A Vantagem do Aforismo
Conviria talvez distinguir entre os aforismos e não os adorar a todos igualmente nem passar sobre todos a mesma condenação desdenhosa. O aforismo nem sempre traduz o desprezo da razão ou uma mal entendida liberdade. Há aforismos que são como pequenos capítulos do livro que se quereria escrever, como fotografias tiradas momento a momento dos passos de um homem que marcha direito e firme pela sua estrada; podem ser tão logicamente encadeados entre si, constituir tão seguro edifício como o tratado que se vai completando no vagar e no silêncio. Há porventura até algum merecimento a descobrir neste método; porei em primeiro lugar a tendência que nele pode haver para uma fuga da retórica, para uma negativa ante o desejo de encher mais uma página; a métopla do templo, com o seu fixo, restrito quadro, leva o artista a concentrar-se, a exprimir o máximo de ideias no mínimo de figuras e gestos. Por outro lado, é inegável que a obra extensa é pouco acessível àqueles mesmos que mais precisam de cultura, que duas ou três frases, esplêndidas no seu isolamento, enérgicas e nítidas, lhes ficam mais gravadas no espírito do que longos monólogos.
Passagens sobre Liberdade
867 resultadosO valor essencial da liberdade sem a igualdade torna-se aristocrático privilégio de uns quantos.
Se os homens, que a providência enobreceu com o diadema do génio e com a realeza da inspiração, não devessem por instinto amar a liberdade, os tempos e as nações em que ela chega um dia a dominar, lhes ensinariam por nobres exemplos a segui-la por egoísmo e a venerá-la por gratidão.
Eu perdi a liberdade de não ter uma opinião.
Pelo grau de liberdade de que gozam as mulheres, se mede rigorosamente, em cada país, em cada século, o grau de civilização que os homens atingiram.
Não existe nenhum passeio fácil para a liberdade em lado nenhum, e muitos de nós teremos que atravessar o vale da sombra da morte vezes sem conta até que consigamos atingir o cume da montanha dos nossos desejos.
Mente ou Pedra
Esta cidade é conhecida em todos os arredores por possuir as maiores estrebarias para bois, vacas e cavalos, construções que não ficam a dever nada nem sequer aos edifícios públicos; por outro lado contam-se aqui pelos dedos os locais onde se pode rezar ou discursar com total liberdade.
Em vez de se autocelebrarem por meio da arquitectura, não deveriam as nações fazê-lo pelo poder do seu pensamento abstracto? O Bagavad-Gita é muito mais admirável do que todas as ruínas do oriente. Torres e templos são luxo de príncipes. A mente simples e livre não moureja sob as ordens de nenhum príncipe. O espírito não é privilégio de nenhum imperador, nem são exclusivos deste, a não ser em insignificante medida, a prata, o ouro e o mármore. Com que finalidade, digam-me lá, se talha tanta pedra?
Quando estive na Arcádia, não vi pedras a serem lavradas. As nações são possuídas pela louca ambição de perpetuarem a sua memória com a soma das esculturas que deixam. Que tal se esforços semelhantes fossem despendidos no sentido de aperfeiçoar e polir a sua conduta? Uma obra de bom senso seria mais memorável que um momumento da altura da Lua. Prefiro contemplar as pedras no seu local de origem.
O cinema é mundano. E a santidade é a fuga do mundano. É o desprendimento – o sentimento de liberdade mais profundo – de tudo quanto é mundano, da vida, das atracções. É separar-se de tudo. Por trás do cinema e do autor está a vaidade. Basta isso para destruir tudo. Ele faz isto – gosta de receber prémios, de receber elogios, que compreendam os seus filmes. E isso é mundano – é deste mundo –, a santidade não é deste mundo.
Nós temos medo de nos governarmos, é claro. É tão difícil. Queremos logo desistir da nossa liberdade. Não é sequer liberdade verdadeira, porque não é acompanhada de compreensão. É apenas uma condição preliminar de liberdade. Mas odiamo-la. E em breve fugimos, escolhemos um senhor, rolamos no chão e pedimos o chicote. (…) Não é o amor que nos dá o cansaço da vida. É a nossa incapacidade de sermos livres.
Nada é mais contagioso que o exemplo, e nunca fazemos grande bem nem grande mal sem produzir outros semelhantes. Imitamos as boas acções por emulação e as más pela malignidade da nossa natureza que a vergonha conservava prisioneira, e que o exemplo põe em liberdade.
É Inútil Querer Parar o Homem
É inútil querer parar o Homem,
o que transforma a pedra em piso,
o piso em casa e a casa em fonte
de novas músicas da carne
sob as velocidades da luz e da sombra.
É inútil querer parar o Homem
acolher sempre um pouco de si próprio
no mistério da vida a cavalgar
os cavalos aéreos da semântica
sob uma indeferida eternidade.
É inútil querer parar o Homem
e o impulso que o transforma sempre
na pátria sem fim do ato livre
que arranca a vida e o tempo e as coisas
do espelho imóvel dos conceitos.
Ah, que mistério maior é este
que liga a liberdade e o homem
e une o homem a outros homens
como o curso de um rio ao mar!
(quando a noite é una e indivisível,
nos olhos da mulher que eu amo
acende-se o deus deste segredo
-e uma sombra só nos transporta
ao fundo sem nome da vida.)É inútil querer parar o Homem.
Do que morre fica o gesto alto
a ser o germe de outro gesto
que ainda nem vemos no tempo.
O mistério do destino humano é que somos fatais, mas temos a liberdade de cumprir ou não o nosso fatal: de nós depende realizarmos o nosso destino fatal.
Musa Impassível II
Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,
Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca!
Dá-me que eu vá contigo, em liberdade franca,
Por esse grande espaço onde o impassível mora.Leva-me longe, ó Musa impassível e branca!
Longe, acima do mundo, imensidade em fora,
Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora,
O áureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.Transporta-me de vez, numa ascensão ardente,
À deliciosa paz dos Olímpicos-Lares
Onde os deuses pagãos vivem eternamente,E onde, num longo olhar, eu possa ver contigo
Passarem, através das brumas seculares,
Os Poetas e os Heróis do grande mundo antigo.
A verdadeira liberdade é podermos tudo por nós.
Os Verdadeiros Males
Vejo uma objecção a qualquer esforço para melhorar a condição humana: é que os homens são talvez indignos dele. Mas repilo-a sem dificuldade: enquanto o sonho de Calígula se mantiver irrealizável e todo o género humano se não reduzir a uma única cabeça oferecida ao cutelo, teremos que o tolerar, conter e utilizar para os nossos fins; sem dúvida que o nosso interesse será servi-lo. O meu processo baseava-se numa série de observações feitas desde há muito tempo em mim próprio: toda a explicação lúcida me convenceu sempre, toda a delicadeza me conquistou, toda a felicidade me tornou moderado. E nunca prestei grande atenção às pessoas bem intencionadas que dizem que a felicidade excita, que a liberdade enfraquece e que a humanidade corrompe aqueles sobre quem é exercida. Pode ser: mas, no estado habitual do mundo, é como recusar a alimentação necessária a um homem emagrecido com receio de que alguns anos depois ele possa sofrer de superabundância. Quando se tiver diminuído o mais possível as servidões inúteis, evitado as desgraças desnecessárias, continuará a haver sempre, para manter vivas as virtudes heróicas do homem, a longa série de verdadeiros males, a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não correspondido,
Estou firmemente convencido que só se perde a liberdade por culpa da própria fraqueza.
A liberdade da imprensa não faz sentir o seu poder apenas sobre as opiniões políticas, mas também sobre todas as opiniões dos homens. Não modifica somente as leis, mas os costumes (…) Amo-a pela consideração dos males que impede, mais ainda do que pelos bens que produz.
A minha liberdade não deve procurar captar o ser, mas desvendá-lo.
A liberdade não tem preço, a mera possibilidade de obtê-la já vale a pena.
A Inutilidade do Viajar
Que utilidade pode ter, para quem quer que seja, o simples facto de viajar? Não é isso que modera os prazeres, que refreia os desejos, que reprime a ira, que quebra os excessos das paixões eróticas, que, em suma, arranca os males que povoam a alma. Não faculta o discernimento nem dissipa o erro, apenas detém a atenção momentaneamente pelo atractivo da novidade, como a uma criança que pasma perante algo que nunca viu! Além disso, o contínuo movimento de um lado para o outro acentua a instabilidade (já de si considerável!) do espírito, tornando-o ainda mais inconstante e incapaz de se fixar. Os viajantes abandonam ainda com mais vontade os lugares que tanto desejavam visitar; atravessam-nos voando como aves, vão-se ainda mais depressa do que vieram. Viajar dá-nos a conhecer novas gentes, mostra-nos formações montanhosas desconhecidas, planícies habitualmente não visitadas, ou vales irrigados por nascentes inesgotáveis; proporciona-nos a observação de algum rio de características invulgares, como o Nilo extravasando com as cheias de Verão, o Tigre, que desaparece à nossa vista e faz debaixo de terra parte do seu curso, retomando mais longe o seu abundante caudal, ou ainda o Meandro, tema favorito das lucubrações dos poetas, contorcendo-se em incontáveis sinuosidades,