Soneto Quebradiço
Mão minha com maminha movediça
traçando vai na limpa areia branca
versos cambaios, frouxos, na liça
língua caçanje, claudicante, manca.No pé quebrado o ritmo se atiça
para dançar com rimas pobres, franca
trança de cambalhota tão cediça,
que me corrompe o salto e que me estanca.Queda de braço nas quebradas quebras
vou me quebrando como um bardo gauche:
pelas savanas sou mais uma zebra.Mas consciente desse torto approuch
já me socorre a gíria de alma treta
para solar meu solo nos ouvidos moucos.
Passagens sobre Língua
326 resultadosA intemperança da língua não é menos funesta para os homens que a da gula.
O Martírio Do Artista
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!Tarda-lhe a idéa! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralítico que, à mingua
Da própria voz e na que ardente o lavraFebre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!
A língua, por assim dizer, é o espaço social das ideias.
A língua bate (vai) onde dói o dente.
A espada é a língua dos déspotas.
Não existem línguas mortas mas cérebros letárgicos. in A Sombra do Vento
O Adoçamento da Pílula Vocabular
É curioso verificar através da língua — espelho fiel de cada sociedade e de cada época — como em certos aspectos essenciais da vida não houve práticamente progresso nenhum, consistindo tudo quanto se fez num puro e vazio eufemismo de designação. Escravo, servo, criado, empregado, assalariado … ; demoníaco, possesso, maluco, doido, doente, nevrosado…
Soneto I
De Amor escrevo, de Amor falo e canto;
E se minha voz fosse igual ao que amo,
Esperara eu sentir na que em vão chamo
Piedade, e na gente dor e espanto.Mas não há pena, ou língua, ou voz, ou canto
Que mostre o amor por que eu tudo desamo,
Nem o vivo fogo em que me sempre inflamo,
Nem de meus olhos o contino pranto.Assi me vou morrendo, sem ser crida
A causa por que em vão mouro contente,
Nem sei se isto que passo é vida ou morte.Mas inda da que eu amo fosse ouvida
E crida minha voz, e da vã gente
Nunca entendida fosse minha sorte!
O povo faz bem as línguas. Fá-las imaginosas e claras, vivas e expressivas. Se fossem os sábios a fazê-las, elas seriam baças e pesadas.
Língua comprida, mão encolhida.
A língua não tem osso, mas quebra ossos.
Na Europa há um mito histórico e religioso. A União Europeia tende para isso: um só comando genérico e uma só fé que é posta na democracia. Tira-se a religião um pouco para o lado e estabelece-se uma democracia generalizada, a união da Europa com um mesmo fim: um só rei e um só papa. É o mito que se está a tornar uma realidade actualmente com Bruxelas no centro da União Europeia. Acho que é óptimo mas é muito difícil porque há diferentes climas nas regiões, há diferentes idiossincrasias, diferentes línguas. É sempre muito difícil tornar uma coisa acessível a toda essa diversidade.
A língua de um povo é a sua alma.
Seguia Aquele Fogo, Que O Guiava
Seguia aquele fogo, que o guiava,
Leandro, contra o mar e contra o vento;
as forças lhe faltavam já e o alento,
Amor lhas refazia e renovava.Despois que viu que a alma lhe faltava,
não esmorece; mas, no pensamento,
(que a língua já não pode) seu intento
ao mar que lho cumprisse, encomendava.Ó mar (dezia o moço só consigo),
já te não peço a vida; só queria
que a de Hero me salves; não me veja…Este meu corpo morto, lá o desvia
daquela torre. Sê me nisto amigo,
pois no meu maior bem me houveste enveja!
Dos Tórrido Sertões, Pejados De Oiro
Dos tórridos sertões, pejados de oiro,
Saiu um sabichão de escassa fama,
Que os livros preza, os cartapácios ama,
Que das línguas repartem o tesoiro.Arranha o persiano, arranha o moiro,
Sabe que Deus em turco Allah se chama;
Que no grego alfabeto o G é gama,
Que taurus em latim quer dizer toiro.Para papaguear saiu do mato:
Abocanha talentos, que não goza;
É mono, e prega unhadas como gato.É nada em verso, quase nada em prosa:
Não conheces, leitor, neste retrato
O guapo charlatão Tomé Barbosa?
Tabacaria
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Soneto 434 A Néstor Perlongher
Na frente esteve e está, depois ou antes.
Poeta já portento de portenho,
em Néstor o barroco ganha engenho
e os verbos reverberam mais brilhantes.Da Frente mítico entre os militantes,
aqui tem maior campo seu empenho.
Da causa negra um dado a depor tenho:
tratou mais que os tratados dos tratantes.Aos putos imputou novo valor.
Da língua tinha humor sempre na ponta.
Das classes, luta e amor, é professor.Mediu o que a estatística não conta.
Territorializou do corpo a cor.
Deu tom de santa a tanta tinta tonta!
Uma língua afiada é a única ferramenta que se afia ainda mais pelo uso constante.
Aboio De Ternura Para Uma Rês Desgarrada Para Astrid Cabral
Fora de tua tribo peixe fora d’água,
bordando as muitas dores no ponto de cruz,
alinhavas rebanhos reunidos na frágua
dos rios da tua infância com escamas de luz.Versos tecidos na cambraia das anáguas
de alices caboclas, yaras-cunhãs do fundo,
encantadas dos peraus, afogando mágoas,
mas que sabem, sestrosas, dos botos do mundo.E os teus pés desgarrados pisaram em nuvens
de ventos sem mormaços, no azul de outras línguas:
águas despidas do alfenim de nossas chuvas.Te sabias folha de relva da ravina
irmã de Whitman e do Khayam simum
próxima do teu gado e rês da própria sina.