Procuro-te
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
Passagens sobre Juventude
247 resultadosNa juventude e na beleza a sabedoria é escassa
Estar Assim, Assente na Saudade
Estar assim, assente na saudade,
com todo o peso repousando em si,
a prende à luz da sua antiguidade
parando na de aqui.Concentra-se na sua densidade.
A tarde, à volta, ilustra no perfil
uma penumbra de profundidade
de onde o azul aviva a luz de Abril.E a juventude adensa-se na tarde.
Agrava, ao lume duma paz antiga,
o modelado meditar. O ar deestar ao centro de um amor que diga
quanto está perto da sua eternidade
este toque de luz na rapariga.
A juventude é um disparate, a idade adulta uma batalha, a velhice uma saudade.
A Vida Raramente depende da Inciativa dos Homens
Poucas pessoas saberão, a meio da vida, como chegaram a ser o que são, aos seus prazeres, à sua visão do mundo, à sua mulher, ao seu carácter, à sua profissão e aos seus êxitos; mas sentem que a partir daí as coisas já não irão mudar muito. Poderia mesmo afirmar-se que foram enganadas, porque não se consegue descobrir em lugar nenhum a razão suficiente para que tudo tenha acontecido como aconteceu, quando teria sido perfeitamente possível ter acontecido de outra forma. O que acontece, aliás, raramente depende da iniciativa dos homens, mas quase sempre das mais variadas circunstâncias, dos caprichos, da vida e da morte de outras pessoas, e, de certo modo, limita-se a vir ter connosco naquele preciso momento. Na juventude, a vida está ainda à nossa frente como uma manhã inesgotável, plena de possibilidades e de vazio; mas logo ao meio-dia algo se anuncia que reclama ser a nossa própria vida, mas que é tão surpreendente como uma pessoa com quem nos correspondemos durante vinte anos sem a conhecer, e que um belo dia, de repente, temos diante de nós e constatamos que é completamente diferente do que havíamos imaginado.
Mas o mais estranho é que a maior parte das pessoas nem dêem por isso;
A Ilusão da Consistência da Obra do Escritor
O homem não é permanentemente igual a si mesmo. A velha concepção dos carácteres rectilíneos e das mentalidades cristalizadas em sistemas imutáveis abriu falência. Tudo muda, no espaço e no tempo. Para um organismo vivo, existir – mesmo no ponto de vista somático – é transformar-se. Quando começamos cedo e envelhecemos na actividade das letras, não há um nós apenas um escritor; há, ou houve, escritores sucessivos, múltiplos e diversos, representando estados de evolução da mesma mentalidade incessantemente renovada. Ao chegar a altura da vida em que a estabilização se opera, olhamos para trás, e muitas das nossas próprias obras parecem-nos escritas por um estranho, tão longe se encontram já, não apenas dos nossos processos literários, mas do nosso espírito, das nossas tendências, da nossa orientação, dos nossos pontos de vista éticos e estéticos.
Nesse exame retrospectivo, por vezes doloroso, se de algumas coisas temos de louvar-nos – obras a que a nossa mocidade comunicou a chama viva do entusiasmo e da paixão -, de outras somos forçados a reconhecer a pobreza da concepção, os vícios da linguagem, as carências da técnica, e tantas vezes (poenitet me!) as audácias, as incoerências, as injustiças, as demasias, a licença de certas pinturas de costumes e o erro de certas atitudes morais.
Soneto
(Lendo o “Poema de Maio”)
Na rua em funeral ei-la que passa,
A romaria eterna dos aflitos,
A procissão dos tristes, dos proscritos,
Dos romeiros saudosos da desgraça.E na choça a lamúria que traspassa
O coração, além, ânsias e gritos
De mães que arquejam sobre os probrezitos
Filhos que a Fome derrubou na praça.Entre todos, porém, lânguida e bela,
Da juventude a virginal capela
A lhe cingir de luz a fronte baça,Vai Corina mendiga e esfarrapada,
A alma saudosa pelo amor vibrada,
– A Stella Matutina da Desgraça!
O Cansaço da Literatura
Entre os sinais que me avisam de que a juventude terminou, o principal é aperceber-me de que a literatura já não me interessa verdadeiramente. Quero dizer que já não abro os livros com aquela viva e ansiosa esperança de coisas espirituais que, apesar de tudo, outrora sentia. Leio e quereria ler cada vez mais, mas já não recebo as várias experiências com entusiasmo, já não as fundo num sereno tumulto pré-poético. A mesma coisa acontece-me ao passear por Turim; já não sinto a cidade como um incentivo sentimental e simbólico para a criação. Já está feito, dá-me vontade de responder de cada vez.
Tomadas em justa conta as minhas várias equimoses, obsessões, fadigas e terrenos estéreis, resulta claro que já não sinto a vida como uma descoberta e, muito menos, então, como poesia – mas, antes, como um frio material para especulações, análises e deveres. Aqui encalha, agora, a minha vida: a política, a prática, tudo coisas que se aprendem nos livros, mas os livros não alimentam como o faz, pelo contrário, a esperança de criação.
Ora, quando novo, procurava um sistema ético: descoberta a posição do impassível explorador, vivia-a e desfrutava-a sob a forma de criação. Agora,
A força dos povos bárbaros reside na sua juventude.
O Planeta da Inexperiência
Primeiro título pensado para A Insustentável Leveza do Ser: «O Planeta da Inexperiência». A inexperiência como uma qualidade da condição humana. Nascemos uma vez por todas, nunca poderemos recomeçar uma outra vida com as experiências da vida anterior. Saímos da infância sem sabermos o que é a juventude, casamo-nos sem sabermos o que é ser casado, e mesmo quando entramos na velhice, não sabemos para onde vamos: os velhos são crianças inocentes da sua velhice. Neste sentido, a terra do homem é o planeta da inexperiência.
É Absurdo Falar da Ignorância da Juventude
Para recuperar a minha juventude era capaz de fazer tudo no mundo, excepto ginástica, levantar-me cedo, ou ser respeitável. A Juventude! Não há nada que se lhe compare. É absurdo falar da ignorância da juventude. Hoje em dia só tenho algum respeito pelas opiniões das pessoas muito mais novas do que eu. Parecem-me estar à minha frente. A vida revelou-lhes a sua última maravilha. Quanto aos velhos, contradigo-os sempre. É uma questão de princípio. Se lhe pedirmos opinião sobre uma coisa que aconteceu ontem, eles dão-nos solenemente as opiniões correntes em 1820, quando as pessoas usavam golas altas, acreditavam em tudo e não sabiam absolutamente nada.
A sujeição que na juventude e na idade madura nos penetra no coração e no espírito, o mau uso e a sufocação que impõe às nossas energias mais nobres, dão-nos um maravilhoso sentimento do valor que temos quando conseguimos apesar de tudo realizar os nossos melhores desejos.
O alimento da juventude é a ilusão.
Não se pode pagar o mal às prestações – e, no entanto, as pessoas tentam isso sem parar. Seria concebível que Alexandre, o Grande, a despeito dos êxitos guerreiros da sua juventude, do excelente exército que formou, das forças que sentia dentro de si para mudar o mundo, tivesse estacado às margens do Helesponto e jamais o tivesse atravessado, na verdade não por medo, indecisão ou falta de energia, mas por causa da força da gravidade.
A insensatez da juventude. Medo da juventude, medo da insensatez, do surgir sem sentido de uma vida inumana.
Não posso admitir que se olhe para o desemprego como se fosse uma realidade abstracta. O desemprego são desempregados! E um desempregado, sobretudo de longa duração, é um homem que, pouco a pouco, perde a sua autodignidade, perde respeito por si e pelos outros. Num jovem é muito pior: sente que lhe estão a roubar o futuro. E daqui resulta ou a desistência, a passividade, ou a evasão perversa, ou a revolta. Em muitos países as grandes revoltas foram feitas pela juventude, que não aceita que lhe roubem o futuro!
Na juventude aprendemos, com a idade compreendemos.
Quarenta Anos
a Carlos Nejar
Sinto a velhice em mim oculta e rude
em meio ao sol e ao riso da manhã,
nesse engano das horas, nessa vã
esperança de eterna juventude
que se desfaz de mim, e sou maça
mordida, podre, e rio e não me ilude
esse carinho, essa algazarra. O alude
dentro de mim começa. Mesmo sã,
a estrutura se abala em sombra e ruga
e os caminhos só descem, pesa o fardo,
e entre cinzas de mim, alheio, ardo,
de um fogo já morrente em sua fuga.Mesquinho embora, curvo e pungitivo,
meu corpo vibra e se deseja vivo.
Como Provar a Vida
Com a idade, como castigo dos excessos da juventude mas também como consolação, começa-se a provar as coisas que dantes se consumiam sem pensar. Até quase morrer de uma hepatite alcóolica eu bebia «whiskey» como se fosse água: o «uisce beatha» gaélico; a água da vida. Agora, com o fígado restaurado por anos de abstinência, apenas provo.
Suspeito que seja assim com todos os prazeres – até o de acordar bem disposto ou passar um dia sem dores ou respirar como se quer ou não precisar de mais ninguém para funcionar. Parecem prazeres pequenos quando ainda temos prazeres maiores com os quais podemos compará-los. Mas tornam-se prazeres enormes quando são os únicos de que somos capazes.
Sei que a última felicidade de todos nós será repararmos no último momento em que conseguimos provar a vida que vivemos e achá-la – não tanto apesar como por causa de tudo – boa.
A juventude é uma idade horrível que apreciamos apenas no momento em que sentimos saudade dela.