Uma mulher sexy será sempre uma mulher sexy, mesmo que vestida de esquimó – e uma mulher a fingir que é sexy será sempre uma mulher a fingir que é sexy, mesmo que (ou sobretudo se) vestida com sapatos altos, meias de renda e mais nada.
Passagens de Joel Neto
105 resultadosDizia D. H. Lawrence que a pornografia é “a tentativa de insultar o sexo” – e eu não estou de acordo. A pornografia é, antes, a aceitação da desesperança sem cair no desespero, atitude que sobre todas as outras me parece adequada aos tempos.
A culpa é uma coisa extraordinária. No limite, até somos capazes de confundi-la com amor.
Quando um homem decide fazer de uma determinada coisa a sua vida toda, ou se empenha em alargar os limites dessa coisa, ou essa coisa é apenas a lama que o engolirá.
A culpa pode ser a pior conselheira. (…) A culpa tolda até as imagens mais nítidas.
Se muitos casais perdem o desejo ao fim de alguns anos, é porque o mistério desapareceu. Se outros tantos o mantêm latejante ao fim de várias décadas, é porque encontraram uma forma de reinventar o mistério. Feitas as contas, tem de haver sempre alguma espontaneidade – até alguma pressa, alguma urgência.
A Sopa Azeda
A dita sopa azeda não se parecia com nada do que tivesse provado até àquele momento. Num ápice, desfilaram vários sabores vindos como que do próprio interior do tempo. E, quando ele se pôs a percorrê-los, sentiu que se sentavam em volta os seus antepassados, os pais e os avós e os avós destes, e os velhos da Terra Chã e da Terceira, e os açorianos dali até ao povoamento, e deste até ao próprio Génesis, quando na manhã do Sexto Dia o Senhor olhou sobre a sua obra e decidiu que estava, afinal, incompleta.
Se há uma coisa comum a qualquer ser humano, é o impulso de sobrepor-se ao ser humano em frente, quer seja pondo-lhe o pé no pescoço, quer seja passando-lhe a mão na cabeça.
Mas a vida não tinha recomeços, o que era, aliás, a maior das suas tragédias.
Filhos de pais cuja memória alcança para além do dia do primeiro parto resultam sempre em adultos mais saudáveis, desempoeirados e independentes.
O homem de bom senso jamais cometerá uma loucura de pouca importância.
As mentiras que as pessoas contavam a si próprias pareciam-lhe o mais delicado e fundamental equilíbrio em que assentava a ordem do mundo.
Apaixonaram-se como as pessoas se apaixonam na adolescência, avassaladoramente e também por acaso.
“O inferno são os outros”, dizia Sartre, o supremo filósofo pós-freudiano. O inferno são os outros, tanto quanto nós próprios – e em nós habitam tanto o Inferno como o Céu. Todo o Bem, como de resto todo o Mal, está no Homem – e permanecerão ambos no Homem quando um dia, como é inevitável, ele for contagiado.
Nunca a gratidão se isentou da sua parte de remorso.
Parecia saber quando protegê-lo e quando educá-lo, e em momentos de fraqueza chegava a ponderar se, havendo podido ser dono de um cão antes de ser pai de uma criança, não teria afinal conseguido corresponder a pelo menos uma parte daquilo que se espera de um homem.
Talvez nem ela própria se apercebesse do mal que uma beleza como a que possuía podia deixar atrás de si.
Os Distraídos e os Organizados
O «distraído» é a figura mais privilegiada de uma família, de um grupo de amigos, de uma empresa. O «distraído» chega sempre atrasado – paciência, é distraído. O «distraído» chumba na escola primária – coitado, é distraído. O «distraído» não dá presentes no Natal – deixa lá, é distraído. O «distraído» não pergunta pelas análises com que nos andávamos a consumir – não foi por mal, já sabes que é distraído. O «distraído» é engraçado e é fofinho. O seu defeito, na verdade, é uma virtude. O «distraído» mete nojo e faz inveja – e, se há uma presença de que não gostamos nunca de dispensar-nos, é a do «distraído». Dá patine, andar com o «distraído». O «distraído» é um charme. O «distraído» é aquilo que nós seríamos se não fôssemos esta desgraça que somos.
Porque depois, ao longo da vida, o «distraído» fica com os melhores empregos. O «distraído», bem vistas as coisas, não é aluado: é criativo – é um artista. E o «distraído» fica sempre com as raparigas mais giras também. Naturalmente: só é distraído quem pode – e o «distraído» é o mais bonito de nós todos. Também por isso, aliás, nos dá jeito emparceirar com o «distraído»: sempre pode ser que a gorda sobre para nós.
Cidadão do Mundo
De todas as grandes tiradas da História, em boa verdade, aquela que eu mais depressa aprendera a detestar fora essa do «cidadão do mundo», com que a classe média de Lisboa tanto gostava de encher a boca até que alguém a reconhecesse globetrotter, portadora de cartão de crédito e representante dessa nova burguesia do resort de quatro estrelas e da máquina fotográfica digital. Porque ser de todo o lado, percebi-o eu assim que extravasei os limites da terra-mãe, não podia significar outra coisa senão que não se era de lado nenhum – e não ser de lado nenhum, não ter um lugar, um canto de mundo a que regressar, parecera-me sempre a mais triste de todas as condições. Para ser sincero, e apesar das já quase duas décadas que levava de exílio, eu continuava a voltar à terra como se realmente pudesse acordar ao contrário, contorcendo-me e espreguiçando-me e depois fechando-me em concha, até, enfim, adormecer. E, se de alguém ainda conseguia desdenhar com algum método, assim despertando da letargia que nos últimos anos me deixara impávido perante cada vez mais coisas, perante a dor e o próprio prazer, era daqueles que viviam longe há dez ou vinte ou trinta ou mesmo quarenta anos e,
A História enferma com demasiada frequência do impulso de transformar em números e tendências as rugosidades, as assimetrias e os paladares.