O ExercĂcio de Viver
Se o exercĂcio de viver consiste maioritariamente em se ir atraiçoando um por um os sonhos que animaram os nossos anos de infância e juventude, entĂŁo cada pessoa Ă© o resultado exato de um bom punhado de traições. Ă€s vezes centenas. Traem-se os sonhos mais puros e traem-se tambĂ©m os pesadelos. Por erro humano, fugimos de tempestades sem nos apercebermos de que eram tĂŁo nossas e estavam tĂŁo mergulhadas na nossa prĂłpria medula que sem elas nĂŁo poderĂamos existir. Dizemos, salva-me; dizemos, a ti já nĂŁo quererei cravar facas nas pernas, nĂŁo te farei mal, nĂŁo desejarei ver a tua expressĂŁo de dor em nenhum espelho, amar-te-ei de outro modo, adorar-te-ei a partir de um ser que nĂŁo existe, chamarei suplĂcio ao meu passado, chamar-lhe-ei calvário atĂ© chegar a ti. Dir-te-ei que Ă©s suave como sonho o cĂ©u e que nĂŁo me importo de fechar os olhos a tudo para sempre se souber que depois irás beijar-me as pálpebras. NĂŁo serei eu. Lançarei pazadas e mais pazadas de terra sobre o monstro. Aproximar-me-ei o mais possĂvel do nada, de um caixĂŁo sem morto, de uma catedral vazia. Comprar-te-ei flores.
NĂŁo pode ser muito difĂcil porque nada Ă© o que somos em definitivo,
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23 resultadosRodopio
Volteiam dentro de mim,
Em rodopio, em novelos,
Milagres, uivos, castelos,
Forcas de luz, pesadelos,
Altas tĂ´rres de marfim.Ascendem hĂ©lices, rastros…
Mais longe coam-me sois;
Há promontórios, farois,
Upam-se estátuas de herois,
Ondeiam lanças e mastros.Zebram-se armadas de côr,
Singram cortejos de luz,
Ruem-se braços de cruz,
E um espelho reproduz,
Em treva, todo o esplendor…Cristais retinem de mĂŞdo,
Precipitam-se estilhaços,
Chovem garras, manchas, laços…
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segrĂŞdo.Luas de oiro se embebedam,
Rainhas desfolham lirios;
Contorcionam-se cĂrios,
Enclavinham-se delĂrios.
Listas de som enveredam…Virgulam-se aspas em vozes,
Letras de fogo e punhais;
Há missas e bacanais,
Execuções capitais,
Regressos, apoteoses.Silvam madeixas ondeantes,
Pungem lábios esmagados,
Há corpos emmaranhados,
Seios mordidos, golfados,
Sexos mortos de anseantes…(Há incenso de esponsais,
Há mãos brancas e sagradas,
Há velhas cartas rasgadas,
Há pobres coisas guardadas –
Um lenço, fitas, dedais…)Há elmos, trofĂ©us, mortalhas,
Emanações fugidias,
Uma lista dos defeitos dos portugueses devia levar o polĂtico inteligente a elaborar projecto de sociedade em que eles passassem apenas a ser caracterĂsticas, ou quem sabe se qualidades.