, existe, eu vi depois:
– é aquele coração com os nomes que gravei
no tronco da mangueira a relembrar nós dois!…

Fui Gostar De Você

“Fui Gostar de Você”
III
Fui gostar de você… Eu, que dizia:
– jamais hei de gostar! Gostar é crer,
e crer é quase amar – e amar é a via
mais curta entre o bom senso e o enlouquecer.. .

Fui gostar de você… Certo a ironia
da sorte nos obriga a desdizer…
Ontem, zombava de quem chora, e ria;
– hoje, inverso afinal é o meu viver. ..

Fui gostar de você – você no entanto
já tendo um grande amor, fez-me o veneno
do despeito tragar no amargo pranto…

E no fim disto tudo. . . – ninguém crê. . .
– Infeliz, muito embora eu me condeno
eu ainda defendo o que me fez você!…

Fui Gostar De Você

“Fui Gostar de Você”
I
Fui gostar de você, – isso foi quando
julguei que ainda podia ser feliz. . .
Ilusão!… Hoje as pedras vou tirando
do castelo de amor que eu mesmo fiz…

Conformo-me no entanto, – mesmo estando
como estou, da loucura, por um triz…
E procuro do peito ir apagando
a cor de um vulto de mulher que eu quis…

Quanto sonho fatal! Quanta cegueira
fez com que eu me iludisse com as safiras
de uns olhos lindos de mulher brejeira…

Fui gostar. . . e gostei … Sofri portanto
ao descobrir as múltiplas mentiras
que eram do amor o seu supremo encanto

Sonetinho

Não tenho jeito pra trova
apesar das que já fiz
a quadra lembra uma cova
com a cruz dos versos em X…

Ainda estou vivo e feliz
e do que digo dou prova:
– tentei cantar, numa trova,
e o meu amor pediu bis.

Bem sei que é meu o defeito.
mas uma trova é tão pouco
que ao meu cantar não dá jeito…

Só mesmo um poema é capaz
de conter o amor demais
que trago dentro do peito

A Vida

“A Vida”
V
Isso tudo nos dizem, – entretanto
nós dois seguimos braços dados,
creio que se tu sabes que te adore tanto
do que ouviste talvez não tens receio…

A vida, – é o nosso amor, o nosso encanto!
Nem a podemos mais parar no meio…
Chorar? – bem sei que choras, mas teu pranto
é a alegria que canta no teu seio…

O mundo é bom e nós o cremos, basta!
E se um amor tão grande nos enleva
e pela vida unidos nos arrasta,

– que eu te abrace e te apoies sempre em mim,
e desafiando o mundo envolto em treva
sigamos juntos para um mesmo fim!