Lento em minha sombra, com a mão exploro
Meus invisíveis traços.
Passagens de Jorge Luis Borges
126 resultadosOs Meus Livros
Os meus livros (que não sabem que existo)
São uma parte de mim, como este rosto
De têmporas e olhos já cinzentos
Que em vão vou procurando nos espelhos
E que percorro com a minha mão côncava.
Não sem alguma lógica amargura
Entendo que as palavras essenciais,
As que me exprimem, estarão nessas folhas
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo.
Mais vale assim. As vozes desses mortos
Dir-me-ão para sempre.
Parece-me fácil viver sem ódio, coisa que nunca senti. Mas viver sem amor acho impossível.
Não há prazer mais complexo que o do pensamento.
Antes, as distâncias eram maiores porque o espaço se media pelo tempo.
Obscuramente livros, lâminas, chaves seguem minha sorte.
Eu não falo de vingança nem de perdão, o esquecimento é a única vingança e o único perdão
É preciso ter cuidado ao escolher os inimigos, porque acabamos por nos parecer com eles.
Para a tarefa do artista, a cegueira não é totalmente negativa, já que pode ser um instrumento.
Nunca releio o que escrevo. Prefiro viver em função do futuro.
Dá o santo aos cães, atira tuas pérolas aos porcos; o que importa é dar.
Os Clássicos da Literatura
As emoções que a literatura suscita são talvez eternas, mas os meios devem variar constantemente, mesmo que lligeiramente, para não perder a sua virtude. Desgastam-se à medida que o leitor os reconhece. Daí o perigo de afirmar que existem obras clássicas que o serão para sempre.
Cada qual descrê da sua arte e dos seus artifícios. Eu, que me resignei a pôr em dúvida a indefinida duração de Voltaire ou de Shakespeare, acredito (nesta tarde de um dos últimos dias de 1965) na de Schopenhauer e na de Berkeley.
Clássico não é um livro (repito-o) que possui necessariamente tais ou tais méritos. É um livro que as gerações dos homens, motivadas por razões diversas, lêem com prévio fervor e com uma misteriosa lealdade.
De todos os instrumentos do homem, o mais surpreendente é, sem dúvida nenhuma, o livro.
Desde aquele dia não movi as peças no tabuleiro.
O Remorso
Cometi o pior desses pecados
Que podem cometer-se. Não fui sendo
Feliz. Que os glaciares do esquecimento
Me arrastem e me percam, despiedados.Plos meus pais fui gerado para o jogo
Arriscado e tão belo que é a vida,
Para a terra e a água, o ar, o fogo.
Defraudei-os. Não fui feliz. CumpridaNão foi sua vontade. A minha mente
Aplicou-se às simétricas porfias
Da arte, que entretece ninharias.Valentia eu herdei. Não fui valente.
Não me abandona. Está sempre ao meu lado
A sombra de ter sido um desgraçado.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
O Apaixonado
Luas, marfins, instrumentos e rosas,
Traços de Dúrer, lampiões austeros,
Nove algarismos e o cambiante zero,
Devo fingir que existem essas coisas.Fingir que no passado aconteceram
Persépolis e Roma e que uma areia
Subtil mediu a sorte dessa ameia
Que os séculos de ferro desfizeram.Devo fingir as armas e a pira
Da epopeia e os pesados mares
Que corroem da terra os vãos pilares.Devo fingir que há outros. É mentira.
Só tu existes. Minha desventura,
Minha ventura, inesgotável, pura.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Aqui também essa desconhecida e ansiosa e breve coisa que é a vida
Não acumules ouro na Terra, porque o ouro é pai do ócio, e este, da tristeza e do tédio.
Nós mudamos incessantemente. Mas se pode afirmar também que cada releitura de um livro e cada lembrança dessa releitura renovam o texto.
O dever de todas as coisas é ser uma felicidade.