Passagens de José Luís Peixoto

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Frases, pensamentos e outras passagens de José Luís Peixoto para ler e compartilhar. Os melhores escritores estão em Poetris.

Muito daquilo que recebes serå devolvido ao mundo através daquilo que fores capaz de exprimir. Depois do pensamento, as palavras. Aquilo que souberes serå aquilo que dirås.

JĂĄ nĂŁo posso voltar atrĂĄs, porque nunca se pode voltar atrĂĄs. SĂł o arrependimento daquilo que nĂŁo escolhemos persiste, existe.

Pai, Quero que Saibas

É o teu rosto que encontro. Contra nĂłs, cresce a manhĂŁ, o dia, cresce uma luz fina. Olho-te nos olhos. Sim, quero que saibas, nĂŁo te posso esconder, ainda hĂĄ uma luz fina sobre tudo isto. Tudo se resume a esta luz ïŹna a recordar-me todo o silĂȘncio desse silĂȘncio que calaste. Pai. Quero que saibas, cresce uma luz ïŹna sobre mim que sou sombra, luz ïŹna a recortar-me de mim, tĂ©nue, sombra apenas. NĂŁo te posso esconder, depois de ti, ainda hĂĄ tudo isto, toda esta sombra e o silĂȘncio e a luz fina que agora Ă©s.

Estamos Atados, Filho

Levar-vos-ei sempre comigo. Olho de frente o Ășltimo raio de sol antes de o sol desaparecer. Penso: um homem Ă© um dia, um homem Ă© o sol durante um dia. E Ă© preciso continuar. Avançam os meus pĂ©s sobre a terra. Filho, dormes ainda, e quis mostrar-te o sol-pĂŽr. Quis mostrar-te a terra, ensinar-te a cor da terra por dentro, porque quem conhece a cor da terra por dentro conhece o mundo e os homens. Filho, o sol desapareceu agora e deixou uma aura vermelha de sangue Ă  volta do cabeço onde entrou, e quis ensinar-te que amanhĂŁ estarĂĄ calor. Quis ensinar-te que, se nĂŁo vires as estrelas de noite, espera chuva no dia seguinte. E saberes isto Ă© saberes tudo. SĂŁo estas as poucas coisas que nos dĂŁo a saber. O resto, filho, sĂŁo mistĂ©rios sem explicação. O resto sĂŁo punhais apontados dentro do nevoeiro. O resto sĂŁo punhais que vemos aproximarem-se do nosso peito, e estamos atados, filho.

Uma mentira Ă© como uma semente daninha, Ă© espontĂąnea e sem lei, pode cair em qualquer terreno. AĂ­, germina Ă  pressa, agarra-se a qualquer torrĂŁo de terra e chupa tudo o que pode, rouba tudo o que for capaz.

A vida Ă© tĂŁo efĂ©mera. A saĂșde Ă© tĂŁo efĂ©mera. Estarmos aqui, em forma, mais ou menos contentes, a ler um livro, Ă© tĂŁo transitĂłrio. A ler um livro, imagine-se. As forças da doença, se quiserem, subjugam-nos e aniquilam-nos em menos de um instante.

A dor: um silĂȘncio de sentido sobre todos os gestos, um abismo a calar o significado de todas as palavras, um vĂ©u a tornar o tempo inĂștil.

Com a chuva, parece que quanto mais se olha para as nuvens, menos elas parecem dispostas a mandar alguma pinguinha de ĂĄgua. É assim com a maior parte das coisas. É quando a gente se esquece que, de repente…

O silĂȘncio Ă© como a recordação da mĂŁe para um ĂłrfĂŁo. O silĂȘncio Ă© como a recordação da mĂŁe para qualquer filho. O mundo Ă© pĂĄlido perante o silĂȘncio.

O espelho do nosso prĂłprio olhar serve sobretudo para nĂłs. É o mundo que tem a capacidade de nos definir. NĂłs definimo-lo a ele e, justiça simĂ©trica, ele define-nos a nĂłs.

Ainda bem que existem pessoas mais interessadas em barragens do que eu. SĂŁo essas pessoas que garantem a existĂȘncia dessas obras imensas que, quando nĂŁo agridem a natureza, sĂŁo um bem de grande valor para toda a gente, mesmo para aqueles que nunca se conseguiram interessar por barragens, como Ă© o meu caso.

Guardamos os segredos ao lado de tudo o que nĂŁo dizemos. Nesse grande sĂłtĂŁo escuro hĂĄ de tudo, hĂĄ aquilo que nĂŁo dizemos porque temos medo, porque temos vergonha, porque nĂŁo somos capazes; hĂĄ aquilo que nĂŁo dizemos porque desconhecemos, ignoramos mesmo, apesar de estar lĂĄ, em nĂłs. Os segredos nĂŁo sĂŁo assim. Eles estĂŁo lĂĄ, podemos visitĂĄ-los, assistir a eles, sabemos as palavras exactas para dizĂȘ-los e, muitas vezes, temos tanta vontade de contĂĄ-los. Mas escolhemos nĂŁo o fazer.

Eu preciso de escrever romances. Neste momento da minha vida escrever romances é algo que me faz sentir vålido e me då força para acordar de manhã, para fazer tudo o que não me apetece fazer.