O Nobre Patriotismo dos Patriotas
Há em primeiro lugar o nobre patriotismo dos patriotas: esses amam a pátria, não dedicando-lhe estrofes, mas com a serenidade grave e profunda dos corações fortes. Respeitam a tradição, mas o seu esforço vai todo para a nação viva, a que em torno deles trabalha, produz, pensa e sofre: e, deixando para trás as glórias que ganhámos nas Molucas, ocupam-se da pátria contemporânea, cujo coração bate ao mesmo tempo que o seu, procurando perceber-lhe as aspirações, dirigir-lhe as forças, torná-la mais livre, mais forte, mais culta, mais sábia, mais próspera, e por todas estas nobres qualidades elevá-la entre as nações. Nada do que pertence à pátria lhes é estranho: admiram decerto Afonso Henriques, mas não ficam para todo o sempre petrificados nessa admiração: vão por entre o povo, educando-o e melhorando-o, procurando-lhe mais trabalho e organizando-lhe mais instrução, promovendo sem descanso os dois bens supremos – ciência e justiça.
Põem a pátria acima do interesse, da ambição, da gloríola; e se têm por vezes um fanatismo estreito, a sua mesma paixão diviniza-os. Tudo o que é seu o dão à pátria: sacrificam-lhe vida, trabalho, saúde, força, o melhor de si mesmo. Dão-lhe sobretudo o que as nações necessitam mais,
Passagens sobre Justiça
371 resultadosA Imensa Imoralidade da Existência
Viver era como correr em círculo num grande labirinto, esse género de labirinto para crianças que se vê em certos parques de jogos modernos; em cima de uma pedra no meio do labirinto há uma pedra brilhante; os míudos chegam com as faces coradas, cheios de uma fé inabalável na honestidade do labirinto e começam a correr com a certeza de alcançarem dentro de pouco tempo o seu alvo. Corremos, corremos, e a vida passa, mas continuaremos a correr na convicção de que o mundo acabará por se mostrar generoso para quem correr sem desãnimo, e quando por fim descobrimos que o labirinto só aparentemente tende para o ponto central, é tarde demais – de facto, o construtor do labirinto esmerou-se a desenhar várias pistas diferentes, das quais só uma conduz à pérola, de modo que é o acaso cego e não a justiça lúcida o que determina a sorte dos que correm.
Descobrimos que gastámos todas as nossas forças a realizar um trabalho perfeitamente inútil, mas é muito tarde já para recuarmos. Por isso não é de espantar que os mais lúcidos saiam da pista e suprimam algumas voltas inúteis para atingirem o centro cortando caminho. Se dissermos que se trata de uma acção imoral e maldosa,
O alimento da alma é a verdade e a justiça.
Felicidade e Prazer
Devemos estudar os meios de alcançar a felicidade, pois, quando a temos, possuímos tudo e, quando não a temos, fazemos tudo por alcançá-la. Respeita, portanto, e aplica os princípios que continuadamente te inculquei, convencendo-te de que eles são os elementos necessários para bem viver. Pensa primeiro que o deus é um ser imortal e feliz, como o indica a noção comum de divindade, e não lhe atribuas jamais carácter algum oposto à sua imortalidade e à sua beatitude. Habitua-te, em segundo lugar, a pensar que a morte nada é, pois o bem e o mal só existem na sensação. De onde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte nada ser nos permite fruir esta vida mortal, poupando-nos o acréscimo de uma ideia de duração eterna e a pena da imortalidade. Porque não teme a vida quem compreende que não há nada de temível no facto de se não viver mais. É, portanto, tolo quem declara ter medo da morte, não porque seja temível quando chega, mas porque é temível esperar por ela.
É tolice afligirmo-nos com a espera da morte, visto ser ela uma coisa que não faz mal, uma vez chegada. Por conseguinte, o mais pavoroso de todos os males,
Vítimas e Vencidos
A ilusão constante da Revolução está em acreditar que as vítimas da força, estando inocentes das violências que se exercem, se lhes colocássemos na mão a força, a manuseariam com justiça. Mas à excepção das almas que estão bastante próximas da santidade, as vítimas são maculadas pela força como os carrascos. O mal que se encontra no punho da espada é transmitido para a ponta. E as vítimas, chegadas assim a este ponto e inebriadas pela mudança, fazem tanto mal ou mais ainda, e de imediato reincidem.
(…) O socialismo consiste em atribuir o bem aos vencidos, e o racismo aos vencedores. Mas a asa revolucionária do socialismo serve-se daqueles que, ainda nascidos em baixo, são por natureza e por vocação vencedores, e assim conduz à mesma ética.
Nem Sequer Sou Poeira
Não quero ser quem sou. A avara sorte
Quis-me oferecer o século dezassete,
O pó e a rotina de Castela,
As coisas repetidas, a manhã
Que, prometendo o hoje, dá a véspera,
A palestra do padre ou do barbeiro,
A solidão que o tempo vai deixando
E uma vaga sobrinha analfabeta.
Já sou entrado em anos. Uma página
Casual revelou-me vozes novas,
Amadis e Urganda, a perseguir-me.
Vendi as terras e comprei os livros
Que narram por inteiro essas empresas:
O Graal, que recolheu o sangue humano
Que o Filho derramou pra nos salvar,
Maomé e o seu ídolo de ouro,
Os ferros, as ameias, as bandeiras
E as operações e truques de magia.
Cavaleiros cristãos lá percorriam
Os reinos que há na terra, na vingança
Da ultrajada honra ou querendo impor
A justiça no fio de cada espada.
Queira Deus que um enviado restitua
Ao nosso tempo esse exercício nobre.
Os meus sonhos avistam-no. Senti-o
Na minha carne triste e solitária.
Seu nome ainda não sei. Mas eu, Quijano,
Serei o paladino.
A injustiça é relativamente fácil de suportar; o que pinica é a justiça.
A Opinião Pura e Elevada
A opinião que se emite ou a regra que se estabelece não tem que se importar com as circunstâncias em que se encontram os homens nem com as possibilidades de acolhimento ou recusa que o mundo lhe oferece; o que é hoje grão seco levanta-se amanhã sobre as ondas do campo como a espiga mais alta e mais cheia; o culto da verdade não se compadece com a adoração dos deuses que presidem aos dias nem com a vã agitação que é de regra no formigueiro humano; cada um tomará o que se diz como quiser; a sua atitude, porém, só interessará enquanto fenómeno base para uma nova legalidade.
Não há aqui nem indiferença, nem egoísmo; é mais larga a alma que a par do amor dos homens actuais sente vibrar o amor dos homens do futuro, mais forte o espírito que se orienta para o eterno; a justiça sempre o terá a seu lado armado de todas as armas, não porque sinta para ela um impulso momentâneo mas porque a defende em qualquer tempo; e sempre se há-de recusar, sejam quais forem as razões, a passar em claro uma injustiça ou a servir-se de qualquer meio, apenas porque tal proceder se aparenta vantajoso aos seus interesses ou aos interesses dos seus amigos.
A liberdade não tem verdadeiros direitos fora dos que emanam da justiça; o seu dever principal é servir-lhe de salvaguarda.
A justiça sem força, e a força sem justiça: desgraças terríveis!
As Lágrimas e os Homens
Vede que misteriosamente puseram as lágrimas nos olhos a Natureza, a Justiça, a Razão, a Graça. A Natureza para remédio; a Justiça para castigo; a Razão para arrependimento; a Graça para triunfo. Como pelos olhos se contrai a mácula do pecado, pôs a Natureza nos olhos as lágrimas, para que com aquela água se lavassem as manchas: como pelos olhos se admite a culpa, pôs a Justiça nos olhos as lágrimas para que estivesse o suplício no mesmo lugar do delito: como pelos olhos se concebe a ofensa, pôs a Razão nos olhos as lágrimas, para que onde se fundiu a ingratidão, a desfizesse o arrependimento: e como pelos olhos entram os inimigos à alma, pôs a Graça nos olhos as lágrimas, para que pelas mesmas brechas onde entraram vencedores, os fizesse sair correndo. Entrou Jonas pela boca da baleia pecador; saía Jonas pela boca da baleia arrependido. Razão é logo e Justiça, e não só Graça, senão Natureza, que pois os olhos são a fonte universal de todos os pecados, sejam os rios de suas lágrimas a satisfação também universal de todos; e que paguem os olhos por todos chorando, já que pecaram em todos vendo: Quo fonte manavit nefas,
Os Sábios Célebres
Todos vós, os sábios célebres, nunca fostes mais do que os servidores do povo e da superstição popular, e não os servidores da verdade. E é precisamente por isso que vos têm honrado.
E por isso também foi tolerada a vossa incredulidade, porque parecia uma brincadeira, um rodeio engenhoso que vos levava ao povo. Assim o amo dá maior liberdade aos seus escravos e regozija-se até com a sua presunção.
Mas aquele que o povo odeia, com o ódio do lobo pelos cães, é o espírito livre, inimigo das algemas, aquele que não adora, aquele que habita as florestas.
Persegui-lo até ao seu esconderijo, é aquilo a que o povo, sempre chamou ter o «sentido de justiça»; e ainda por cima dão caça ao solitário com os seus ferozes mastins.
‘Porque a verdade está onde o povo está! Ai daqueles que a procuram!’ – é isto o que ecoa através dos tempos.
Queríeis assentar na razão a piedade tradicional do vosso povo e é a isso que chamais «a vontade de verdade», ó sábios célebres!
E o vosso coração insiste em dizer para si próprio: ‘Eu vim do povo, foi também do povo que me veio a voz de Deus.’
O Homem Honroso
O homem honroso dá atenção especial a nove coisas. Dedica-se a ver bem o que olha, a ouvir bem o que escuta; cuida para ter uma aparência afável, para ter uma atitude deferente, para ser sincero nas suas palavras, para ser diligente nas suas acções; no meio das suas dúvidas, tem o cuidado de interrogar; quando está descontente, pensa nas consequências desastrosas da cólera; frente a um bem a obter, lembra-se da justiça.
(…) Buscar o bem, como se temêssemos não conseguir alcançá-lo; evitar o mal, como se tivéssemos enfiado a mão na água fervente; é um princípio que eu vi ser posto em prática e que aprendi. Viver isolado na busca do seu ideal, praticar a justiça, a fim de realizar a sua Via, é um princípio que aprendi, mas ainda não vi ninguém segui-lo.
Um Sério Pensamento de Governo
Para nós não há acusações falsas como arma política, nem factos que não sejam os verificados, nem promessas que não sejam a antecipação de propósito amadurecido e de plano seguramente realizado.
Se somos contra os abusos, as injustiças, as irregularidades da administração, o favoritismo, a desordem, a imoralidade, isto corresponde a um sério pensamento de governo e não a uma atitude política à sombra da qual cometamos os mesmos abusos e as mesmas injustiças. Ai dos que fingem abraçar estes princípios de salvação nacional, e dizem acompanhar-nos na obra revolucionária, e sabem que queremos ir ousadamente pelas reformas sociais elevando o nível económico e moral do povo, e no fundo pretendem apenas adormecer na esperança as reivindicações mais vivas e aproveitar a paz que lhes conquistámos para esquecer as exigências da justiça. Esses não são nossos, nem estão connosco.
A justiça cobrirá a terra como a água cobre o mar Eu não quero o sucesso, o sucesso não me diz nada Muitas pessoas tem sucesso mais vivem como mortos
Quando a ordem é injusta, a desordem é já um princípio de justiça.
A justiça é cega.
A justiça protege o justo como uma capa o resguarda da chuva.
Não existirá justiça enquanto um homem com uma faca ou uma arma puder destruir aqueles que são mais fracos do que ele.
Crítica e Auto-Crítica
Assim como o homem carrega o peso do próprio corpo sem o sentir, mas sente o de qualquer outro corpo que quer mover, também não nota os próprios defeitos e vícios, mas só os dos outros. Entretanto, cada um tem no seu próximo um espelho, no qual vê claramente os próprios vícios, defeitos, maus hábitos e repugnâncias de todo o tipo. Porém, na maioria da vezes, faz como o cão, que ladra diante do espelho por não saber que se vê a si mesmo, crendo ver outro cão.
Quem critica os outros trabalha em prol da sua própria melhoria. Portanto, quem tem a inclinação e o hábito de submeter secretamente a conduta dos outros, e em geral também as suas acções e omissões, a uma atenta e severa crítica, trabalha na verdade em prol da própria melhoria e do próprio aperfeiçoamento, pois possui o suficiente de justiça, ou de orgulho e vaidade, para evitar o que amiúde censura com tanto rigor.