Segunda Nota Explicativa
Se uma palavra toca noutra ou mesmo sem tocar
lhe queda próxima, pÔem-se as duas
a dedilhar lembranças na åria
da carne azada.Passa-se isto
na poesia dos poetas e na linguagem
da rua. Os ganhos
sĂŁo mĂștuos e ficam mal lembradosou julgados inconvenientes se
pouco prosados ultrapassam
a discreta função de fundo
musical na paisagem ambiente.Ganham em sentidos o que perdem
em concisĂŁo. Para que servem os muros
que nos cercam senĂŁo para dar ganas
de os saldar?
Passagens de JĂșlio Pomar
5 resultadosOlhar e Sentir
Olhar e sentir
por dentro do corpo a massa de que Ă© feito o avesso dele.
Ossos mĂșsculos nervos veias
tudo o que estĂĄ no corpo e mundo Ă©
a pintura contém e depÔe na tela e
se acaso aĂ o pintor deixou reservas
nesse sem nada o avesso do mundo se
recolhe e mostra a face.
Do Fim dos Segredos
Quando se conta a outrem um segredo este
desmaia: a palavra
torna-se pele
sem leĂŁo lĂĄ dentro.NĂŁo Ă© mais segredo e nĂŁo o sendo
finge ser lembrança
de fabrico imperfeito:
um cliqueti no silĂȘncio escancaraa dantes inamovĂvel porta
e virada a pĂĄgina acha-se apenas
uma moeda
que nĂŁo corre jĂĄ.
NĂŁo Ă© para Contar uma EstĂłria que tu Escreves
NĂŁo Ă© para contar uma estĂłria que tu escreves
e eu pinto
nem para nos apontarem a dedo que limamos
o bico aos pregos no avesso do mundo, nem a terra
Ă© o centro deste. O universo nĂŁo usa
adereços de cena
nem liga a espelhos. Tem mais que fazer
que nos copiar e tĂŁo-pouco ao fado pois ele Ă©
velho, nĂŁo tem dentes, e tresanda
ao ranço de uma açorda
salgada e sem coentros.
Se a Luz Tivesse Beiços
Se a luz tivesse beiços rir-se-ia
de quem fecha os olhos para ver
do claro dia apenas sombra e esquivando o perigo
de uma relação Ăntima com a dĂșvidanĂŁo ousou nunca
dar-lhe o braço, para não sentir
o corpo dela a enlaçar o seu, e provar-lhe
da carne o inesperado gosto.