Soneto Do Poeta Brasileiro
NĂŁo sou viril somente nas poesias.
Quero dormir contigo, pois teus pés
amassavam pitangas e trazias
no corpo inteiro a marca das marés.Disseste que comigo casarias
– amor na cama, beijos, cafunĂ©s.
Entre-sombras de carne oferecias
tão navegåveis como igarapés.Minha morena até dizer que não,
o nosso amor demais me recordava
duas lagoas onde me banhei.Sou macho e brasileiro, coração:
em teu olhar eu nu e forte estava
e foi assim, morena, que te amei.
Passagens de LĂȘdo Ivo
29 resultadosSoneto Da Enseada
Sou sempre o que estå além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pĂŽr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imĂłvel no jardim.De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida Ă© simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigĂlia ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?
Soneto De Abril
Agora que Ă© abril, e o mar se ausenta,
secando-se em si mesmo como um pranto,
vejo que o amor que te dedico aumenta
seguindo a trilha de meu prĂłprio espanto.Em mim, o teu espĂrito apresenta
todas as sugestÔes de um doce encanto
que em minha fonte nĂŁo se dessedenta
por nĂŁo ser fonte d’ĂĄgua, mas de canto.Agora que Ă© abril, e vĂŁo morrer
as formosas cançÔes dos outros meses,
assim te quero, mesmo que te escondas:amar-te uma sĂł vez todas as vezes
em que sou carne e gesto, e fenecer
como uma voz chamada pelas ondas.
Não tenho mais cançÔes de amor.
Soneto Presunçoso
Que forma luminosa me acompanha
quando, entre o lusco e o fusco, bebo a voz
do meu tempo perdido, e um rio banha
tudo o que caminhei da fonte à foz?Dos homens desde o berço enfrento a sanha
que os difere da abelha e do albatroz.
Meu irmĂŁo, meu algoz! No perde-e-ganha
quem ganhou, quem perdeu, nĂŁo fomos nĂłs.O mundo nada pesa. Atlas, sinto
a leveza dos astros nos meus ombros.
Minha alma desatenta Ă© mais pesada.Quer ganhe ou perca, sou verdade e minto.
Se pergunto, a resposta Ă© dos assombros.
No sol a pino finjo a madrugada.
Soneto Da Conciliação
Que o amor nĂŁo me iluda, como a bruma
que esconde uma imprevista segurança.
Antes, sustente o chĂŁo em que descansa
o que se irĂĄ, perdido como a espuma.Veja que eu me elegi, mas sem nenhuma
razão de assim fazer, e sem lembrança
de aproveitar apenas a esquivança
de que o amor não prescinde em parte alguma.Que também não se alheie ao que esclarece
o motivo real, de uma oferta,
reunir o acessĂłrio e o imprescindĂvel.Antes, atente a tudo o que se tece
distante do seu dia inconsumĂvel
que dĂĄ certeza Ă noite mais incerta.
Os Sinais
Saibam quantos vivem
neste mundo imenso:
Deus nĂŁo cheira a incenso.
Ă no estrume fresco
e na alga viscosa
que devemos ver
os sinais divinos
com os olhos de quando
Ă©ramos meninos.
Soneto De Roma
Felizes os que chegam de mĂŁos dadas
como se fosse o instante da partida
e entre as fontes que jorram a ĂĄgua clĂĄssica
dĂŁo em silĂȘncio adeus Ă claridade.No dourado crepĂșsculo da tarde
o que nos dividiu agora Ă© soma
e a vida que te dei e que me deste
voa entre os pombos no fulgor de Roma.Todo fim é começo. A ågua da vida
eterna e musical sustenta o instante
que triunfa da morte nas ruĂnas.Como o verĂŁo sucede Ă neve fria
um sol final aquece o nosso amor,
devolução da aurora e luz do dia.
Soneto Da Mulher E A Nuvem
A JoĂŁo Cabral de Melo Neto
Nuvem no céu do nunca, nem tão branca
– assim era o amor, Ă minha espreita,
e era a mulher, de nuvens sempre feita
e de véus e pudor que o amor arranca.Não pude amå-la, pois não era franca
a sua carne que o amor aceita,
nuvem que um céu de amor sempre atravanca
e entre praias e pùntanos se deita.Bruma de carne, em vão céu de tormento,
parindo fogo aos meus dezesseis anos,
assim foi ela, sem deixar seu nome.Nunca foi minha, e sĂł em pensamento
eu pude dar-lhe o amor de desenganos
que me deixou no corpo espanto e fome.