Muito daquilo que recebes serå devolvido ao mundo através daquilo que fores capaz de exprimir. Depois do pensamento, as palavras. Aquilo que souberes serå aquilo que dirås.
Passagens de JosĂ© LuĂs Peixoto
226 resultadosSomos passageiros, somos instantes diluĂdos em sĂ©culos de vontades e de destinos.
JĂĄ nĂŁo posso voltar atrĂĄs, porque nunca se pode voltar atrĂĄs. SĂł o arrependimento daquilo que nĂŁo escolhemos persiste, existe.
Pai, Quero que Saibas
Ă o teu rosto que encontro. Contra nĂłs, cresce a manhĂŁ, o dia, cresce uma luz fina. Olho-te nos olhos. Sim, quero que saibas, nĂŁo te posso esconder, ainda hĂĄ uma luz fina sobre tudo isto. Tudo se resume a esta luz ïŹna a recordar-me todo o silĂȘncio desse silĂȘncio que calaste. Pai. Quero que saibas, cresce uma luz ïŹna sobre mim que sou sombra, luz ïŹna a recortar-me de mim, tĂ©nue, sombra apenas. NĂŁo te posso esconder, depois de ti, ainda hĂĄ tudo isto, toda esta sombra e o silĂȘncio e a luz fina que agora Ă©s.
Estamos Atados, Filho
Levar-vos-ei sempre comigo. Olho de frente o Ășltimo raio de sol antes de o sol desaparecer. Penso: um homem Ă© um dia, um homem Ă© o sol durante um dia. E Ă© preciso continuar. Avançam os meus pĂ©s sobre a terra. Filho, dormes ainda, e quis mostrar-te o sol-pĂŽr. Quis mostrar-te a terra, ensinar-te a cor da terra por dentro, porque quem conhece a cor da terra por dentro conhece o mundo e os homens. Filho, o sol desapareceu agora e deixou uma aura vermelha de sangue Ă volta do cabeço onde entrou, e quis ensinar-te que amanhĂŁ estarĂĄ calor. Quis ensinar-te que, se nĂŁo vires as estrelas de noite, espera chuva no dia seguinte. E saberes isto Ă© saberes tudo. SĂŁo estas as poucas coisas que nos dĂŁo a saber. O resto, filho, sĂŁo mistĂ©rios sem explicação. O resto sĂŁo punhais apontados dentro do nevoeiro. O resto sĂŁo punhais que vemos aproximarem-se do nosso peito, e estamos atados, filho.
Uma mentira Ă© como uma semente daninha, Ă© espontĂąnea e sem lei, pode cair em qualquer terreno. AĂ, germina Ă pressa, agarra-se a qualquer torrĂŁo de terra e chupa tudo o que pode, rouba tudo o que for capaz.
A vida Ă© tĂŁo efĂ©mera. A saĂșde Ă© tĂŁo efĂ©mera. Estarmos aqui, em forma, mais ou menos contentes, a ler um livro, Ă© tĂŁo transitĂłrio. A ler um livro, imagine-se. As forças da doença, se quiserem, subjugam-nos e aniquilam-nos em menos de um instante.
A dor: um silĂȘncio de sentido sobre todos os gestos, um abismo a calar o significado de todas as palavras, um vĂ©u a tornar o tempo inĂștil.
Com a chuva, parece que quanto mais se olha para as nuvens, menos elas parecem dispostas a mandar alguma pinguinha de ĂĄgua. Ă assim com a maior parte das coisas. Ă quando a gente se esquece que, de repente…
O passado recusa mestres e proprietårios. Existe um abismo entre as recordaçÔes que guardamos dos mesmos momentos.
O silĂȘncio Ă© como a recordação da mĂŁe para um ĂłrfĂŁo. O silĂȘncio Ă© como a recordação da mĂŁe para qualquer filho. O mundo Ă© pĂĄlido perante o silĂȘncio.
Mas o que Ă© a felicidade? Se a alcançåssemos, serĂamos capazes de possuĂ-la?
Quem fiscaliza tem demasiado poder nos olhos. Se disser que viu, ninguĂ©m pode contradizĂȘ-lo.
O espelho do nosso próprio olhar serve sobretudo para nós. à o mundo que tem a capacidade de nos definir. Nós definimo-lo a ele e, justiça simétrica, ele define-nos a nós.
Penso: o lugar dos homens Ă© uma linha traçada entre o desespero e o silĂȘncio.
Ainda bem que existem pessoas mais interessadas em barragens do que eu. SĂŁo essas pessoas que garantem a existĂȘncia dessas obras imensas que, quando nĂŁo agridem a natureza, sĂŁo um bem de grande valor para toda a gente, mesmo para aqueles que nunca se conseguiram interessar por barragens, como Ă© o meu caso.
Eu morrer nĂŁo Ă© nada na ordem implacĂĄvel do mundo.
A solidão era um céu maior que a noite e onde não havia mais que noite e frio, era um lugar negro que o olhar via.
Guardamos os segredos ao lado de tudo o que nĂŁo dizemos. Nesse grande sĂłtĂŁo escuro hĂĄ de tudo, hĂĄ aquilo que nĂŁo dizemos porque temos medo, porque temos vergonha, porque nĂŁo somos capazes; hĂĄ aquilo que nĂŁo dizemos porque desconhecemos, ignoramos mesmo, apesar de estar lĂĄ, em nĂłs. Os segredos nĂŁo sĂŁo assim. Eles estĂŁo lĂĄ, podemos visitĂĄ-los, assistir a eles, sabemos as palavras exactas para dizĂȘ-los e, muitas vezes, temos tanta vontade de contĂĄ-los. Mas escolhemos nĂŁo o fazer.
Eu preciso de escrever romances. Neste momento da minha vida escrever romances é algo que me faz sentir vålido e me då força para acordar de manhã, para fazer tudo o que não me apetece fazer.