Passagens de Johann Wolfgang von Goethe

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O Lema «Conhece-te a ti mesmo» não Leva a Nada de Proveitoso

Conhece-te a ti mesmo! — De que me há de servir? Se a mim me conhecesse, desatava a fugir. […] Com isto confesso que a grande tarefa — Conhece-te a ti mesmo! —, que soa tão importante, sempre me pareceu suspeita, como um ardil de padres secretamente coligados que quisessem perturbar o homem por meio de exigências inatingíveis e desviá-lo da actividade no mundo externo para uma falsa contemplação interior. [… ] Cada novo objecto, bem observado, abre em nós um novo órgão. Do máximo proveito nesse sentido são, porém, os nossos semelhantes, que têm a vantagem de nos compararem com o mundo a partir de seu próprio ponto de vista, e por isso atingem um melhor conhecimento de nós que nós mesmos podemos alcançar.

Se tomardes a vida com excessiva severidade, que atracção tem? Se a manhã não vos convidar a novas alegrias e se à noite não esperardes nenhum prazer, valerá a pena vestir-se e despir-se?

Reconciliação

A paixão traz a dor! — Quem é que acalma
Coração em angústia que sofreu perda tal?
As horas fugidias — para onde é que voaram?
O que há de mais belo em vão te coube em sorte!
Turbado está o espírito, o agir emaranhado;
O mundo sublime — como foge aos sentidos!

Mas eis, com asas de anjo, surge a música,
Entrelaça aos milhões os sons aos sons
Pra varar, lado a lado, a alma humana
E de todo a afogar em eterna beleza:
Marejado o olhar, na mais alta saudade
Sente o preço divino dos sons e o das lágrimas.

E assim aliviado, nota em breve o coração
Que vive ainda e pulsa e quer pulsar,
Pra ofertar-se de vontade própria e livre
De pura gratidão pela dádiva magnânima.
Sentiu-se então — oh! pudesse durar sempre! —
A ventura dobrada da música e do amor.

Tradução de Paulo Quintela

A Raiz do Ser Nunca se Altera

Pode acontecer que em certos períodos da vida uma pessoa seja asperamente flagelada por circunstãncias públicas ou privadas. Mas o destino, na sua cegueira, quando se abate sobre as paveias de trigo maduro, destrói apenas a palha, enquanto os grãos nem dão por isso e saltam alegremente sobre a eira sem se preocuparem em saber se vão ser levados ao moinho ou lançados à terra na próxima sementeira.

Não te Arrependas

Não te arrependas, Amada, porque a mim tão depressa
te deste!
Podes crer, nem por isso de ti penso coisas insolentes
e vis!
Vária é a acção das setas do Amor: algumas arranham,
E do rastejante veneno languesce pra anos o peito.
Mas, com penas potentes e gume afiado de fresco,
Outras penetram até ao tutano e rápido inflamam
o sangue.
Nos tempos heróicos, quando Deuses e Deusas amavam,
Ao olhar seguia o desejo, ao desejo o prazer.
Crês tu que a Deusa do Amor pensou muito tempo
Quando no bosque de Ida um dia Anquises lhe
agradou?
Se Luna tardasse a beijar o belo dormente,
Auiora, invejosa, em breve o teria acordado.
Hero descobriu Leandro no festim ruidoso, e ligeiro,
Ardente saltou o amante pra a corrente nocturna.
Rhea Sílvia, a virgem princesa, vai descuidosa
Buscar água ao Tibre, e o Deus dela se apossa.
Assim Marte gerou os seus filhos! — Uma loba
amamenta
Os Gémeos, e Roma nomeia-se princesa do mundo.

Tradução de Paulo Quintela