Talvez esse tenha sido o meu maior esforço de vida: para compreender a minha não-inteligência, o meu sentimento, fui obrigada a me tornar inteligente. (Usa-se a inteligência para entender a não-inteligência. Só que depois o instrumento – o intelecto – por vício de jogo continua a ser usado – e não podemos colher as coisas de mãos limpas, directamente na fonte).
Passagens sobre Jogo
257 resultadosO palhaço não sou eu, mas sim esta sociedade monstruosamente cínica e tão ingenuamente inconsciente que joga ao jogo da seriedade para melhor esconder a loucura.
No jogo e na mesa a educação se conhece.
Os jogos infantis são graves ocupações. Apenas os adultos brincam.
A disciplina é um princípio de controle da produção do discurso. Ela lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das regras.
De Que Vale a Sabedoria ?
Os homens que se entregam à sabedoria são de longe os mais infelizes. Duplamente loucos, esquecem que nasceram homens e querem imitar os deuses poderosos, e a exemplo dos Titãs, armados com as ciências e as artes, declaram guerra à Natureza. Ora, os menos infelizes são aqueles que mais se aproximam da animalidade e da estupidez.
Tentarei fazer-vos entender isto, usando, em vez dos argumentos dos estóicos, um exemplo crasso. Haverá, pelos deuses imortais, espécie mais feliz que os homens a quem o vulgo chama loucos, parvos, imbecis, cognomes belíssimos, na minha opinião? Esta afirmação poderá a princípio parecer insensata e absurda e, no entanto, nada há de mais verdadeiro. Tais homens não receiam a morte, e, por Júpiter! isso já não representa pequena vantagem! A sua consciência não os incomoda. As histórias de fantasmas não os aterrorizam, nem os afecta o medo das aparições e espectros, nem os males que os ameaçam ou a esperança dos bens que poderão vir a receber. Nada, em resumo, os atormenta, isentos dos mil cuidadeos de que a vida é feita. Ignoram a vergonha, o medo, a ambição, a inveja e chegam mesmo, se são suficientemente estúpidos, a gozar o privilégio, segundo os teólogos,
Jogo e bebida, casa perdida.
A maioria dos crimes podem ser cometidos muito polidamente: um homem pode seduzir a mulher do seu amigo polidamente; ele pode fazer batota num jogo de cartas polidamente.
A Giganta
No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava à terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d’uma giganta,
Como um gatinho manso aos pés d’uma rainha!Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razão, aos seus jogos terríveis;
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensíveisPercorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas;
E às vezes, no verão, quando no ardente soloEu visse deitar, numa quebreira estranha estranha,
Dormir serenamente à sombra do seu colo,
Como um pequeno burgo ao sopé da montanha!Tradução de Delfim Guimarães
O Engraxanço e o Culambismo Português
Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele.
Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia.
Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores,os jornalistas engraxavam os ministros, as donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc… Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa. Havia poucos engraxadores. Diga-se porém, em abono da verdade, que os poucos que havia engraxavam imenso.
Todo o nosso mal provém de não podermos estar sozinhos: daí o jogo, o luxo, a dissipação, o vinho, as mulheres, a ignorância, a desconfiança, o esquecimento de nós mesmos e de Deus.
Respeitar não supõe reciprocidade, pois cada ato remete apenas para o seu autor e protagonista… respeitar para ser respeitado é um jogo de quem não compreende que o valor dos atos não depende da reação que eles têm neste mundo.
Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar um Deus, Ele não existe.
Na mesa onde se frequentar muito o jogo, cedo faltará o comer.
A Missão de Continuar a Vida
Ninguém se pode possuir inteiramente, porque se ignora, porque somos um mistério. Para nós mesmos. Podemos sim, ser mais conscientes de uma determinada missão que temos no mundo. Todos nós somos uma missão. Somos a missão de continuar a vida, aperfeiçoando-a, festejando-a e não destruindo-a como se está a fazer hoje. Eu não tenho certezas, mas tenho convicções e uma das minhas convicções mais firmes é que nascemos para a liberdade. E, no entanto, veja o paradoxo: essa liberdade, esse caminho para a liberdade está a ser cada vez mais obscurecido por aquilo que observamos no nosso mundo de hoje. Nós chegamos a esta coisa terrível, o chamado equilíbrio nuclear, que é o jogo de escondidas de duas disponibilidades criminosas para suprimir a humanidade. A humanidade está hoje pronta (parece que está sempre pronta!) para pôr luto por si própria. Isto não é uma forma humana de viver. Esta tragédia tem que ser a sua «húbris», que é, digamos, a arrogância que desencadeia a catástrofe punitiva. E o que me perturba muito, o que me assusta, é que países que subscrevem, que proclamam os direitos humanos, possam entrar num jogo fatal destes, um jogo que se destina a suprimir o homem.
As pessoas importantes fazem sempre mal em se divertir à custa dos inferiores. A troça é um jogo, e o jogo pressupõe a igualdade.
O amor é um jogo; o casamento, um negócio.
Jogo chinês que aumenta a capacidade de jogar xadrez.
Cartas Trocadas para o Marido e para o Amante
Anais,
Uma terrível asneira foi feita. Enviaste a carta para o Hugo, no dia em que chegaste, e mandaste-lhe a minha. O Hugo está freneticamente a tentar entrar em contacto comigo. Mandou a Amélia aqui, que deixou debaixo da porta o bilhete que junto. Ela esteve aqui de manhã e outra vez esta noite. Pensei de manhã que era o próprio Hugo e que ele tinha vindo para me “apanhar”… Por isso, não abri a porta.
Já que eu tinha recebido a carta dele na noite anterior (a tua carta para ele), tive um pressentimento de que as cartas tinham sido postas nos envelopes errados e fiquei apreensivo. Esta noite enviei-lhe a sua carta para o número 18 da Ave. de Versailles, sem dar a minha morada. Não posso dizer nesta carta se chegarei a receber a que me era devida. Espero que sim. Suponho que ele saiba tudo agora. Mas estou a evitá-lo, porque não quero admitir nem negar. Ele deve estar furioso, mas, ao mesmo tempo, num estado terrível. Eu próprio estou exausto de apreensão. Trouxe o Fred para ficar aqui comigo, porque até o Hugo partir vou estar em pulgas. Sei que, se ele me matasse,
Na hora, pensei que um dos encantos da velhice são as provocações que as amigas jovens se permitem, achando que a gente está fora do jogo.