Passagens de Joel Neto

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Trazemos connosco isto de que ser português é ser mesquinho, pobre de espírito, egoísta – e, quando se trata de falar dos “portugueses em geral”, nunca somos um deles. Curiosidade: o hábito não é especialmente lusitano.

Afinal de contas, talvez eu próprio estivesse, naquela época, a representar esse papel de amante, esse papel de vício revivificador. Mais do que a representar um papel, aliás: a personificar de facto um milagre na vida de alguém, salvando-lhe o casamento, oferecendo-lhe a oportunidade de proteger-se dos filhos durante uma noite ocasional, dando-lhe pelo menos uma de dezoito irrebatíveis razões para fugir de casa, ainda que por instantes apenas.

A Dupla Realidade

A mente pregava-nos partidas. Fabricava estímulos, treslia sinais. Lesões e fissuras instalavam-se no corpo caloso dos nossos cérebros, dificultando a comunicação entre as suas duas metades. Confundiam o hemisfério da racionalidade e, nos momentos mais inconvenientes, obrigavam a entrar em acção aquele ao qual cabia o fabrico de histórias.

Talvez tivesse sido o caso. Lera sobre isso. O cérebro podia ser mentiroso, e as ilusões ópticas não passavam do menor dos seus truques. Um pequeno desequilíbrio entre o esplénio e o fórnix era suficiente para a instauração de uma espécie de dupla-realidade — pelo menos até que se impusesse o dilema lógico capaz de produzir o curto-circuito capaz de a desmontar. E nem nesse momento um homem poderia considerar-se a salvo, porque, como qualquer curto-circuito, também esse era de consequências imprevisíveis.

Sei que um homem com um mínimo de volume inspira segurança a uma mulher. Para dizer a verdade, faço um julgamento moral dos homens que têm demasiado cuidado com o seu aspecto. Num mundo tão cheio de tentações, em alguma delas se há-de cair – e antes na boa mesa do que na droga ou na política.

Um homem passional, tão igualmente dado à destemperança súbita como a actos de irredutível nobreza.